31 março, 2012

O Homem do Futuro (BRA, 2011).


"Não se muda o que já foi". (fala de uma das versões de Zero, personagem de Wagner Moura).
Fantasia de ficção-científica bacana, O Homem do Futuro talvez seja  a primeira grande produção do gênero no Brasil e, apesar de uma ou outra concessão artística em detrimento do aumento do escopo de público, o filme é muito bem sucedido, em grande parte pelo carisma do elenco, mas claro sem tirar o mérito do cineasta e roteirista Cláudio Torres, em seu segundo flerte com o cinema "fantástico", visto que seu filme anterior, A Mulher-Invisível, já trazia um tema e estilo bastante particular.

Apesar seu elenco contar com belas mulheres - Alinne Moraes e Maria Luísa Mendonça, por exemplo -, a grande força do filme, no que se refere a atuação, está mesmo nas mãos do cada vez mais eclético Wagner Moura (Tropa de Elite) e da revelação - pelo menos para mim -, Fernando Ceylão, que entregam performances espontâneas, no limite entre o lúdico e o sério, facilitando assim a entrada do espectador neste misto de fantasia e realidade que é O Homem do Futuro. Outro ponto positivo do longa é a qualidade dos efeitos-visuais que, apesar de não aparecerem a todo momento, são apresentados com nível de produção internacional, não devendo nada a produtos americanos ou europeus do gênero.

Praticamente uma homenagem aos filmes norte-americanos de aventura dos anos 1980 - em especial, obviamente, a trilogia De Volta Para o Futuro -,  o filme de Cláudio Torres brinca com o imaginário popular tanto no que se refere às referências da época, quanto a própria ambientação, recheada de elementos característicos daquela década, com destaque especial para a escolha das músicas que compõem à trilha sonora, com destaque para as bandas nacionais Legião Urbana e Ultraje a Rigor e a australiana INXS.

Entretanto, apesar do clima de descontração e do foco na aventura e romance, O Homem do Futuro às vezes peca um pouco no que se refere ao amarramento da trama de viagem temporal, visto que seu desfecho mostra-se um tanto quanto forçado, despertando dúvidas que batem de frente com o início do longa - como Zero revela informações "privilegiadas" à personagem de Maria Luísa Mendonça, com o objetivo de salvar "seu futuro", se no passado original subtende-se que ele nunca teria voltado no tempo? -, mas nada que trilhe o brilhantismo e a graça do filme.

O Homem do Futuro não é um filme excepcional, parece se alongar em demasia e peca pelo excesso de romantismo, quando o que parece soar mais interessante no filme é a questão dos dilemas advindos das contínuas viagens no tempo, mas cumpre bem seu papel de entreter com qualidade, de homenagear uma década marcada por filmes com quê de sonhos e, mais do que tudo, aquece o mercado de filmes nacionais para a possibilidade de produzir mais filmes de gênero, visto que infelizmente nosso cinema parece manter-se viciado na tríade documentário, drama de favela/sertão e comédia com cara de TV. Sendo assim, este filme serve como um respiro para a falta de ousadia do nosso cinema, apesar de sua trama não ser assim tão diferente de uma comédia romântica convencional.

Obs.: Este foi o último trabalho como ator de Rodolfo Bottino, falecido em 2011.

AVALIAÇÃO: 7 de 10.

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O Homem do Futuro
 
Bilheteria: Adoro Cinema
 
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29 março, 2012

A Morte e a Donzela (Death and the Maiden, EUA/ING/FRA, 1994).

 "Jamais possuímos totalmente a alma feminina" (Dr. Miranda, personagem de sir Ben Kingsley, parafraseando Friedrich Nietzsche).

Misto de thriller e drama, A Morte e a Donzela foi baseado numa peça homônima de Ariel Dorfman, chileno que foi exilado do Chile durante do regime do ditador Augusto Pinochet e trata de traumas, conflitos ideológicos, crítica político-social (ditadura), isolamento, enfim, decupa e expõe mazelas diversas inerentes ao ser-humano, sejam estas de ordem física ou psicológica. Dirigido por um dos maiores especialistas em realizar filmes que tratam da relação causa e consequência do ser-humano, o polonês Roman Polanski (vencedor do Oscar de melhor direção por O Pianista) e estrelado por Sigourney Weaver (Alien, o 8º Passageiro), Sir Ben Kingsley (A Invenção de Hugo Cabret) e Stuart Wilson (A Máscara do Zorro), este filme é um primor tanto no que tange a atuação quanto no quesito técnico. 

Envolvente, questionador, intimista (o filme inteiro praticamente se resume à interação do trio acima) e tenso, A Morte e a Donzela é um belo tratado acerca do potencial do homem para o bem e o mal, e além do mesmo, tornando-se assim um filme com fortes contornos filosóficos, sociológicos, antropológicos e psicológicos (a obra faz questão de referenciar gênios como Nietzsche, Freud e Schubert, por exemplo), apresentando a imprevisibilidade humana concomitantemente a seus altos e baixos no que se refere ao certo e ao errado. Um filme que trata das consequências (físicas e, principalmente, psicológicas) das pessoas perseguidas e torturadas por regimes ditatoriais, entretanto sem nunca definir o "vilão" como totalmente mau, nem a "vítima" como totalmente boa, construindo assim uma realidade constante de dúvidas e paranóia, onde o que prevalece é o cinza em detrimento do preto e branco.

Por fim, A Morte e a Donzela é um filme profundo ao tocar em um tema sempre delicado e, mesmo que mantenha a estrutura dramatúrgica original (a concepção de isolacionismo lembra demais a forma em que deve ter sido praticado nos palcos), traz características cinematográficas apuradas, em parte devido ao talento do elenco, mas principalmente pela genialidade do condutor da obra, o mestre Polanski. Este não é um dos mais cultudados trabalhos do polonês, entretanto, mesmo sendo uma "obra menor", não deixa de ser espetacularmente construída. Seja um drama ou um thriller, seja uma metáfora, uma peça ou um pseudo-documentário, o que importa é que o filme carrega consigo, do começo ao fim, questionamentos e perguntas, deixando as respostas e possível conclusão apenas ao espectador, que com toda certeza gerará infinitos debates mentais, em especial devido ao clímax final e, também, ao desfecho enigmático, onde apenas através de música (Schubert) e expressões conhecemos a angústia e medo passados pelos personagens principais.

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Filmes de ROMAN POLANSKI comentados no CineMografia.

A Morte e a Donzela

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28 março, 2012

Si Può Fare (ITA, 2008).


"Quando alguém está dormindo, precisa ser acordado". (Luca, personagem de Giovanni Calcagno).
O cinema italiano contemporâneo é conhecido pelo seu clima festivo, sua aura excessivamente positiva, um tanto quanto otimista quanto a visão de mundo. Si Può Fare (Dá Pra Fazer, em português) tranquilamente se encaixa nesse perfil, só que ao contrário dos títulos que investem na comédia de costumes ou no romance com pegada novelesca, o filme de Giulio Manfredonia transcende e, além de investir na emoção e simplicidade narrativa, traz uma forte carga social, destacando a possibilidade real dos indivíduos portadores de transtornos mentais (interpretados por um elenco magistral) serem novamente sociabilizados através do trabalho, do retorno à convivência fora dos muros dos hospitais e, principalmente, responsáveis mais uma vez pelo livre arbítrio próprio e por sua liberdade.

Tocando quando deve ser e engraçado quando menos se espera, Si Può Fare é um filme sincero e contundente, que desconstrói um paradigma psico-social de maneira eficiente, sem apelar para sentimentalismo raso ou críticas carregadas de anacronismos políticos. Pelo contrário, por apostar no humano a todo momentos, o filme expõe ao espectador toda a complexidade e falta de espaço que os indivíduos com transtornos mentais sofrem por parte do Poder Público, das comunidas, da família e da sociedade em geral, tudo isso através de uma história de superação pela fé em si mesmo, pela luta diário para se encaixar num mundo diferente daquele pelo qual suas mentes se relacionam, pela capacidade de viver pelas próprias mãos. 

Si Può Fare foi baseado em algumas histórias reais registradas nos anos 1980, mas apresenta uma solução tão atual que é esquisto imaginar que até hoje esta não é aplicada - muito menos difundida - em países de terceiro mundo como o Brasil. Funciona como cinema, e mais ainda, funciona como crítica social. Si Può Fare é um daqueles tesourinhos que poucos tiveram o prazer de usufruir (leia-se, assistir), mas que é mais do que indicado e com toda certeza é impossível ficar indiferente a esta obra tocante, contundente e apresentadora de boas soluções, estando assim contramão da tendência comum ao cinema, que parece ser a de apresentar problemas.

AVALIAÇÃO: 8 de 10.

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Si Può Fare

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26 março, 2012

Os Vigaristas (Matchstick Men, EUA, 2003).


Muitos afirmam que nas últimas duas décadas Ridley Scott (Gladiador) perdeu a mão e não tem realizado obras de nível tais quais Alien - O Oitavo Passageiro e Blade Runner - O Caçador de Andróides, por exemplo. Entretanto, apesar do mesmo realmente ter deixado um pouco de lado os filmes com temáticas "questionadoras", sua filmografia sempre oscilou entre gêneros e ultimamente, talvez pelo seu amadurecimento como cineasta, Scott tem alternado grandes produções com projetos mais intimistas e, por que não dizer, simples. Contudo, não é por que tais filmes possuem uma aura simplicidade que serão produtos ruins ou de baixo nível. Longe disso, são títulos bacanas que, talvez por possuírem a assinatura desse conceituado e cultuado cineasta, acabam sendo considerados obras menores (quando não totalmente ignoradas), porém caso fossem filmes de qualquer outro diretor de menor expressão com toda certeza seriam bem mais respeitadas, apreciadas e aplaudidas. Vai entender o ser humano, não é mesmo?

Felizmente (ou não, caso você não concorde com meu texto introdutório) Os Vigaristas encontam-se nessa categoria de "bons filmes despretenciosos". Divertido, ágil, recheado de boas sacadas, possuidor de um bom elenco e, apesar de não ser seu principal objetivo, com uma mensagem positiva (por trás das falcatruas mostradas, óbvio) sobre paternidade e segundas chances. Estrelado por Nicolas Cage (Motoqueiro Fantasma 2: Espírito da Vingança) - surtado e carismático como sempre -, Sam Rockwell (Homem de Ferro 2) e Alison Lohman (Arraste-me Para o Inferno) - em seu primeiro grande papel no cinema -, o enredo de golpes nada mais é do que uma desculpa para um show (isso mesmo) de interpretações hiperbólicas e caricaturais, só que com a competência que apenas um elenco de primeiro poderia entregar, visto que apesar dos exageros, estas nunca chegam a ofender ou a causar repulsa. Muito pelo contrário, é justamente esse clima carregado e nonsense que dá alma ao filme.

Cage e Rockwell, em particular, mais uma vez repetem os estereótipos pelos quais são mais conhecidos no cinema, visto que ambos já interpretaram personagens com características semelhantes diversas vezes anteriormente, só que o fazem de maneira tão orgânica e divertida que provocam certa surpresa no espectador. Ou seja, aquele mais do mesmo que funciona sem esforço algum, graças ao grande talento destes atores. Em resumo, Cage interpreta mais uma vez o cara cheio de tiques, com tendências entre a loucura e a esquizofrenia - com muito brilho e presença de espírito, como já frisado acima -, enquanto Rockwell nos mostra mais uma vez aquele tipo divertido, malandrão e com jeito de cafajeste, que sempre nos deixa em dúvida acerca de sua índole. Em suma estereótipos recorrentes nas carreiras destes astros, mas que mais uma vez estes os reciclam de maneira divertida. Encontra-se aí o grande diferencial de um grande diretor por trás de toda essa zona, visto que talvez se fosse outro que não Ridley Scott a dirigí-los, apesar dos talentos já destacados dos atores, seria fácil tais interpretações caírem nas mesmice e ao invés de serem grandes destaques do filme, viraram pastiche de grandes papéis passados. 

Os Vigaristas não é uma obra ambiciosa ou épica como Gladiador, Cruzada e outros citados de Ridley Scott, entretanto é super competente em seu gênero e, apesar da falta de grandiosidade, supera em muito tanto produções mais recentes (Falcão Negro em Perigo, Robin Hood) quanto antigas (1942 - A Conquista do Paraíso) do cinesta que tinham como grande chamariz a super-produção e o clima épico. Sendo assim, apesar de não ser um grande clássico do cinema, Os Vigaristas é um filme bacana e competente, que cumpre com sobras todos os seus objetivos, dentre eles o de divertir sem nenhum tipo de restrição e de desafogar um pouco a pretensão de filmes cada vez "maiores" (traduza como bem entender) de um cineasta que já não tm mais nada a provar.

AVALIAÇÃO: 8 de 10.

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Os Vigaristas

Bilheteria: Box Office Mojo

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25 março, 2012

Capitão América: O Primeiro Vingador (Captain America: The First Avenger, EUA, 2011).



Capitão América: O Primeiro Vingador não é um filme perfeito ou original, entretanto tem um clima de matinê e uma aura oitentista que o fazem interessante, desde o tom inocente e a simplicidade do roteiro (que tem muito da origem do personagem nas histórias em quadrinhos dos anos 1940) até as bem definidas personalidades das personagens, facilmente reconhecíveis como heróis ou vilões. Ou seja, o filme tem em cerca de duas horas todas as características possíveis para agradar a criançada em busca de "novos" super-heróis, ou seja, heroísmo classíco, vilão maluco com um plano maluco, diálogos espertos e um roteiro sem muitas firulas.

Com certeza o melhor trabalho de Joe Johsnton (Mar de Fogo) na direção, Capitão América: O Primeiro Vingador soa apenas fraco no desenvolvimento das cenas de ação - muitas excessivamente apressadas e algumas montadas de maneira desconexa - e na caracterização do vilão Caveira Vermelha (a cargo do eterno agente Smith de Matrix, Hugo Weaving), que apesar de acertar no tom, exagera na caricatura, extrapolando até mesmo aquilo que o filme propõe. Entretanto, tem uma das melhores ambientações dos filmes recentes da Marvel Studios e uma direção de arte e fotografia primorosos. Os efeitos visuais, se não surpreendes, surgem corretos na maior parte do filme.

Chris Evans (Sunshine - Alerta Solar) está super a vontade e competente como Steve Rogers/Capitão América, surpreendendo principalente a mim pela seu misto de delicadeza e força ao compor o personagem. Tommy Lee Jones (M.I.B. - Homens de Preto) traz mais do mesmo ao seu personagem, mas diverte em alguns momentos (talvez pela canastrice), Hayley Atwell (O Sonho de Cassandra) traz beleza a personagem, enquanto Stanley Tucci (Um Olhar do Paraíso), apesar da curta aparição, constrói um personagem carismático e que causa empatia imediata no espectador.
Competente por se entregar ao clima de fantasia e reverente à escola de filmes de aventura dos anos 1980 (o diretor Johnston começou nesta década),  Capitão América: O Primeiro Vingador não é um filme excepcional, mas cumpre bem o esperado e soa divertido em quase toda a sua projeção, só desempolgando em seu encerramento, muito por ser truncado e abrupto - o pseudo-final com as crianças brincando com um "escudo" do personagem é bonito, mas soa incompleto devido a falta de nexo com o que viria a seguir -, parecendo mais interessado em mostrar que o personagem será um dos integrantes do projeto Vingadores do que em encerrar o seu ciclo (super dramático, por sinal) de maneira mais épica e emocionante, coisa que o personagem merecia.

AVALIAÇÃO: 8 de 10.

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Capitão América: O Primeiro Vingador

Bilheteria: Box Office Mojo

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Traídos pelo Desejo (The Crying Game, ING, 1992).



Ambientado num período de enfevercência política na Irlanda do Norte, em especial no auge dos conflitos civis do grupo separatista I.R.A., Traídos pelo Desejo na verdade é um thriller que fala sobre redescoberta e superação de conflitos internos, tendo o contexto político apenas o objetivo de pontuar metaforicamente a subjetividade dos personagens em questão. Dirigido e escrito por Neil Jordan (Entrevista com o Vampiro), este filme talvez seja mais reverenciado devido a virada magistral - principalmente no que se refere à surpresa - que acontece na metade de sua metragem, que realmente faz um corte com tudo aquilo que fora mostrado anteriormente e transforma o filme em algo "completamente" distinto do que havia sido antes, de maneira que a partir daí o contexto humano torna-se mais forte, enquanto o político perde um pouco do seu foco, apesar do mesmo ainda persistir presente até o final do filme.

Indicado a divesos prêmios, Traídos pelo Desejo não é um filme magnífico, visto que talvez muito do que é apresentado no mesmo deve agradar mais ao público do Reino Unido, muito mais próximo as temáticas ambientais do trabalho de Jordan. Estrelado por Stephen Rea (V de Vingança), Miranda Richardson (Perdas e Danos), Forest Whitaker (vencedor do prêmio de melhor ator por este filme no Festival de Cannes) e Jaye Davidson (Stargate), que entrega uma interpretação surreal (mais detalhes podem estragar o filme), além de contar com a participação de um "jovem" Jim Broadbent (As Crônicas de Nárnia: o Leão, a Feiticeira e o Guarda Roupa), Traídos pelo Desejo é intrigante, intimista e, apesar de não ter aquele quê de filme imperdível, tem uma das melhores viradas de trama que já conferi (daquelas de fazer sua mente explodir, pensando apenas "what the fuck?!"). Um grande trabalho do irlandês Neil Jordan em que, felizmente ou não, a surpresa vale mais do que a trama.

AVALIAÇÃO: 7 de 10.

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Traídos pelo Desejo
 
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24 março, 2012

A Noite dos Mortos Vivos (Night of the Living Dead, EUA, 1968).


Apesar dos primeiros minutos entregarem à época em que o filme foi filmado e conter em sua essência um quêzinho de amadorismo, o restante do material apresentado após o aperecimento do primeiro "morto-vivo" é de uma qualidade primorosa. Não que seja espetacular, longe disso, mas devido a aparente falta de grana para a feitura do longa, a partir daquele momento o filme cresce de maneira tão vertiginosa que somente podemos congratular os esforços e o talento do diretor George A. Romero (Despertar dos Mortos) pela arquitetura do filme, que segue com um clima de suspense e tensão raros em produções da época e estabelecendo a cartilha tanto dos filmes de temática parecida quanto do gênero terror como um todo (até mesmo títulos como Sexta-Feira 13 e Halloween devem seu estilo à Noite dos Mortos Vivos).

Formado basicamente por elenco desconhecido (até hoje) e utilizando de poucas locações - basicamente vemos uma rodovia, um cemitério, uma casa e alguns campos -, A Noite dos Mortos Vivos é considerado - com justiça, aliás - um grande marco do gênero, estabelecendo quase todas as regras no que se refere a ambientação e justificação dos filmes que tratam de infestação de mortos revividos através de algum tipo vírus (o desse filme tem causa "extraterrena").

Possuidor de um encerramento anticlimático e de certa forma negativista, além de estabelecer paradimas (como já frisado acima) e ponderar com competência a "razão" da existência da praga de "mortos-vivos", A Noite dos Mortos Vivos não tem contornos políticos como mote (esse tema seria abordado depois por Romero), mas é um filme muito-bem construído, cheio de dilemas humanos - sob o prisma da sobrevivência -, bem filmado, tenso na medida certa e, de certa forma, atemporal, apesar de ter sido originalmente concebido em preto e branco (a versão em DVD também possui a versão colorizada digitalmente, mas optei por conferir o filme da maneria com que foi pensado e veiculado) e contar com pouco investimento em termos orçamentários. Obviamente deve ser visto como produto de sua época, dessa forma os entusistas do cinema pipoca de hoje devem ter um pouco mais de paciência para com ele. Enfim, talvez A Noite dos Mortos Vivos não seja o melhor do gênero, mas é o principal responsável por este existir.

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A Noite dos Mortos Vivos

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Filmes de GEORGE A. ROMERO comentados:

23 março, 2012

Bicho de Sete Cabeças (BRA, 2001).


 "Netú, Netú, vem cá, Netú, Netú, Netú, olha eu, Netú, Netú, ..." (interno Ceará, personagem de Gero Camilo).
Com uma aparente influência Kafkaniana em sua abordagem e de importância ímpar quanto ao seu embasamento contextual, Bicho de Sete Cabeças pode ser considerado o equivalente brasileiro ao cult Réquiem para um Sonho, de Darren Aronofsky (Cisne Negro), um filme que visualiza aspectos do que chamamos de loucura através da abordagem de temas que nos são bastante conhecidos, como conflitos familiares, adolescencia problemática, omissão do Poder Público e, como não poderia deixar de estar presente, a falida instituição e cultura dos manicômios.

Rodrigo Santoro (Abril Despedaçado) já chega arrasando em seu primeiro trabalho para cinema, apresentando com muita propriedade e detalhamento todas as fases passadas por seu personagem Neto, de sua aparente desconexão com o mundo antes da internação quanto sua posterior depressão e incidência em atos de loucura após a mesma e a condução da diretora Laís Bodanzky (As Melhores Coisas do Mundo) é de grande valor, visto que esta é a principal responsável pela entrega do ator. Além disso, Bodanzky deixa sua marca no quesito estético durante todo o longa, com passagens que brincam com cores na tentativa de representar a forma atrapalhada com que os pensamentos de Neto estão durante sua permanência no manicômio.

Um filme importante, contundente, complexo e moderno, Bicho de Sete Cabeças levanta questionamentos vários e apresenta fatos, visto que seu enredo, apesar da opção estética de em alguns momentos desenvolvê-lo através de contornos surrealistas  (acredito que este tenha tal estilo por apresentar a visão do protagonista com relação ao acontecido), foi baseado em um livro que retratava fatos verídicos, tornando assim o filme mais um manifesto de denúncia do que um produto cinematográfico, o que com toda a certeza não o diminui de forma alguma, pelo contrário, o faz adquirir identidade e estilo próprios, tornando-o assim um filme essêncial tanto para quem curte cinema nacional, quanto para quem gosta de filmes que tratem de assuntos de grande relevância e que merecem discussão.

AVALIAÇÃO: 7 de 10.

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Bicho de Sete Cabeças

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18 março, 2012

O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chainsaw Massacre, EUA, 1974).


"Ahhhhhhhhhhhhh... Ahhhhhhhhhhhh... Ahhhhhhhhhhh..." (Sally Hardesty, personagem de Marilyn Burns).
Para os jovens de hoje, acostumados com um outro tipo de cinema de horror, este O Massacre da Serra Elétrica pode soar muito mais risível do que aterrorizante, muito devido ao factual envelhecimento da obra, que persiste mais marcada pelo feito histórico de ser divisora de águas do estilo e referência/criadora de um subgênero - o filme de terror slasher -, mas que realmente provoca dúvidas se analisada fora do contexto em que foi criada. Filme de baixíssimo orçamento e realizado com poucos recursos técnicos, O Massacre da Serra Elétrica é um recorte de paranóia, medo e loucura durante o final do movimento hippie, mostrando duas faces de um mesmo povo duelando entre si: o anacronismo e conservadorismo do povo arcaico do Texas, tomado pela loucura e pelo desapego à vida, e o avanço de pensamento e a libertinagem do povo forasteiro, tomado como vítima através do olhar cínico e muitas vezes impiedoso do criador da obra, Tobe Hooper (Poltergeist: o Fenômeno).

Mais ensaio de estilo e criatividade do que força cinematográfica, O Massacre da Serra Elétrica permanece por que, apesar das diversas limitações técnicas e conceituais (estas transparecendo com muito mais força hoje), é um filme ousado, indigesto, que provocaria medo a qualquer cidadão "normal" vivendo na década de 1970 e que, quer queira ou não, sedimentou paradigmas intransponíveis para todo um gênero: pouca grana não é sinal de pouco horror. Que o diga o sangue, a música, o clima e os gritos vistos e ouvidos neste referencial filme indie. Terror ou não, o filme de Tobe Hooper é diversão de primeira - seja para as platéias gritarem de medo ou de tanto rir.

AVALIAÇÃO: 8 de 10.

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O Massacre da Serra Elétrica

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O Nome da Rosa (The Name of the Rose, ALE/FRA/ITA, 1986).


A cada nova assistida, novos elementos são evidenciados. É esta a impressão que tive ao conferir mais uma vez O Nome da Rosa, dirigida pelo cineasta francês Jean-Jacques Annaud (Sete Anos no Tibet) e baseada no best-seller do filósofo e escritor italiano Umberto Eco. Visualmente primoroso até hoje, com sua ambientação beirando a perfeição no que se refere aos figurinos e a direção de arte, além do clima de curiosidade promovido por todo o longa, O Nome da Rosa tem como grande chamariz sua trama inteligente e recheada de referências - do sobrenome do personagem principal, Baskerville às várias alusões a pensadores clássicos, como Aristóteles e Tomás de Aquino - e, mais do que isso, a forma contundente e competente com com que destila críticas àquele período histórico popularmente conhecido como Idade das Trevas, seja através do poderio da Santa Igreja Católica (intelectual e financeiro), seja através da miséria com que se encontrava a plebe naquele período, seja mesmo através da banalização do conhecimento e da estúpida ação dos componentes da "Santa" Inquisição, tudo isso de maneira muito bem distribuída, nunca cansada, num clima que mistura mistério e drama de forma ímpar.

Talvez o melhor trabalho da carreira de Annaud (tanto em visibilidade, importância e, principalmente, sucesso comercial), O Nome da Rosa conta com a participação do eterno agente 007, Sean Connery (O Assassinato no Expresso Oriente), entregando aqui o melhor papel de mentor de sua carreira, transbordando complexidade e nobreza como o religioso pensador (e formulador) que visita a abadia italiana e que causa polêmica com sua personalidade "detetivesca". O filme também marca a estreia nas telas da até então promessa Christian Slater (Robin Hood - O Príncipe dos Ladrões), que infelizmente, como tantos outros, não foi cumprida.

Desbravador, ousado, corajoso, contundente, contagiante, polêmico e surpreendente, O Nome da Rosa é fenomenal em praticamente tudo, causando impacto até hoje, seja no âmbito visual, seja no que se refere ao seu conteúdo. Talvez o melhor filme a retratar a Idade Média no cinema, em especial o funcionamento de um mosteiro, O Nome da Rosa virou referência a quase toda obra que tende a retratar aquela época de maneira mais próxima à realidade, além de ratificar que há sim possibilidade de produzir uma obra de entretenimento que divirta sem que para isso tenha que tratar o espectador como inculto.

AVALIAÇÃO: 10 de 10.

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O Nome da Rosa

Bilheteria: Box Office Mojo

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