28 julho, 2013

Linha de Ação (Broken City, EUA, 2013).

"As provas podem ser uma arma poderosíssima" (Livre tradução da frase disposta no poster promocional do filme).
Bom elenco, diretor com crédito relativamente positivo em Hollywood, premissa de roteiro interessante, e um orçamento razoável são elementos que, por si só, garantiriam qualidade a uma peça cinematográfica. No entanto, apesar de certo esforço por parte dos realizadores, estes não são ratificados pelo produto final apresentado em Linha de Ação (Broken City, no original), primeira incursão solo do cineasta Allen Hughes, que anteriormente havia assinado filmes ao lado do irmão, Albert Hughes, sendo os mais relevantes Do Inferno, de 2001 e O Livro de Eli, lançado em 2010. Tendo o adjetivo desinteressante como principal definição, o filme até traz algumas boas ideias (o jogo político no qual o filme bebe vem primeiro a mente), mas o excesso de obviedades, o pouco aprofundamento dos personagens e a linha pouco crítica empregada pelo roteiro do novato Brian Tucker acabam por serem os principais responsáveis pela apatia despertada pelo filme, aliada a uma direção pouco inspirada de Hughes.

Co-produzida e estrelada pelo limitado, mas muitas vezes esforçado (e possuidor de certo carisma) Mark Wahlberg (Ted), além de contar com as (teoricamente boas) participações de Russel Crowe (Os Miseráveis), Catherine Zeta-Jones (Terapia de Risco), Kyle Chandler (A Hora Mais Escura) e Jeffrey Wright (Tão Forte e Tão Perto), Linha de Ação não faz jus ao peso dos nomes envolvidos no projeto, pois sua trama nunca deslancha, as interpretações do elenco parecem pouco inspiradas - Wahlberh, Crowe e Zeta-Jones encontram-se no popular "piloto-automático" - e a configuração estética do filme, apesar de uma ou outra tomada melhor cuidada por Allen Hughes e seu diretor de fotografia, Ben Seresin (Incontrolável), não sai do convencional, quando não "abraça" a linguagem televisiva, estilo série de tevê (com toque cinematográfico, óbvio).

O misto de previsibilidade somado à fantasia redentora de seu desfecho ajudam a "apatizar" o filme como um todo, que certamente agradará ao público cativo do "clicherizado" Super Cine, mas passa longe de alcançar o nível de relevância cinematográfica. Um thriller político onde a política é mal aplicada e o suspense se rende as convenções mais batidas conhecidas até então, Linha de Ação não pode ser definido como um filme ruim ou mal produzido, mas seus atrativos não são muitos, especialmente pela aura de baixo envolvimento por parte do elenco, o que deixa a impressão de que o mesmo resultado poderia ter sido obtido com um elenco composto por nomes desconhecidos. Em suma, apesar do filme não sagrar-se desastroso, este não deixa de ser pouco atrativo (e, levando-se em conta o nome dos envolvidos, a satisfação é ainda menor).

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25 julho, 2013

Na Natureza Selvagem (Into the Wild, EUA, 2007).

"Quando você perdoa, você ama e quando você ama a luz de Deus brilha em você" (conselho de Ron Franz, personagem de Hal Holbrook a Supertramp, personagem de Emile Hirsch).
Eis um filme que, plot a parte, fala muito e de forma diversa, sendo compreendido ou sentido por cada espectador de forma particular, referenciando idiossincrasias ou externando pensamentos que até então eram mantidos adormecidos, muitos destes desconhecidos ao novo portador. Baseado em eventos reais (e no livro do jornalista Jon Krakauer), Na Natureza Selvagem, do ator-diretor-roteirista (aqui apenas na segunda e terceira funções) Sean Penn (Caça aos Gângsteres), é uma poesia estético-visual apurada, cujo enredo empírico-filosófico diz muito acerca do anseio mais íntimo do ser-humano, comprimido entre tantos mecanismos de podamento social: a liberdade. 

Filme desencontrado de jornada - mesmo que, a grosso modo, a lugar nenhum -, a breve aventura de Alexander Supertramp (ou Christopher McCandless) - aqui composto de forma soberba pelo jovem Emile Hirsch (Killer Joe - Matador de Aluguel) - é contagiante e curiosa do início ao fim, não só pelo tom de "loucura" e "inaceitabilidade" que a mesma desperta num primeiro momento (o rompimento, mesmo que em parte, com os mecanismos condicionantes da sociedade não é algo fácil de ser assimilado), mas pela sugestão de força e coragem que esta inspira, dando margem a um sentimento catártico cuja explicação não ecoa em palavras, mas na subjetividade de cada um. Não existe um manual ou lei que indique como apreciar uma obra, mas é notório que, para que aja conexão - leia-se: desapego as estruturas viciadas da corrida e concorrida vida e rotina do século XXI - com esta, é necessário um mínimo de sensibilidade por parte do espectador. Acredito eu que o ser humano é, apesar de algumas características em contrário, um ser dotado de grande sensibilidade, portanto, um grande passo já está arraigado ao espectador que ousa desbravar os mares existenciais deste filme.

Ao meu ver, dentre os vários posicionamentos apresentados pelo filme/vida de Alexander Supertramp, a lição mais grandiosa reside numa palavra simples, óbvia e muitas vezes mal empregada: coragem. Aceitando ou não, indo totalmente de acordo ou não, invejando ou não, sentindo orgulho ou não, depreciando ou não, é inegável que o ato de rompimento social por parte do jovem - motivações pessoas à parte, até por que o "despertar" à jornada não interessa aqui, mas sim o percurso e, consequentemente, a lição aprendida (pelo menos por nós, espectadores) - representa uma ação que é desejada por cada um de nós, seres-humanos em parte realizados com nossa agremiação social, em parte desesperados por uma mudança abrupta em nossas jornadas, em nossas existências. Para mim a coragem é o cerne do filme, que não necessariamente a atrela a acertos ou recompensas, muito pelo contrário, pois, apesar destas terem destaque nele, as "pauladas" advindas da dor, da perda, dos erros e dos enganos continuam a existir, em tão ou em maior que grau que antes do início do romper.

Os encontros e desencontros, a busca pela autorrealização, o afastamento dos comandos ditados não só pelo consumismo, mas também pela viciante imposição social de sucesso, bons costumes, constituição familiar, acúmulo material, desejos incabíveis etc., são muito bem representados por Penn através das passagens do personagem de Hirsch por pontos diversos (geográficos e culturais) dos Estados Unidos, durante a jornada deste rumo ao Alasca, seu objetivo-estanque. O personagem de Hirsch encontra tipos diversos - Catherine Keener (Um Crime Americano), William Hurt (A Vila), Marcia Gay Harden (Medidas Desesperadas), Hal Holbrook (Lincoln), Vince Vaughn (Penetras Bons de Bico), Kristen Stewart (Na Estrada) são alguns destes - e, de forma inversa, acaba por ajudar/guiar cada um destes enquanto segue em retidão ao seu suposto destino: transcender ao se conectar a natureza em seu estado mais adverso, bruto, rico, logo, natural. 

Antes de tudo há de se abstrair em  Na Natureza Selvagem pois, técnica à parte - sim, o filme é muito bem realizado, sua fotografia é de que cair o queixo (Eric Gautier) e sua trilha sonora (Michael Brook, Kaki King, Canned Head) e canções (Eddie Vedder) são, indubitavelmente, personagens protagonistas ao lado do próprio Supertramp -, a força-motriz dele encontra-se na transcendência, na projeção do "e se", no afastamento dos dogmas, das certezas, da segurança, do comodismo e do julgamento, na perspectiva de se entender o rompimento, de se compreender que há sim coragem no ato de se desprender das amarras "invisíveis" e partir rumo ao descobrimento próprio, ao encontro com o Criador ou simplesmente à uma catarse íntimo e pessoal. Um filme belo e inspirador, cuja beleza e inspiração não pode ser, assim como seu maior inspirador, apontada ou definida. Cada um sente e percebe o filme de uma maneira e, bem ou mal, transcendem e viajam junto ao notório Supertramp, por estradas e mares nunca antes explorados, mas ao mesmo tempo sempre presentes em nossas trajetórias. Uma complexidade simples de se abstrair, através de pequenos e tocantes momentos entre o jovem e o mundo (personagens) ao seu entorno.

Obs.: O filme "sufoca" ainda mais quando apreciado em alta-resolução.

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21 julho, 2013

RoboCop - O Policial do Futuro (RoboCop, EUA, 1987).

"Parte homem. Parte máquina. Totalmente tira" (Adaptação da frase contida no poster).
Um dos filmes mais cultuados dos anos 1980, RoboCop - O Policial do Futuro é a primeira incursão do cineasta holandês Paul Verhoeven (O Homem Sem Sombra) em terras norte-americanas e consiste numa ficção-científica recheada de ação e com altas doses de sarcasmo e ironia, além de ser possuidora de um visual apurado e único. Como (quase) todo filme de Verhoeven, a violência é bastante presente à produção. Porém, esta surge tanto como personagem quanto como integrante do cenário apresentado do filme, pois encontra-se amarrada à trama de forma natural, sendo um dos elementos que conduzem a narrativa do filme rumo a consecução dos seus objetivos.

Sem apostar em um elenco de astros, Verhoeven opta aqui por trabalhar com atores e atrizes (à época) não tão conhecidos, mas que conseguem transmitir emoções e "credibilidade" em uma realidade bastante estilizada, sem que as faces dos mesmos chamem mais atenção do que o ambiente distópico apresentado. Do intérprete do policial Alex Murphy e futuro RoboCop, Peter Weller (Mistérios e Paixões), e sua (por pouco tempo) parceira Lewis (Nancy Allen, de Vestida para Matar), passando pelos icônicos vilões Clarence Boddicker (Kurtwood Smith, da série That 70's Show) e Dick Jones (Ronny Cox, de O Vingador do Futuro), praticamente todo o elenco é muito bem posto no filme, encaixando-se à perfeição na Detroit futurista (mas não tanto) apresentada pelo diretor holandês. Temos de um lado a caricatura e os histrionismos dos vilões (Cox e Smith) em contraponto a frieza e uma certa aura de inocência dos heróis (Murphy e Lewis), o que tanto ratifica o viés estilizado da obra, como também ajuda a fixação destas personagens no subconsciente do espectador, pois suas personalidades, seja esta de mocinho ou de bandido, são percebidas de forma imediata, independentemente destes terem seus passados revelados.

(Bom) elenco à parte, o que salta aos olhos neste blockbuster tipicamente oitentista (no mais do que bom sentido) é o seu visual arrojado (a equipe de desenho de produção, figurino, maquiagem e efeitos especias estão de parabéns), o roteiro recheado de referências (da cultura - leia-se mangé/anime - japonesa à alegorias cristã-religiosas) e bem redondinho - a cargo da dupla Edward Neumeier (Tropas Estelares) e Michael Miner (O Passageiro do Futuro 2) -, além dos diálogos poderosos, caricaturais e recheados de frases de efeito, mas que são apresentados numa mistura tão orgânica e crível que funcionam perfeitamente , não tirando o espectador em momento algum da ilusão de realidade - pelo menos momentânea - apresentada pelo filme. A bem verdade entrar no mundo de RoboCop é uma viagem sensacional.

Sem dúvida alguma o estilo visceral e a técnica apurada de Paul Verhoeven é a cereja do bolo em RoboCop e certamente sem o mesmo o filme não seria (nem se consagraria) como o que é. Da abertura em formato de telejornal à primeira exposição do antagonista robótico ED-2009, passando pelo plano sequência que apresenta o personagem Alex Murphy, pela cena que foca os primeiros passos do ciborgue (tomada subjetiva), além da execução daquele - uma das cenas mais viscerais da história do cinema -, é certo que o holandês tem a faca e o queijo na mão e, com grande naturalidade e competência, costura com técnica apurada e muita criatividade a coleção de referências (e sangue, muito sangue) que é RoboCop. Verhoeven literalmente "cospe na cara" do público e da crítica e orquestra uma ópera sanguinolenta acerca de um salvador (in)humano em uma cidade tomada pela violência urbana e pela doença do consumismo desenfreado, que entra em choque com seus "princípios robóticos" ao buscar justiça e encontrar humanidade. Os temas abraçados por RoboCop são inúmeros e merecem maior espaço de discussão - indico a audição do podcast do portal Os Cinéfilos acerca do filme -, mas acredito ter instigado a curiosidade que fomentará o debate.

Ainda no âmbito técnico é impossível não destacar a trilha sonora original composta e executada pelo grande Basil Poledouris (Conan, o Bárbaro), que consegue a façanha de criar temas recheados de sintetizadores e harmonias à lá anos 1980, mas que em momento algum soam datados - bastante similar ao efeito conseguido por filmes como Laranja Mecânica e Blade Runner -  ou irritantes, pelo contrário, reforçam o caráter atemporal do filme, funcionando hoje tão bem quanto à época de seu lançamento. Mais um ponto forte nesta já exemplar produção. É certo que este longa marcou a infância de muitos garotos nascidos e criados na década de 1980 (me incluo entre eles) e muito disto advém do poder de convencimento despertado pelas notas desta trilha sonora, que ao meu ver, ao lado daquela do filme De Volta para o Futuro, é a mais marcante dentre os títulos de ficção-científica lançados daquela década.

Crítica direta a sociedade de consumo norte-americana (que hoje, mais de 25 anos após seu lançamento, continua relevante e se expande a praticamente toda sociedade ocidental e grande parte da oriental), a estupidificação desta e a tecnologia como muleta das imperfeições humanas (o filme não demoniza a tecnologia como essência, mas faz um corte incisivo quanto a má utilização desta pela humanidade, especialmente no âmbito bélico), dentre outros assuntos de grande relevância moral, RoboCop é um raro produto de entretenimento que consegue sagrar-se eficaz tanto como entretenimento para as massas - não à toa o filme foi um grande sucesso de bilheteria e conquistou público de todas as idades, apesar da óbvia violência gráfica (não gratuita) - quanto como parábola de questionamento social, o que por si só o coloca em destaque dentre outras obras que só alcançam um destes importantes atributos ambicionados por todo cineasta minimamente interessado em sucesso, seja em qual nível for.

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16 julho, 2013

O Planeta dos Macacos (Planet of the Apes, EUA, 1968).


Um das ficções-cientificas mais aclamadas de todos os tempos, O Planeta dos Macacos encontra-se no rol das produções "light", cujo foco tende mais para a aventura do que pela discussão cerebral, mas isso não impede que a mesma tenha uma forte carga dramática, seja recheada de discursos de cunho político, levante questionamentos acerca da condição humana à época - que, infelizmente, permanecem até então - e uma ambientação caprichada, que transporta o espectador a um planeta distinto, mas ao mesmo tempo bastante próximo ao nosso. Dirigido pelo até então pouco conhecido Franklin J. Schaffner (Patton - Rebelde ou Herói) e estrelado pelo astro Charlton Heston (Ben-Hur), a obra adaptada do romance do francês Pierre Boulle (também autor do best-seller A Ponte do Rio Kwai) permanece factível até hoje, muito devido a à força de seu discurso e construção narrativa, além do seu âmbito estético, em especial ao ainda hoje incrível trabalho de maquiagem capitaneado pelo mestre John Chambers (Star Trek).

Chega a ser ao mesmo tempo gratificante e nostálgico acompanhar a primeira meia hora de projeção de O Planeta dos Macacos, pois se por um lado a longa sequência iniciada no monólogo crítico declamado pelo astronauta Taylor (Heston) e o passeio deste junto aos seus dois companheiros de viagem, Landon e Dodge, ratificam a necessidade de um bom filme em construir com propriedade a ambientação e as particularidades de seus personagens principais, antes de apresentar os conflitos, é notório que a cultura defendido pelo cinema de hoje já não respeita este timing, pois esta acredita que a atenção do espectador será perdida. Sendo assim, a nostalgia despertada neste bom início do filme é sentida de forma mais do que positiva, pois, modismo à parte, comprova que as boas obras cinematográficas não datam jamais, especialmente no âmbito narrativo.

Tecnicamente o filme é muito bem realizado, sendo que a direção de arte, figurino e efeitos de maquiagem obviamente ganham destaque. Entretanto, apesar de não "aparecer" tanto, o trabalho de fotografia de Leon Sharmoy (Cleópatra), aliado a direção segura de Franklin J. Schaffner é que dão verosimilhança aos elementos citados, alem de serem responsáveis pela ambientação do filme. Os planos abertos no deserto, a sequência de ataque da cavalaria de gorilas aos humanos selvagens e o desfecho à praia são apenas alguns dos grandes acertos da dupla Sharmoy/Schaffner. A trilha sonora composta pelo mestre Jerry Goldsmith (Alien, o 8º Passageiro) se destaca, tanto pelo seu caráter original - o experimentalismo de Goldsmith é notório - quanto pelo clima de urgência que a mesma desperta, aspecto importantíssimo ao sentimento de paranoia e incômodo pretendido pelo filme.

Apesar de não ter a atuação como foco - a trama é o cerne do filme -, é impossível não aplaudir os esforços dos intérpretes de Zaius, Zira e Cornelius, respectivamente Maurice Evans (O Bebê de Rosemary), Kim Hunter (Uma Rua Chamada Pecado) e Roddy McDowall (O Terceiro Dia), que esbanjam carisma e personalidade através de camadas de látex e pelos. Soma-se aos três o imponente James Whitmore (Um Sonho de Liberdade), que aqui interpreta o orangotango que preside a assembleia que avalia o forasteiro Taylor, papel este que Heston defende com bastante disposição. 

Quando comparado com a obra original de Pierre Boulle, obviamente alguns elementos saem enfraquecidos, especialmente quanto ao sentido metafórico da sociedade símia, que nada mais é do que um paralelo à sociedade ocidental da década de 1950. Porém, mesmo não mostrando-se tão fiel, o roteiro de Rod Serling (série Além da Imaginação) e Michael Wilson (A Ponte do Rio Kwai) mantém a essência do livro de Boulle, estabelecendo bons paralelos de cunho político e social. É óbvio que o fato da comunidade símia ter o inglês como idioma padrão força um bocado, mas tal "apelação" não chega a diminuir a substância do filme.

Eficiente tanto como aventura quanto como comentário social, O Planeta dos Macacos é um filme inteligente, sem deixar de lado sua aura de entretenimento, dono de uma qualidade visual que salta aos olhos - se analisarmos a época em que o mesmo foi lançado, a surpresa é ainda maior - e bastante crível, cuja trama não soa datada e é possuidor de um desfecho até hoje impactante. Originador de uma franquia, o filme estrelado por Charlton Heston sobrevive sozinho, pois apesar de deixar um possível gancho, apara as arestas e entrega um encerramento factível, que ratifica toda a simbologia da obra.

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12 julho, 2013

O Exorcista (The Exorcist, EUA, 1973/2000).

"Alguma coisa, além da sua compressão, está acontecendo com uma garota nesta rua, nesta casa... e um homem foi enviado como último recurso. Este homem é O Exorcista" (Livre tradução da frase disposta no cartaz promocional do filme).
Clássico é clássico, simples assim. Um dos filmes mais respeitados de todos os tempos, cânone do cinema de horror e imitado até hoje, O Exorcista, do polêmico e competente William Friedkin (Killer Joe - Matador de Aluguel), é uma obra inovadora e complexa, que perpassa o universo da possessão demoníaca ao abordar elementos que passeiam pela análise da construção do medo, especialmente relacionado à morte e ao desconhecido, atrelado  à busca pelo perdão, tudo isso dentro de espectro do seio familiar, ambiente este basilar ao filme. Concebido umbilicalmente por Friedkin e William Peter Blatty (autor do romance original e desta adaptação cinematográfica), a obra mantém-se relevante tanto como exemplar de horror - especialmente de cunho psicológico - quanto como cinema, visto que sua qualidade técnico-narrativa permanece irretocavelmente perfeita.

Da escalação do elenco à montagem, do ritmo empregado através desta à manipulação exercida através das técnicas de efeitos sonoros, da audácia em abrir o filme com um prólogo quase que inteiramente mudo, que dura por volta de vinte minutos, aos ainda hoje eficientes efeitos especiais - à época não se dispunha de técnicas de efeitos digitais (CGI) -, da condução primorosa - praticamente matemática - e da excepcional direção de atores de Friedkin ao sintetismo e complexidade (paradoxal, mas verdadeiro) disposto por Blatty, somado ao incrível senso estético da equipe de fotografia, direção de arte e figurino e ao incrível poder de condução das faixas catalogadas à trilha sonora, praticamente tudo em O Exorcista ressoa perfeito aos olhos e ouvidos do espectador, pois busca provocar a dúvida, o temor e a insegurança por meio da crença em que algo está errado e de que não há como fugir disso. O medo é sugerido e, consequentemente desperto, de forma distinta em cada espectador, mas é certo que ele está presente, amparado pela imaginação, pela tentativa de montar imagens e conceitos na mente de cada um de nós e não através de sustos (existem, mas não são foco da narrativa) e superexposições de "bestas" e "monstros".

Tratado, em grande parte, de maneira científica - ou tentando passar esta imagem -, o filme tem pelo menos três linhas narrativas distintas - a saga do padre Lankester Merrin (Max Von Sydow, de Hannah e suas Irmãs) como escavador de relíquias no Iraque, os dilemas passados pelo padre e psiquiatra Damian Karras (Jason Miller) e a rotina familiar de Chris (Ellen Burstyn, de Réquiem para um Sonho) e Regan MacNeil (Linda Blair), que virá a ser afetada pela presença da entidade demoníaca -, mas que nunca deixam de se relacionar ou de despertar menos interesse. O peso dramática de cada uma delas é inquestionável e tanto Friedkin quanto Blatty conseguem extrair ao máximo a tensão e a organicidade do elenco, que é, sem sombra de dúvidas, um dos grandes responsáveis pela qualidade absurda da obra.

Mesmo tendo um elenco afiado praticamente de forma equânime, sinto a necessidade de destacar as performances do quarteto dito principal do filme: Ellen Burstyn, Linda Blair, Max Von Sydow e Jason Miller. A entrega dos quatro é de saltar os olhos, pois o que é visto em tela é uma mãe e uma filha que se amam e que, pouco a pouco, vão sendo afastadas devido a presença do ente maligno - o que, no fim das contas, sagra-se como uma excelente metáfora acerca da força do seio familiar, em especial ao vínculo entre pais e filhos -, um homem cuja fé está abalada, especialmente apos a perda da mãe (mais uma vez o núcleo família aparece com força), mas que buscará a superação/rendição e, por fim, um homem que vem buscando há tempos a resolução de um conflito interno que possivelmente está relacionado ao mal que contamina as personagens de Burstyn e Blair, mas que no momento encontra-se extremamente combalido e desgastado (o background do Padre Merrin é pouco trabalhado de forma explícita, mas os maneirismos empregados por Von Sydow sugerem que este esgotamento passado pelo personagem advém de uma busca longa e árdua por respostas, tanto é que o mesmo fica terrivelmente assustado quando descobre uma peça fundamental durante uma de suas escavações). Este quarteto é, sempre de dúvidas, o coração da obra, pois é através da crença em seus "desarranjos pessoais" que o espectador é convencido a entrar de cabeça neste misto de drama e fantasia de horror, que soa crível e, principalmente, acreditável.

Certamente há muito mais a discorrer acerca desse marco do cinema moderno (que permanece insuperável até hoje), tanto do ponto de vista técnico (Friedkin conduz sua equipe à perfeição, sagrando-se inquestionavelmente como um grande líder) quanto do ponto de vista conceitual (os esforços combinados para a feitura deste filme praticamente inauguraram um novo gênero cinematográfico, além de ter sedimentado a maturidade ao gênero horror), contudo, muito do que é exposto e despertado pelo filme são sustentados como potência quando em caráter subjetivo, pessoal, através da abstração do indivíduo, o que, de certa forma, tornar-se-ia praticamente impossível de ser transposto em texto. O que é, ao meu ver, inquestionável é que O Exorcista é mais do que um simples filme de horror, pois trata do medo através da construção do mesmo, estimula debates e, mesmo tendo um desfecho, deixa perguntas no ar, pois o mal permanece vivo e, vez ou outra, pode adquirir a forma de uma doce e inocente criança de 12 anos de idade. Duvidas?

Obs.: A versão assistida foi a do diretor, lançada nos cinemas em 2000 e disponibilizada em home video logo em seguida. Esta versão contém aproximadamente nove minutos a mais do que a original de 1973.

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10 julho, 2013

A Morte do Demônio (Evil Dead, EUA, 2013).

"O filme mais aterrorizante que você jamais viu" (Livre tradução da frase disposta no poster promocional do filme).
Antes de mais nada, é válido destacar que A Morte do Demônio, versão 2013, é um bom longa de horror, recheado de ótimas sacadas visuais e dono de um bom ritmo, que alterna bem os momentos de suspense com aqueles de pura sanguinolência. Sem apostar no humor e no sarcasmo do filme original de 1981, pode-se dizer que esta retomada da franquia dirigida pelo uruguaio Fede Alvarez (curta Ataque de Pânico!) "moderniza" a linguagem do filme original e, se deixa o humor um pouco de lado, é competente no lado gráfico, sendo, ao meu ver, ao lado de O Massacre da Serra Elétrica (versão 2003) e Viagem Maldita (versão 2006) a melhor repaginada de um clássico de horror dos últimos anos.

Contudo, mesmo equilibrado e eficiente naquilo que se propõe, o filme sofre com alguns problemas que incomodam bastante. Primeiramente, o elenco é irregular. Ao mesmo tempo em que temos uma performance interessante de Jane Levy (Nobody Walks), que convence tanto como dependente química - apesar de sua "saúde" e aparência não ajudar em sua composição, mas isto não é uma falha da atriz, mas sim do diretor e do departamento de maquiagem - quanto como "possuída", nos é apresentado também um péssimo trabalho por parte do inexpressivo (visualmente me lembra um Chris Hemsworth - Thor - hispânico) Shiloh Fernandez (A Garota da Capa Vermelha), que não transmite emoção alguma durante todo o filme, à exceção de antipatia. Sinceramente fica difícil compreender o por que da escalação do moço, pois a julgar por sua performance neste filme a ideia que fica é a de que este nem sequer é um ator.

Apesar da premissa utilizada por este A Morte do Demônio ser, até certo ponto, mais verossímil que a do filme original, aos poucos esta impressão vai sendo diluída, especialmente no que se refere à fuga das drogas perpetrada pelos personagens de Fernandez, Lou Taylor Pucci (Os Cavaleiros do Apocalipse), Jessica Lucas (Cloverfield - Monstro) e Elizabeth Blackmore (Burning Man) à personagem de Levy, pois de uma hora para a outra as sequelas da abstinência desaparecem por completo. Mas é certo que o artifício narrativo de provocar confusão nas personagens quanto a veracidade dos ataques da personagem de Levy, sendo automaticamente interpretado pelos demais como mais uma ação derivada da dependência química, encaixa perfeitamente à trama, inclusive dando uma sustentação à trama que o filme de 1981 não possuía.

Se o roteiro, em geral, pode ser saudado como competente, o mesmo não se pode dizer do desenvolvimento das personagens e da coerência narrativa do filme como um todo. Quanto as personagens, à exceção de Mia (Levy), estas não possuem construção, suas personalidades são bastante apagadas - muitas tem como personalidade o estereótipo do figurino, já que não há background das mesmos -, especialmente Natalie (Blackmore), totalmente apagada durante toda a projeção. Outro ponto que acaba por desgastar um pouco o filme diz respeito aos excessos cometidos por Fede Álvarez após a primeira hora de projeção, visto que todo o tom de "seriedade" e "aura" pé no chão é vez ou outra esquecido em cenas onde personagens insistem em não morrer, membros feridos ou decepados não provocam tanta dor assim, como também a força de superação - para não entrar no mérito da incoerência - atinge níveis tão exorbitantes, que a catarse acaba sabotada, tendo o alívio da vitória se transformado em qualquer coisa, menos surpresa.

Em alguns pontos melhor desenvolvido que o filme assinado por Sam Raimi em 1981 - que aqui participa como produtor - e com um valor de produção absurdamente maior, A Morte do Demônio de Fede Álvarez é um bom filme de horror, dono de uma estética bacana, com uma mitologia própria e interessante, recheado de referências aos filmes anteriores (foram três que o precederam) e provocador de sustos e agonia suficientes tanto para os fãs do medo, quanto para os fãs do gore. Pode perder um pouco a mão em sua resolução, especialmente por se afastar do que vinha sendo desenvolvido - me refiro a coerência - até então, mas o faz de forma bem cuidada, visto que não estraga tudo o que fora construído até então.

Sem o humor do original e com uma pegada mais próxima aos filmes de horror pós-2000 (geração Jogos Mortais), pelo menos esteticamente, A Morte do Demônio é uma obra eficiente e bem dirigida, que consegue envolver o espectador em sua mitologia e manter o seu interesse por praticamente toda a jornada, apesar do elenco (em geral) fraco e da "porralouquice" de seu encerramento. Por fim, registro que, se o filme não tivesse aquele prólogo desnecessário - no meu ponto de vista, o mesmo acaba por abrandar o impacto das cenas posteriores -, certamente seria ainda mais visceral.

Obs.: Para os fãs da franquia, após os créditos há uma cena extra que fará os mais entusiasmados urrarem (mesmo que, narrativamente, seja dispensável).

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04 julho, 2013

Nascido para Matar (Stanley Kubrick's Full Metal Jacket, EUA, 1987).

"No Vietnã o vento não sopra, é uma merda" (Livre tradução da frase disposta no poster).
Um dos filmes de guerra mais cultuados de todos os tempos, Nascido para Matar, de Stanley Kubrick (Laranja Mecânica), pode ser considerado como uma das melhores metáforas acerca da guerra do Vietnã já feitas. Dono de uma estrutura narrativa cujo foco reside no estudo de personagem, perpassando pela transformação física e psicológica do soldado combatente, abraçando as falácias e retórica presentes nos conflito bélico, além de tratar a situação numa forma híbrida entre o realismo e o cômico,  o filme é possuidor de linguagem única, onde a ligação subjetiva supera o didatismo. 

Jovem clássico, para muitos Nascido para Matar pecou simplesmente pelo "atraso" em seu lançamento, visto que filmes outros como O Franco Atirador, de Michael Cimino e Platoon, de Oliver Stone, além de Rambo: Programado para Matar, de Ted Kotcheff, estrearam antes e foram muito bem sucedidos (os dois primeiros em premiações, enquanto o último em bilheteria), provocando uma espécie de "resfriamento" do tema guerra no Vietnã. Particularmente não concordo com a assertiva, especialmente no sentido artístico, pois há de se reconhecer que não há esgotamento de tema ou assunto quando a abordagem abraça a criatividade e busca caminhos que perpassem pela originalidade, como é o caso deste trabalho de Kubrick, que realmente não obteve um grande respaldo comercial, nem colecionou prêmios - a exemplo de outro bom título a abordar o conflito vietnamita pouco reconhecido à época: Pecados de Guerra, de Brian De Palma -, mas perpassou o teste do tempo e hoje encontra-se no rol dos grandes títulos do cinema como um todo.

Um aspecto importante à construção de Nascido para Matar encontra-se na decoupagem do seu roteiro. Tendo a ajuda de Michael Herr e de Gustav Hasford (autor do romance homônimo cujo filme adapta), Kubrick formata a trama do filme como uma espécie de coleção de crônicas, sequências que interagem uma a outra, mas que não transitam necessariamente como imediatamente próximas. Podendo ser divido em dois grandes atos, cujos focos são o treinamento de uma companhia de fuzileiros e parte de sua estadia em território vietnamita, o grande barato da película encontra-se nos diálogos vivos e inusitados ditos pelas personagens e na aula de fotografia ministrada por Douglas Milsome (Robin Hood - O Príncipe dos Ladrões) e Kubrick, cujo aspecto passeia tanto pelo estilizado quanto pela significação do real, trabalhando os ângulos e cores como complemento aos sentimentos e sensações passadas pelas personagens em cena. Certamente um trabalho de mestre.

Formado praticamente por um - à época - elenco desconhecido, nomes como Matthew Modine (E a Vida Continua), Vincent D'Onofrio (Homens de Preto) e R. Lee Ermey (O Massacre da Serra Elétrica) acabaram consagrados por seus respectivos papeis, visto que suas performances casaram perfeitamente as "pretensões" de Stanley Kubrick, especialmente os dois últimos, pelo peso dramático das atitudes de seus respetivos personagens, somado a surpresa de suas performances como um todo, já que o filme marca a estreia de ambos como atores. Há outras tantas figuras que se destacam conforme o filme vai sendo desenvolvido, mas certamente nenhuma tão marcante quanto as representadas pelo trio destacado.

Detalhes como som, trilha sonora - a cargo da filha do diretor, Vivian Kubrick - e desenho de produção (Anton Furst, de Batman) também se sobressaem, ajudando assim a sedimentar o sentimento de loucura e desespero abraçado pelo filme. Nascido para Matar é, indiscutivelmente, o retrato das consequências da "aventura" no Vietnã pelos auspícios de Stanley Kubrick, cujo olhar não cansa de destacar a brutalização do homem como instrumento de serviço à guerra, a ignorância e patriotismo cego, o desapego à vida alheia e a animalização do outro, visto que homem é apenas aquele cuja língua, cor, cultura e etnia pertence ao combatente. Lembrando uma espécie de casamento entre a ironia e contundência de Robert Altman com a experimentação e estudo de personagem de Francis Ford Coppola, a abordagem de Kubrick perpassa o próprio conflito - como bem destaca um dos entrevistados para o making of do filme, na edição nacional em blu-ray - e funciona como uma espécie de oráculo, visto que encaixa-se quase que a perfeição a qualquer um dos conflitos bélicos contemporâneos, como os recentes passados no Afeganistão e Iraque. 

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