27 junho, 2013

Jack - O Caçador de Gigantes (Jack the Giant Slayer, EUA, 2013).



Qual seria o problema de Jack - O Caçador de Gigantes? Um elenco fraco? Não, longe disso. Baixo orçamento? Nem um pouco, visto que o mesmo é bem mais que generoso. História batida? Talvez um pouco, mas a premissa gera interesse. Diretor iniciante? Pelo contrário, temos aqui um nome mais que consagrado na indústria de filmes norte-americana. Então, repito, qual seria o problema com o filme? O problema é que não há novidade, não há desenvolvimento à trama, é tudo muito previsível, muito "jogado" em tela. Dessa forma, apesar de na teoria possuir um cabedal de elementos que poderiam torna-lo um filme uma excelente, a falta de profundidade do roteiro, o desenvolvimento raso dos personagens, as atuações pouco inspiradas e uma direção sem característica própria - o que é mostrado em tela poderia ter sido feito por qualquer diretor iniciante - acabam por tornar esta uma obra no máximo mediana, sem grandes atrativos.

Bastante apoiado no efeito 3D - conferi a versão 2D, mas fica óbvio, na composição das cenas, a "pegada" em três dimensões do filme - e com um tom bastante infantilizado, Jack - O Caçador de Gigantes pode ser caracterizado como um filme morno, de longe o mais fraco da boa filmografia de Bryan Singer (X-Men) e que, apesar de possuir alguns bons momentos, nunca empolga, seja nas sequências de ação - apoiadas à exaustão nos efeitos digitais -, seja na condução de seus personagens, que se mostram bastante unidimensionais, inclusive o duo central formado por Jack (Nicholas Hoult, de X-Men: Primeira Classe) e  Isabelle (Eleanor Tomlinson, de O Ilusionista). Enquanto esta não convence, visto que sua capacidade de atuação apresentada aqui é bem fraquinha, o primeiro sofre com o péssimo desenvolvimento dado pelo roteiro de David Dobkin (Penetras Bons de Bico), Dan Studney e Darren Lemke (Shrek Para Sempre) - revisado por Christopher McQuarrie (Jack Reacher - O Último Tiro) -, o que praticamente anula qualquer tentativa de convencimento por parte do - este sim bom - ator.

Apesar de alguns elementos não estarem alinhados - como a direção pouco inspirada e as atuações nada além do comum -, o pior ponto do filme encontra-se mesmo na formatação do seu roteiro, visto que apesar do mesmo se sair bem no quesito aventura, fica devendo bastante no que se refere a construção dos diálogos, a composição dos personagens (inclui-se aí tanto informações quanto as motivações deles, como também seu posicionamento no universo abordado pelo filme) e à evolução da trama como um todo, que vai do genérico - a abertura "chupada" de Hellboy II: O Exército Dourado - ao pouco inspirado - o miolo do filme é bem sem graça -, culminando numa sequência final até empolgante, porém, não são algumas boas cenas de ação que tirarão a obra do lugar comum. 

Com efeitos visuais irregulares - a impressão que se passa é a de que foi destinado um cuidado maior a um punhado de gigantes, enquanto a outros não -, ritmo lento, excesso de personagens e tom pouco atrativo - aposto que nem as crianças comprarão a ideia do filme -, Jack - O Caçador de Gigantes não consegue passar por cima do estigma negativo das produções recentes baseadas ou inspiradas em contos de fada ou lendas de conotação infantil, tendo o agravante de possuir o que talvez seja o melhor elenco dentre estas - passam pelo filme nomes como Ewan McGregor (O Impossível), Stanley Tucci (Jogos Vorazes), Ian McShane (Piratas do Caribe: Navegando em Águas Perigosas), Eddie Marsan (V de Vingança), Ewen Bremmer (Sentidos do Amor) e Bill Nighy (O Exótico Hotel Marigold) - e não utilizá-lo bem. Bryan Singer pode não ser uma unanimidade, mas mesmo com obras mais interessantes (e reconhecidas) que outras, vinha sempre contribuindo de forma positiva ao cinema de entretenimento, mas é notório que com esta sua primeira incursão no universo fabulesco e infantil o tiro saiu pela culatra, muito devido a falta de "autoralidade" empregada a obra e ao estilo genérico, no qual pouco importa se quem dirigiu a obra é ou não um cineasta renomado. Muito pouco para nomes tão conceituados como os que despontam nos créditos do filme.

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24 junho, 2013

Um Sonho de Liberdade (The Shawshank Redemption, EUA, 1994).

"O medo pode mantê-lo prisioneiro. A esperança pode libertá-lo" (Livre tradução da frase disposta no poster promocional do filme).
Um dos melhores filmes baseados em obras do escritor Stephen King e uma das obras mais queridas pelos entusiastas da sétima arte - não a toa, por muitos anos este foi o filme com a maior avaliação no Internet Movie Database -, Um Sonho de Liberdade é um tocante drama fabular que contagia não só por sua construção enigmática, mas também pela ótima construção de personagens e pelo carisma emanado pelo elenco, sendo este um raro filme em que o argumento, o roteiro, a concepção de personagens e as atuações casam a perfeição, sendo quase impossível sugerir uma possível alteração ou acréscimo dentro deste conjunto.

Dirigido e adaptado pelo brilhante Frank Darabont (O Nevoeiro), cineasta que viria a se tornar um especialista em adaptações de obras de King, Um Sonho de Liberdade é uma obra que desperta o interesse do espectador do início ao fim, pois utiliza o subterfúgio do homem inocente condenado a um crime que não cometeu como pontapé para a discussão de temas mais urgentes e próximos ao homem comum, como a triste realidade do sistema penal e carcerário como um todo, o fato de que o criminoso condenado não deixa de ser humano - no caso de algumas das personagens do filme, ainda mais do que as sentinelas e guardas do presídio - e que, independentemente dos erros que porventura estes tenham cometido, valores básicos como "honra" e amizade não apenas permanecem, como são elevados a novos patamares - em especial a dos personagens interpretados por Tim Robbins (Missão: Marte) e Morgan Freeman (Se7en - Os Sete Crimes Capitais) -, justamente pela necessidade adaptativa/evolutiva despertado pelo ambiente opressor o qual habitam.

O longa é recheado de metáforas, especialmente as relacionadas ao contido personagem de Robbins, que vive o ex-banqueiro Andy Dufresne e ao seu braço direito Red, personagem de Freeman. O grande barato está justamente em "sacar" estas mensagens (as quais não irei me debruçar, justamente por que a descoberta destas ampliam o interesse à obra, contudo, adianto que temas como livre-arbítrio e determinismo social são pincelados), que certamente complementam o arco narrativo do filme e conferem ao mesmo um diferencial em relação a obras outras, pois sobressai o drama dos condenados, abraçando o caráter humano em sua investigação sócio-antropológica. Com isso não afirmo que o filme é pedante, pretensioso ou acadêmico, pois o caráter "intelectualóide" é inexistente, tendo este acertado em cheio na missão de transpor os limites da tela com mensagens inteligíveis ao público, sem que para isso tenha que se furtar do caráter de obra-entretenimento, o qual inquestionavelmente é.

Capaz de conquistar gregos e troianos (quem desejar um filme leve, receberá um filme leve, mas quem almeja profundidade e signos metafóricos, certamente os encontrará), este primeiro trabalho de Frank Darabont como diretor de cinema é primoroso também nos quesitos técnicos, tendo como destaque a sempre competente composição fotográfica de Roger Deakins (a qual foi indicada ao Oscar), cuja escolha de enquadramentos, lentes e iluminação dão ao filme um visual um tanto onírico, mas nunca ao ponto de termos a certeza de que tudo o que se passa em tela não passa de um sonho. A direção de arte (Peter  Smith) e figurino (Elizabeth McBride) também mostram-se competentes, caracterizando bem tanto o clima opressor de uma instituição penitenciários nos idos dos anos 1940, como as vestimentas do período (que se estende até meados dos anos 1970). A única coisa que desperta certo incômodo é a trilha sonora de Thomas Newman (007 - Operação Skyfall), que ao meu ver exagera um pouco nas tomadas mais emotivas do filme, pois sabota parte da força que a imagem e os diálogos possuem por si só ou adianta o sentimento que deveria ser desperto alguns frames (quadros) depois, lembrando um pouco o exagero cometido recentemente por John Williams, no filme Cavalo de Guerra, de Steven Spielberg. Entretanto, apesar do pequeno incômodo, há acertos na composição de Newman - quando bem dosado, os temas refletem bem o caráter das personagens e da prisão de Shawshank -, o que, consequentemente, não diminui a obra como um todo.

Sensível, bem filmado, dono de um elenco de primeira e contando com algumas interpretações icônicas - Robbins faz o possível para liderar o filme, mas sua opção artística em compor um personagem afastado do comum vez ou outra acaba descaracterizando os demais, o que pode ter sido justamente a intenção do diretor e Freeman, como sempre, acaba por roubar a atenção do colega, tanto é que acabou sendo indicado a diversos prêmio, inclusive ao Oscar, mas destacaria também os trabalhos de Bob Gunton (Argo), desprezível como o diretor da penitenciária (portanto, um grande acerto) e do saudoso James Whitmore, que mesmo com pouquíssimo tempo de tela consegue imprimir sua marca de modo até mesmo a ofuscar o restante do elenco. Um filme de equipe, onde ninguém sobressai de maneira escalonadamente maior que o outro, Um Sonho de Liberdade (ou Redenção em Shawshank, para os puristas) galgou importantes indicações ao Oscar, dentre elas as de filme (perdendo para o também magistral Forrest Gump - O Contador de Histórias) e de roteiro adaptado, não conquistando nenhum, o que não fez a mínima diferença para o sucesso do filme, que permanece até hoje como um dos mais cultuados da cinematografia moderna.

Em memória aos grandes Brooks e Jake.

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22 junho, 2013

João e Maria: Caçadores de Bruxas (Hansel and Gretel: Witch Hunters, EUA/ALE, 2013).

"A vingança é doce como uma bala" (Livre tradução da frase disposta no poster do filme).
É mais que sabido que nos últimos anos o cinema passou por um revival de histórias de fantasia, especialmente reciclando aquelas dos contos de fada, como os dois irmãos Grimm. Neste ínterim, tivemos títulos como Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton, Branca de Neve e o Caçador, de Rupert Sanders e o recente Oz: Mágico e Poderoso, de Sam Raimi. Apesar de seguir esta onda, João e Maria: Caçadores de Bruxas se aproxima mais de filmes como Van Helsing (2004) e Os Irmãos Grimm (2005), além de guardar um estilo visual que se aproxima bastante da série de filmes Anjos da Noite. No entanto, esta estreia do roteirista e diretor norueguês Tommy Wirkola não segue apenas o aspecto visual destas produções, mas também suas fraquezas, apresentando aqui um filme tão insípido quanto desinteressante, que passeia por gêneros como comédia e ação, sem lançar uma piada ou gag inspirada e com coreografias pouco inspiradas e cortes tão frenéticos que pouco vê-se em cena. É certo que o trailer já adiantava um filme pouco inventivo, mas ao conferir a obra por completo - em versão estendida, pasmem! - pude comprovar que a primeira impressão mais do que se concretizou, piorou.

Antes de destacar alguns pontos não tão favoráveis à obra, registro aqui que esta não é um filme horrível ou a pior nova roupagem de um conto de fadas para o cinema, mas é notório que o mesmo não funciona, principalmente por não saber a quem deseja agradar. Do início ao fim a impressão que João e Maria: Caçadores de Bruxas passa é que não é um filme para adultos, pois sua construção e desenvolvimento se dá de maneira muito boba, muitas vezes óbvias, mas ao mesmo tempo não se encaixa como um filme para a criançada, pois apela na violência gráfica, nos palavrões e até mesmo na nudez gratuita (mesmo que esta se restrinja a uma única cena). Somado a inconsistência narrativa, somos bombardeados por um roteiro pouco inspirado, que insere diversos "gadgets modernosos" e improváveis com muletas conceituais, mas que em momento algum funcionam, pois a condução do filme não ajuda a mente do espectador a acreditar na possibilidade da existência dos armamentos e da magia apresentada em tela. A bem verdade, algumas dessas invencionices soam interessantes quando conceito, mas quando em prática não convencem, a exemplo da pseudo-insulina utilizada por João.

Apesar do subtítulo do filme destacar a caçada as bruxas, estas nunca chegam a causar impacto, pois tudo no filme é tratado de forma simplista, boba, desinspirada, automática. Temos então bruxas esportistas que sofrem do mal da ameaça autodestrutiva, que deixam-se caçar, comportam-se como seres acéfalos quando convém ao roteiro e como verdadeiras mestras em artes-marciais, quando também convém ao mesmo. Sobra muito estilo e pouca substância ao filme de Wirkola, e este estilo acaba não sendo inovador, mas trata-se de uma espécie de reciclagem de elementos já vistos em filmes recentes (já listei alguns), além do péssimo hábito do momento: inspiração quase que total na linguagem visual dos games de ação.

Portador de um elenco razoável - o filme é encabeçado por dois astros em ascensão, Jeremy Renner (O Legado Bourne) e Gemma Arterton (007 - Quantum of Solace) - e contando com um desenho de produção e cenografia bem acabados, além de mesclar com certo equilíbrio os efeitos especiais aos efeitos visuais digitais, João e Maria: Caçadores de Bruxas é uma obra de entretenimento insegura, fraca conceitualmente e pouco inventiva, cujos (poucos) atrativos não valem uma recomendação. São tantos filmes a serem vistos e, ao meu ver, este não se encontra nos mais urgentes a serem conferidos. Certamente não é um filme abominável, mas pode ter certeza que encontra-se no topo dos esquecíveis.

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13 junho, 2013

E a Vida Continua (And the Band Played On, EUA, 1993).

"Força. Amizade. Coragem. As vezes é tudo que possuímos" (Livre tradução do texto disposto no cartaz oficial do filme).
Roger Spottiswoode (007 - O Amanhã Nunca Morre) nunca despontou com uma obra de grande referência no certame do cinema, nunca foi dono de um sucesso avassalador de bilheteria, muito menos galgou sucesso como um diretor de grande influência aos jovens cineastas. É bem verdade sua filmografia é bastante tímida, visto que apresenta alguns bons filmes dentre outros um tanto duvidosos. Portanto, chega a ser surpreendente que um filme da magnitude e importância deste E a Vida Continua tenha caído nas mãos de um cineasta sem tanta expressão (talvez pelo fato desta ter sido uma produção feita originalmente para a tevê, quando a época não existia toda essa busca pela feitura de obras na "telinha" como percebemos hoje). 

Surpresas a parte, o fato é que Spootiswoode surpreende e constrói aqui uma obra estupenda, em muitos sentidos superior a outra que se debruça por  tema semelhante (preconceito e AIDS) e que curiosamente foi lançado no mesmo ano - me refiro a Filadélfia, de Jonathan Demme, produção que rendeu o primeiro Oscar de atuação de Tom Hanks -. E a Vida Continua acerta em cheio ao focar o panorama político à época (anos 1980) como um dos principais vilões do progresso, mas sem abordá-lo de forma exagerada ou recheada de discurso reacionário, muito pelo contrário, atesta a incompetência dos administradores públicos através do viés do despreparo técnico, da insensibilidade e do subterfúgio advindo do preconceito.

A importância do filme é tão grande, tanto pelo resgate que faz de um período crítico não só no contexto social, mas também no contexto referente à saúde pública e a ética, como também pelo caráter atemporal de sua crítica. No final dos anos 1970 e durante toda a década de 1980 a comunicação, apesar de efetiva, não possuía o caráter de instantaneidade existente hoje, até por que o binômio internet/banda larga não passava de ficção-científica. Sendo assim, o quão diferente (no bom e no mau sentido) não seria a repercussão de uma epidemia como a do vírus HIV durante o período abraçado pelo filme se a tecnologia da época fosse a de hoje? Ou, simplesmente se tal mal tivesse nos acertado hoje, em pleno séclo XXI. Certamente a pressão social pró o combate a doença seria muito maior, entretanto, o grau de paranoia, preconceito, conservadorismo e fundamentalismo certamente seria exponencialmente maior, visto que nossa sociedade, avanços técnico-científicos a parte, parece caminhar pela estrada aparentemente sem volta da "descivilidade", bastando apenas um olhar mais atento para que isto seja constadado.

Apesar de ter como foco o trabalho dos pesquisadores do centro de controle de doenças, o caráter humano de destaca em comparação a técnica, inclusive nos próprios pesquisadores, que possuem como espelho de luta e coragem o personagem interpretado por Matthew Modine (Nascido Para Matar), que entrega uma interpretação vigorosa, ao construir o cientista idealista que tenta, mesmo a contragosto daqueles ao seu redor, apresentar a população o quão mortal é a doença então conhecida como "câncer gay". Quem também merece destaque é Alan Alda (O Aviador), que vive um inescrupuloso catedrático e pesquisador que se debruça pela busca da razão e da cura deste mal, com a finalidade não de sanar o problema, mas de conquistar com isso a patente da pesquisa e os louros que a mesma carrega. O ator é absurdamente perfeito na construção deste personagem desprezível, especialmente por fazê-la de forma pontual, sem apelar para gritaria, caras e bocas ou olhares maléficos, por assim dizer.

Recheado de pequenas participações de grandes nomes do cinema - passam pelo filme Richard Gere (A Negociação), Lily Tomlin (Nashville), Ian McKellen (O Hobbit: Uma Jornada Inesperada), Angelica Huston (A Família Adams), Charles Martin Smith (Os Intocáveis), Richard Jenkins (O Homem da Máfia), Tchéky Karyo (Joana D'Arc de Luc Besson), Steve Martin (Os Picaretas), dentre outros -, bem formatado conceitualmente (a adaptação do livro homônimo coube ao veterano Arnold Schulman, de Tucker - Um Homem e seu Sonho), historicamente acurado e muito bem dirigido, E a Vida Continua reafirma a força do cinema como veículo de despertamento ao debate e de manifestação do pensar, contando histórias que servem não apenas hoje como referência, mas também aquelas cujo cerne é atemporal. Sem sombra de dúvidas este é um filme forte, que caso possuísse um valor de produção maior, certamente teria emplacado nos cinemas de todo o mundo e, quiçá, revelado, mesmo que tardiamente, a competência de Spottiswoode como realizador.

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12 junho, 2013

Oz: Mágico e Poderoso (Oz: the Great and the Powerful, EUA, 2013).


Quando criança adorava ver e rever ao clássico O Mágico de Oz, de Victor Fleming (E o Vento Levou...), na saudosa Sessão da Tarde e, devo admitir que, mesmo não igualando o sentimento desta produção - os efeitos visuais, obviamente, são "melhores", mas a magia não faz o mesmo efeito, além do fator temporal (leia-se idade) fazer toda a diferença -, a "prequela" Oz: Mágico e Poderoso, de Sam Raimi (A Morte do Demônio), honra tanto a obra original de L. Frank Baum quanto o filme de 1939. Tendo como foco a chegada do mágico ao mundo de Oz, nota-se que o roteiro de Mitchell Kapner (Romeu Tem Que Morrer) e David Lindsay-Abaire (A Origem dos Guardiões) é bem amarrado, formatado na jornada do herói e focado na transformação de caráter do seu protagonista, ou seja, não traz algo que fuja as convenções do gênero, mas apresenta o "arroz com feijão" de maneira consistente.

Formado por um elenco estelar, onde se destacam nomes James Franco (127 Horas), Mila Kunis (Ted),  Rachel Weisz (O Júri) e Michelle Williams (Sete Dias com Marilyn) - que compram o clima "zoado" da história e entregam performances ajustadas a mesma, sem grande aprofundamento, mas satisfatórias a proposta do filme -, Oz: Mágico e Poderoso lembra bastante, no âmbito visual, o Alice no País das Maravilhas de Tim Burton (Frankenweenie), porém, bem melhor aproveitado que este, em grande parte pelo fato de Sam Raimi ser um diretor mais completo e competente que Burton. O mundo de Oz é um carnaval de cores, que conquista pelas particularidades, mas ao mesmo tempo nunca se concretiza como real, o que por um lado pode soar proposital por parte dos realizadores, como também serve como comprovatório de que os efeitos visuais digitais, apesar da óbvia evolução ano a ano, ainda encontram-se um tanto distantes de atingir o nível de perfeição do "real", do "palpável".

Apesar da eficiência narrativa, do bom ritmo e das personagens carismáticas que certamente agradarão a criançada, parece faltar algo a Oz: Mágico e Poderoso, talvez menos previsibilidade aos eventos que permeiam a trama ou até mesmo menos efeitos e mais envolvimento dramático. Talvez isto seja só meu lado adulto se manifestando, mas creio que mesmo quando criança, gostava quando os dilemas dos personagens moviam a história e não a aventura pela aventura. Neste sentido, parece que o filme fica em cima do muro, sem saber se assume a despretensiosidade de uma vez ou se a mensagem a ser passada é seu ponto principal. No caso desta, é curioso notar que, até certo grau, há um forte enaltecimento da figura do homem inescrupuloso, que faz de tudo pelo bem próprio (mesmo que o resultado, obviamente, seja a sua redenção), o que, sob o olhar arguto, mas pouco experiente da criançada, pode sugerir a ideia errada.

Dosando bem aventura, comédia, ação e até mesmo horror - a sequência na floresta negra, apesar de curtíssima, tem toda a "pegada" de Sam Raimi -, Oz: Mágico e Poderoso só sai um tantinho dos trilhos em seu miolo - a impressão é que neste ponto o filme se alonga em demasia - e na conclusão dada as bruxas interpretadas por Mila Kunis e Rachel Weisz, que parece mais preocupada em costurar-se com os eventos do filme de 1939 do que em construir um desfecho dramático destas. Os efeitos visuais, apesar de muitas vezes não camuflarem a ideia de tela verde, mostram-se eficientes e, em grande parte, servem a narrativa, o que para um filme praticamente todo digital é um grande feito.

Particularmente acho a abertura - que homenageia o filme de 1939 sem que com isso acabe por sabotá-lo, tornando a estética apresentada como ferramenta narrativa imprescindível ao porvir do filme e ao conjunto da obra como um todo - de Oz: Mágico e Poderoso, que dura por volta de vinte minutos, a melhor parte do filme. Todavia, o mesmo funciona a contento durante toda a projeção, entretendo com equilíbrio e honrando com qualidade tanto a s obras literárias de Baum, quanto o inesquecível filme da infância não só minha, mas do próprio cinema. Não sei se este "prequela" se consagrará na história como o filme de Victor Fleming, mas no mínimo poderá servir como guia para que muitas novas crianças possam descobrir o clássico technicolor.

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10 junho, 2013

Histórias Que Só Existem Quando Lembradas (BRA, 2011).


Alguns filmes nos conquistam mesmo que não nos entreguem o motivo a que vieram, pois nos envolvem em uma jornada de significados e significantes únicos, onde cada olhar, cada memória é diluída e formatada de forma diferente, tendo assim cada espectador uma impressão distinta, mas possivelmente não menos satisfatória e enriquecedora. Vencedor de diversos prêmios mundo afora, Histórias Que Só Existem Quando Lembradas, de Julia Murat, é um misto de documentário e ficção, de realidade e fantasia, de Brasil e mundo onírico. O fato de não haver uma trama bem definida, sendo esta quase que nos apresentada de maneira improvisada, com poucos diálogos, mas muito expressividade, torna o filme uma experiência bastante distinta, pois faz com que razão e emoção tentem preencher as lacunas, nos localizar enquanto seres passivos perante as informações jogadas em tela. 

Contando com muitos personagens carismáticos, alguns despertando atenção mesmo sem desfilar uma linha de texto sequer, essa experiência audiovisual escrita por Murat em parceria com Maria Clara Escobar e Felipe Sholl nasceu da descoberta, por parte de Murat, de uma cidade onde as pessoas não mais enterravam seus entes queridos no cemitério local, pois decretaram o fechamento do mesmo, passando assim a enterrá-los na cidade mais próxima. Partindo deste fato pitoresco, os roteiristas construíram um interessante texto metafórico, que não só se debruça por temas relacionados a vida, a morte, a juventude e a velhice, como também discute o homem e a humanidade, seja através de sua predileção por rotinas, seja pela naturalidade daquele em se socializar, ou até mesmo pelo alimentar contínuo das lembranças, sejam estas boas ou ruins, que passam a ser carregadas para sempre, aonde quer que se esteja.

Deixando um pouco de lado o conteúdo do texto do filme, é preciso destacar o primoroso trabalho de fotografia de Lucio Bonelli (Fase 7), tanto no que se refere a composição das cenas - seus enquadramentos casam à perfeição com a narrativa lenta de Murat, como pode ser visto na cena da senhora percorrendo o caminho dos trilhos de trem - quanto a iluminação, que tornam a imagem um misto de sonho e filme antigo, o que permite ao filme despertar sentimentos tão sinceros no espectador. A música original de Lucas Marcier - além da escolha das canções - também mostra-se bastante acertada, já que encaixa muito bem a narrativa da obra.

Surpreendente por se tratar da primeira obra de ficção da documentarista Lucia Murat e pela coragem de contar uma história que necessariamente não possui início e fim, Histórias Que Só Existem Quando Lembradas é subjetividade pura - mesmo que contextualidade a fatos concretos - que se interesse muito mais por provocar sensações do que por justificar razões ou apresentar respostas. Os vínculos criados aos "improváveis" personagens é um dos grande baratos do filme, somado a sensação de que estamos a observar de maneira literal a uma série de fotografias em movimento (ora bolas, sei que se trata de cinema), que nos transportam para uma realidade distante, mas ao mesmo tempo próxima de nossos sonhos e lembranças.

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03 junho, 2013

Terapia de Risco (Side Effects, EUA, 2013).

"Algumas pessoas querem melhorar da pior maneira" (Livre tradução da frase disposta no poster promocional do filme).
"A depressão é a incapacidade de construir um futuro" (Citação do personagem de Jude Law).
A matemática da "cura" através do uso de medicamentos psicotrópicos não é exata, especialmente quando vivemos a era da medicina multimidiática, onde anúncios de tratamentos revolucionários pipocam aos borbotões, da mesma forma que são "superados" e dados como antiquados em um piscar de olhos. Levantando questionamentos desta monta, aliados a uma trama que tem como foco primeiro o drama da personagem de Rooney Mara (Millennium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres) e que ganha o corpo de thriller conforme esta é desenvolvida, Terapia de Risco pode ser considerado como um dos filmes comerciais mais equilibrados do diretor Steven Soderbergh (Magic Mike) desde o hit Onze Homens e um Segredo, tendo a qualidade o diferencial de promover um debate importante acerca dos milagres da farmacologia atual e da relação desta com nossa sociedade de consumo. Ou seja, temos aqui um raro - pelo menos neste século XXI caracterizado por uma espécie de neohedonismo e aculturação - cuja missão primeira é entreter, mas que não se furta da missão agregada de te fazer refletir.

Conduzido de maneira propícia a agradar tanto o público mais criterioso, quanto aqueles que procuram apenas gastar um pouco de seu tempo com algo que os entretenham, Soderbergh e o roteirista Scott Z. Burns (Contágio) fazem deste Terapia de Risco um filme ao mesmo tempo complexo e instigante, que se debruça pela dinâmica de seus personagens principais - além da personagem vivida por Mara, temos o psiquiatra interpretado por Jude Law (Anna Karenina) - e pela construção climática, que imprimi duas narrativas distintas (que permeiam gêneros distintos) de forma exemplar, de alternância quase imperceptível, mas que garante o leque de surpresas. O elenco principal do filme é completado por Catherine Zeta-Jones (Rock of Ages) e Channing Tatum (Anjos da Lei).

A dinâmica entre os personagens de Rooney Mara e Jude Law é muito boa, além de seus arcos individuais também despertarem atenção. Mara continua a provar que tem talento e mostra-se bastante confortável em um papel relativamente difícil, já que a linha entre um indivíduo louco e um sofrendo de transtorno é tênue, mas a garota segura a peteca e entrega uma interpretação mais do que convincente. Já Law esbanja carisma e estabelece um personagem complexo sem recorrer a caricatura ou trejeitos exagerados, dando personalidade ao mesmo através de uma construção mais próxima a nossa visão de como agiria um "psicanalista de verdade" (ao meu ver, uma composição tão boa quanto a do ator em Closer, de Mike Nichols). Quanto a Channing Tatum e Catherine Zeta-Jones, aquele não compromete nem inova, cumprindo a cartilha de "personagem relevante, mas nem tanto", enquanto esta não consegue imprimir uma imagem que anule a visão de atriz inexpressiva que possuo da mesma.

Interessante como comentário social, bem conduzido como um drama psicológico e competente como um thriller de mistério, Terapia de Risco pode sofrer um pouco no que se refere a sua montagem, que parece carecer de um pouco mais energia e ritmo, mas se sobressai pela qualidade da trama - que funciona por que tem o poder de convencer o espetador a cada momento das possibilidade apresentadas, e não pela falta de furos - e pela condução segura do celebrado Steven Soderbergh. Não chega a ser o melhor trabalho do diretor ou apresentar uma trama revolucionária, mas não deixa de ser um filme bacana, que distrai e engana seu público como poucos conseguem.

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02 junho, 2013

Caça aos Gângsteres (Gangster Squad, EUA, 2013).

"Sem nomes. Sem distintivos. Sem misericórdia" (Tradução da frase disposta no cartaz promocional do filme).
Causador de polêmica antes mesmo de seu lançamento (seu trailer apresentava uma sequência de tiroteio dentro de um cinema, justamente na sessão onde um "louco" desferiu tiros contra uma platéia que assistia a exibição de Batman, o Cavaleiro das Trevas Ressurge, nos Estados Unidos, o que fez a sequência ser retirada do corte final do filme, além do mesmo ter sua estreia adiada em vários meses), Caça aos Gângsteres nasceu com um hype bastante positivo, mas pouco a pouco - muito devido ao caso citado a pouco - foi ganhando a alcunha de "fracasso certo", o que, em parte, acabou por se concretizar. Mesmo com nomes de peso no elenco, um diretor em ascensão e um roteirista novato, mas promissor, o filme não conseguiu encontrar seu público, obtendo um resultado abaixo das expectativas nas bilheterias norte-americanas (o filme não conseguiu empatar seu custo por lá, apesar de ser uma produção de orçamento médio), além de críticas, em geral, bastante desfavoráveis. 

Com tanta negatividade a respeito da obra, imaginava encontrar uma bomba abissal ao assisti-la, entretanto, apesar de seus excessos, esta passa longe de ser ruim ou decepcionante, pois cumpre bem seu papel como entretenimento pipoca, além de homenagear - as vezes bem, outras nem tanto - o cinema da década de 1940 (tanto o noir, quanto o de gangster). Mais do que apoiado no valor mercadológico de seu elenco, o filme tenta explorá-lo ao máximo e, de certa forma, é bem sucedido neste sentido, apesar de, vez por outra, acabar "abandonando" alguns destes, até por que, como todo bom filme a seguir a cartilha hollywoodiana, o protagonista de cinema é um só. 

Sendo assim, apesar de acrescentarem certo carisma e despertarem um pequeno interesse a seus personagens, caras como Robert Patrick (Curvas da Vida), Anthony Mackie (Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros), Michael Peña (Marcados para Morrer) e Giovanni Ribisi (Ted) são um tanto subaproveitados, inclusive somem de cena em alguns momentos. O filme, obviamente, é de Josh Brolin (O Homem Sem Sombra) e de Sean Penn (21 Gramas), que vivem respetivamente o herói e o bandido, apesar do personagem de Ryan Gosling (Namorados para Sempre) - uma espécie de sidekick do primeiro - ter importância paralela a trama, devido ao seu envolvimento com a femme fatale interpretada por Emma Stone (O Espetacular Homem Aranha). Como destacado, o elenco do filme é exemplar - este ainda conta com nomes como Nick Nolte (O Óleo de Lorenzo) e Mireille Enos (série The Killing), por exemplo -, mas a maioria não tem tempo suficiente em cena para despertar empatia ou interesse, sendo o carisma do ator/atriz o único atrativo de alguns destes personagens, o que é uma pena, pois o grande elenco é o chamariz principal do longa.

Apesar da qualidade dos envolvidos - e do esforço de Brolin em construir um personagem forte e complexo -, o grande destaque do filme é, sem sombra de dúvidas, o turrão Sean Penn e seu Mickey Cohen. É notório que, mesmo com o background raso de seu personagem, a composição do ator - aliada ao ótimo trabalho da equipe de maquiagem -, pode ser considerado como o combustível para o interesse no filme, visto que seu personagem é interessantíssimo (mesmo unidimensional). Sendo assim, apesar da qualidade do elenco como um todo, o grande atrativo do filme ainda é a atuação/personagem de Penn.

O filme é tecnicamente bem acabado, tendo o seu departamento de arte como maior destaque - o nível de detalhamento das ruas de Los Angeles, as cores, figurino etc. é fenomenal -, pois realmente passa a impressão de que estamos imersos nos anos 1940, pós-guerra. No entanto, se o visual do filme é muito legal, a fotografia "modernosa" causa certo estranhamento, que é bastante acentuado nas opções estético-narrativas do diretor Ruben Fleischer (Zumbilândia), que exagera na estilização de algumas cenas de ação ao empregar slow motion de forma gratuita (ao meu ver, neste sentido, a escola Guy Ritchie/Zack Snyder está "estragando" a nova geração de cineastas), especialmente em uma das sequências do último ato do longa, que perde bastante tensão e urgência em detrimento do espetáculo proporcionado pelo carnaval de explosões em câmera lenta. A bem verdade, o único momento bacana em que Fleischer utiliza esta técnica é durante a primeira missão do "esquadrão", quando cada disparo efetuado por um dos "heróis" congela a imagem, numa espécie de fotografia. Narrativamente não agrega nada ao filme, mas ficou plasticamente interessante.

O roteiro do estreante Will Beall, baseado no livro de Paul Lieberman, tem seus bons e maus momentos, sendo talvez o excesso de personagens teoricamente relevantes a trama o seu calcanhar de Aquiles, pois não há tempo hábil para desenvolvimento de todos eles, gerando uma impressão de desperdício de talentos ao filme. Outro ponto frágil no roteiro de Beall é o romance entre os personagens de Ryan Gosling e Emma Stone, que é desenvolvido muito rapidamente, sendo difícil acreditar que pessoas tão "calejadas" e "duras" como são aqueles personagens se envolverem (e, consequentemente, se apaixonarem torrencialmente) de forma tão rápida e econômica. Apesar desses pequenos vacilos, a trama do filme funciona bem, não tendo o roteiro a mácula de "estragar" o filme.

Talvez por ser modernoso demais e inseguro se aposta na caricatura ou se mantém o pé no "realismo", Ruben Fleischer acaba não fazendo de seu Caça aos Gângsteres uma obra impactante (para não dizer relevante) tal qual as grandes do gênero. Com isso, não quero dizer que o filme carrega pecados imperdoáveis, mas sim que algumas opções estéticas e talvez uma certa imaturidade de alguns dos envolvidos tornaram uma obra que tinha tudo para ser espetacular em um entretenimento bacana e bem cuidado, mas que não desperta tanto carinho ou comoção. O elenco estelar está lá, os elementos de luta contra o crime também e o transporte a uma época hoje distante de nós é preciso, mas o impacto causado não dura tanto, prevalecendo o entretenimento cosmético em detrimento do orgânico, o que em momento algum invalida os pontos positivos do filme, mas como dito a pouco, o inibi de chegar ao patamar dos títulos inesquecíveis do gênero (para não ser tão extremo, talvez o personagem de Sean Penn seja lembrado - e bem visto - daqui a algumas décadas). 

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01 junho, 2013

Revelação (What Lies Beneath, EUA, 2000).

"Ele era o marido perfeito, até que seu único erro o seguiu até sua casa" (Livre tradução do texto disposto no cartaz oficial do filme).
É muito bacana assistir a filmes dirigidos por Robert Zemeckis (Forrest Gump - O Contador de Histórias), pois a maneira com que o cineasta conduz e movimenta a câmera, escolhe os planos e define o escopo visual de seus filmes beira ao brilhantismo e ao mesmo tempo em que chama a atenção ao apresentado em cena, nunca deixa de ser elegante e cumprir a finalidade narrativa. Dito isso, chega a ser "brochante" o resultado final deste Revelação (What Lies Beneath, no original, O que as mentiras escondem, em tradução literal), visto que a construção de seu roteiro - a cargo da dupla Sarah Kernochan (9 1/2 Semanas de Amor) e Clarg Gregg (mais conhecido por seu trabalho como ator) -, apesar de utilizar bem elementos como tensão e "surpresas", revela-se como uma verdadeira colcha de retalhos ao atirar em vários lados, sem convencer efetivamente em nenhum deles. Suspense psicológico? Drama de relacionamento? Thriller de horror? Horror sobrenatural? Revelação tem um pouco de cada um e é justamente aí que a estrutura cede e o filme passa de promissor e competente à exagerado e inexplicável.

O filme começa bem, pois constrói uma dinâmica legal entre o casal interpretado por Michelle Pfeiffer (Sombras da Noite) e Harrison Ford (Busca Frenética), onde a primeira começa a apresentar certos traços de esquizofrenia ao "desconfiar" que seu vizinho cometeu um crime de homicídio contra a esposa, enquanto o personagem de Ford encontra-se um tanto distante da esposa, devido as responsabilidades junto ao seu trabalho como pesquisador. Tanto a trama quanto o clima da produção até então possuem o potencial de despertar o interesse ao espectador, pois foca bastante na sugestão e na construção da psiché dessas duas personagens - a de Pfeiffer em maior grau -, tendo a direção acurada de Zemeckis - o acompanhamento que o cineasta e o diretor de fotografia Don Burgess fazem das personagens, através de leves deslocamentos no posicionamento da câmera - e a trilha intimista a cargo de Alan Silvestri (Os Vingadores) como suportes essenciais para a eficácia plena do filme. Entretanto, pouco a pouco a trama do filme vai sendo preenchida por elementos de cunho sobrenatural que, de certa forma, descaracterizam a "ideia" apresentada até então. Certamente não existem regras que proíbam um filme de mudar sua abordagem inicial, até por que a surpresa ainda é um dos grandes baratos ao se assistir a uma obra cinematográfica. No entanto, a lógica e inteligência devem prevalecer nesses momentos de total ruptura, pois é fácil desperdiçar uma ótima ideia quando esta não se apresenta plenamente conectada ao apresentado anteriormente. Infelizmente, com a inferência desenfreada de "espiritismo" ao filme a coisa começa a degringolar e, ao retomar o tom de mistério e tom psicológico do início do filme em sua meia hora final, a mistura é tão grande que a coerência do filme praticamente desaparece.

O corre-corre do filme, o não aprofundamento na relação entre as personagens de Ford, Pfeiffer e a tal "aparição", a falta de "veracidade" entre os ataques de paranoia e pânico da personagem de Pfeiffer e o descaso do personagem de Ford - no caso do segundo, há uma tentativa de explicar esta condição no desfecho do filme, que acaba não ajudando muito -, além da relação mística do filme nunca ser explorada de forma acreditável, visto que os buracos são imensos neste quesito da trama (por que o "contato" do espírito vingativo não foi estabelecido diretamente com seu alvo? Como funciona a regra de "possessão" do filme?) e o desfecho, apesar de funcionar no sentido climático - a construção é feita de forma a gerar tensão e agonia -, não tem lógica, pois o possível caráter de "realidade" do filme é jogado fora em detrimento das perseguições inacabáveis, da aparente imortalidade de um personagem e da conveniência da "aparição" vingativa, que salva ou ajuda determinados personagens quando dá na telha, funcionando assim como uma muleta narrativa na mão dos roteiristas.

Apesar do filme literalmente ir despencando ladeira a baixo conforme vai desenvolvendo suas múltiplas tramas e do mesmo ser esticado de forma excessiva - por que diabos este casamento de Ecos do Além, O Sexto-Sentido e thrillers genéricos do Super-Cine tem cerca de 130 minutos de duração? -, é inegável que em diversos momentos a técnica de Zemeckis e cia., aliada ao interesse despertado pelos personagens centrais, fazem com que o interesse ao acompanhamento do filme - apesar dos remendos óbvios e do enchimento de linguiça - perdure, interesse este que reputo ao trio Zemeckis, Pfeiffer e Ford (pois até mesmo Silvestri perde a mão na última hora de projeção). É certo que Revelação não tinha por objetivo ser uma obra inteligentíssima ou inovadora, mas a expectativa quanto a mesma era a de um entretenimento possivelmente previsível, dono de um clima envolvente, mas não confuso e apelativo como acaba se sagrando em seu desfecho. Além do mais, estamos discutindo aqui um filme assinado por um cara de renome, vencedor do Oscar, co-criador de uma das maiores trilogias da história do cinema, precursor de técnicas de animação e efeitos visuais, diretor de uma das obras de ficção-científica mais cultuadas pelos aficionados por ufologia e assuntos espaciais etc., portanto, a expectativa era um tanto alta e, infelizmente, não foi alcançada em grande parte (o engraçado é que, no mesmo ano de lançamento deste Revelação, o diretor lançou o agradabilíssimo Náufrago, estrelado por Tom Hanks). 

Mais válido pela técnica e pelas interpretações de Harrison Ford e Michelle Pfeiffer do que pela trama e/ou história em si, Revelação não chega a ser uma bomba ou desperdício de tempo, mas certamente não é um grande filme, pois apesar de cumprir bem seu papel de atiçar o público e deixá-lo curioso com o que acontece (e acontecerá) em tela, a falta de coerência e lógica (lembrando que há lógica até mesmo no fantasioso, basta que nos convença, pouco importa se por mentiras ou verdades), além do excesso de plots e reviravoltas apresentados no roteiro, acabam por tirar um tanto do brilho da técnica primorosa e da condução sempre eficiente de Robert Zemeckis, que no âmbito de direção, à exceção da escolha equivocada de roteiro (ou dos roteiristas), peca apenas pela falta de tato na montagem do filme, que poderia ter pelo menos mais fluidez se encerrado uns vinte minutos antes (sem a sequência final, que mais parece uma imitação sem tanto brilho do desfecho do filme Cabo do Medo, de Martin Scorsese). Indico o filme para os entusiastas de cinema, que gostam de reparar nos detalhes que envolvem a produção cinematográfica, da sugestão de sensações à construção de personagens. Já quem procura apenas o ator de se entreter, recomendo os outros thrillers citados aqui e que aparentemente inspiraram a linguagem de Revelação (Ecos do Além, O Sexto Sentido, Cabo do Medo) ou até mesmo o superior Náufrago.

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