31 janeiro, 2014

Minha Vida com Liberace (Behind the Candelabra, EUA, 2013).

"Muito de uma coisa boa é maravilhoso" (Liberace).
E a HBO segue arrasando na realização de filmes que os estúdios tradicionais de cinema não têm a coragem de produzir. Produzido pelo veterano Jerry Weintraub (trilogia Onze Homens e um Segredo), escrito por Richard LaGravenese (As Pontes de Madinson) - tendo como base o livro Behind the Candelabra: My Life with Liberace, de Scott Thorson e Alex Thorleifson -, dirigido por Steven Soderbergh (Terapia de Risco, Magic Mike) e estrelado por Michael Douglas (À Toda Prova) e Matt Damon (Elysium), Minha Vida com Liberace, drama biográfico que narra o relacionamento amoroso (e secreto) entre o famoso pianista Liberace (Douglas) e um garotão do interior (Thorson, autor do livre, aqui interpretado por Damon), é um filme envolvente e divertido, construído como um misto de comédia (classuda) e drama, orientado quase que inteiramente à composição de época (fabulosa) e as interpretações, tendo óbvio destaque a dupla principal (caso não tivesse sido feito para a tevê, certamente Douglas e Damon teriam lugar garantido entre os indicados ao Oscar).

É praticamente inacreditável (ainda mais levando em conta o histórico "casca grossa" do ator) a transformação visual e de atitude de Michael Douglas em sua composição de Liberace. O ator se entrega ao personagem, nos fazendo crer que ele É Liberace, tanto em seus momentos "artísticos" quanto naqueles de cunho pessoal. Completamente a vontade dentro do personagem, Douglas entrega aqui talvez a melhor interpretação de sua carreira (que me perdoem os fãs de Gordon Gecko), sem pudor ou frieza em momento algum. Outro que segue o caminho de Douglas é Matt Damon, que compõe um Scott Thorson para lá de dúbio, especialmente pelos ataques de paranoia insuflados pela dependência química. O laço amoroso entre ambos é muito louco, indo da paixão puramente sexual a um relacionamento nos moldes de mestre e protegido, de pai e filho, o que enaltece ainda mais o brilhantismo das composições da dupla de atores, que literalmente somem dentro de suas personagens. Mesmo com pouco tempo em cena outro ator que acaba se destacando é Scott Bakula (O Desinformante), cujo personagem é o grande responsável pelo início do relacionamento entre Thorson e Liberace, além de Rob Lowe (Contato), irreconhecível.

Como a maioria dos filmes dirigidos por Soderbergh, o aparato estético acaba sendo um grande destaque, que vai desde a fotografia do próprio diretor ao figurino primoroso de Ellen Morojnick (Tropas Estelares) ao desenho de produção coordenado por Howard Cummings (O Homem Que Fazia Chover), grandes responsáveis pela caracterização absurdamente real do final da década de 1970/início da década de 1980. A maquiagem e a direção de arte também complementam bem a temática romântica (em mais de um sentido) do filme, que acaba não só estabelecendo a relação conflituosa entre os dois amantes como também presta homenagem aos espetáculos televisivos da época, cuja coroa é representada pelo show de entrega do Oscar no início dos anos 1980.

A música é outro elemento que sobressai - mesmo que de forma mais tímida quando comparada ao visual do filme -, afinal de contas acompanhamos momentos de pura inspiração do artista do piano Liberace. A coordenação do projeto musical e a composição da canção I Belong with You ficou a cargo de Marvin Hamlisch, músico do mais alto gabarito que infelizmente não pode acompanhar a ótima repercussão do filme pois acabou falecendo em 2012. Por fim, destacaria a montagem do filme - outra das funções acumuladas por Soderbergh -, que equilibra-se bem entre produto feito para ser exibido na tevê com uma pegada "cinematográfica", de forma que bate até um desgosto em saber que, à exceção do Festival de Cannes (no qual o filme ganhou uma indicação a Palma de Ouro), o mesmo não foi exibido na tela grande.

Vencedor de vários prêmios - incluindo os Globos de Ouro de melhor filme ou minissérie para tevê e melhor ator (Michael Douglas, merecidíssimo) e 11 Emmy Awards (incluindo o de ator para Douglas) -, Minha Vida com Liberace pode ser visto como um filme duplamente bem-sucedido, pois não apenas resgata parte do legado de uma das personalidades mais célebres do entretenimento norte-americano (além de quebrar alguns paradigmas a respeito de seu caráter, mesmo que de forma tardia), como também proporciona um belo espetáculo cinematográfico que discute com certa profundidade os bastidores do sucesso e como este muitas vezes atrapalha não apenas a visão de mundo do ser operante, como também dele com relação as pessoas que lhe são próximas. Exagerado, luminoso, grandiloquente e onírico, Minha Vida com Liberace parece representar bem a essência do personagem Liberace, seja esta verdadeiramente falsa ou falsamente verdadeira.

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30 janeiro, 2014

O Suspeito (Rendition, EUA, 2007).

"E se alguém que você ama... simplesmente desaparecesse?" (Livre tradução da frase disposta no poster promocional do filme).
Logo após ser aclamado pelo filme Infância Roubada (Tsotsi) e coroado com o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2006, o sul-africano Gavin Hood decidiu enfrentar o cinema "hollywoodiano" ao escolher uma produção semi independente que enfrenta de frente a política de contenção terrorista norte-americana, especialmente nos primeiros anos pós atentado as torres gêmeas. Eis que somos apresentados a O Suspeito (mais uma das péssimas traduções nacionais), thriller político que discute a questão da rendição - detenção e envio de possíveis suspeitos de terrorismo a outros Estados com o intuito de "interrogá-los", sem prévia comunicação a familiares ou autoridades públicas -, prática esta bastante "popular" desde meados dos anos 1990, mas que teve seu auge após o fatídico 11 de setembro.

Tecnicamente, apesar de possuir um orçamento bem enxuto, O Suspeito é uma produção arrojada, cujo destaque pode ser dado a sua fotografia (que ficou a cargo de Dion Beebe, de Colateral), ao desenho de produção de Barry Robinson (As Crônicas de Nárnia: A Viagem do Peregrino da Alvorada), especialmente seu trabalho na fictícia república muçulmana, a qualidade do elenco - Jake Gyllenhaal (Os Suspeitos), Reese Witherspoon (Amor Bandido), Peter Sarsgaard (A Chave Mestra), Alan Arkin (Argo), Omar Metwally (Munique) e Meryl Streep (A Dama de Ferro) marcam presença - e a direção segura de Hood, que equilibra bem a tensão, o suspense e o drama com a discussão política pretendida pelo roteiro de Kelley Sane, além de extrair o melhor de sua equipe no intuito de contar a melhor história possível.

Streep e Arkin tem pouquíssimo tempo em cena, mas seus personagens são essenciais à trama e ambos, experientes como são, conseguem expor muito em pouco tempo. Sarsgaard utiliza bem sua imagem de canastrão para compor um personagem cujo comportamento pende da liderança à dúvida, Witherspoon surpreende ao entregar uma interpretação contida, porém bastante emotiva, enquanto Gyllhenhaal mostra lapsos de genialidade, comprovando que é sim um bom ator. Porém, dentre todos estes o maior destaque cai para o desconhecido Metwally, cujo papel é o mais desafiador e cuja composição do ator é tão complexa que, apesar da impressão ser sempre a de que o mesmo é inocente, mesmo assim ainda compramos a possibilidade do mesmo ser cúmplice do atentado do qual é "acusado".

Kelley Sane e Gavin Hood acabam pesando um pouco a mão no fechamento do filme - apesar do mesmo funcionar muito bem nos quesitos suspense e tensão - , que acaba perdendo um pouco do caráter denúncia e aposta numa resolução excessivamente heroica, o que não chega a estragar todo o caminho percorrido pelo filme até então, mas passa a impressão de que algo foi atropelado no meio do caminho. São muitos os personagens cujo desenvolvimento acrescentariam a história e o "principal" deles, o agente da CIA interpretado por Jake Gyllenhaal, acaba tomando uma decisão importantíssima, mas de forma pouco crível.

Detalhes a parte, continuo a indicar a O Suspeito como um filme a ser visto, pois apesar deste seguir a temática revisionista de guerra ao terror tomada pelos Estados Unidos e por grande parte dos grandes países europeus como tantos outros títulos lançados desde setembro de 2001, parece trazer um pequeno diferencial por conta de sua "pegada" independente. Pouco visto à época de seu lançamento e um tanto mal recebido pela crítica, acredito que o filme merece ser visto (ou revisto) por quem não viu o torceu o nariz, já que este pode ser considerado como o melhor trabalho de Hood (que dois anos depois viria a cometer o horrível X-Men Origens: Wolverine).

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Obs.: Dentre o material extra contido no DVD de O Suspeito destaco o documentário intitulado Fora da Lei (Outlawed), que narra a história de duas vítimas da discutível rendição. Imperdível! Um trecho do documentário poder ser visto abaixo (sem legendas em português):



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29 janeiro, 2014

Reino Escondido (Epic, EUA, 2013).


Resgatei parte da minha infância ao acompanhar o desenrolar de Reino Escondido, fantasia épica (como adianta o título original do filme, Epic) do estúdio de animação Blue Sky, mais conhecida por ser o lar da hoje saturada franquia A Era do Gelo. Baseada no livro The Leaf Men and the Brave Good Bugs (algo como Os Homens-Folha e os Besouros Bons e Valentes), de William Joyce, a animação dirigida por Chris Wedge (Robôs) pode ser categorizada como clássica, não no sentido de obra-prima, mas sim por retomar parte daquele sabor dos filmes de aventura das décadas de 1970 e 1980, aspecto este bastante raro em grande parte das produções infanto-juvenis lançadas nos últimos anos. É certo que existem inúmeras obras que abraçam tramas que envolvem viagem entre mundos - Reino Escondido nos apresenta um submundo minúsculo (a olhos humanos) que existe na natureza -, mas estas, quando bem acabadas sempre chamam a atenção, afinal de contas não é sempre que temos a oportunidade de voltarmos a ser crianças em um mundo de capa, espada, magia e perigos.

O fato de ter contado com (pasme) seis pessoas no desenvolvimento do roteiro - foram três os responsáveis pelo argumento inicial - acabou não sendo sentido durante a projeção do filme, o que é um ótimo sinal pois quando o texto de um filme acaba passando por muitas mãos geralmente acaba oscilando em qualidade, por conta dos vários direcionamentos (e entendimentos) de cada um daqueles que contribuíram em sua confecção. Felizmente não senti isso em Reino Escondido, sendo correto afirmar que James V. Hart (Contato), Daniel Shere, Tom J. Astle (Agente 86) e Matt Ember (Armações do Amor), além do de Wedge e Joyce, ajudando a dar vida a sua obra em outra mídia.

O aparato estético de Reino Escondido é fabuloso, pois tanto a caracterização e figurino dos "pequeninos" quanto as paisagens e arquitetura apresentadas são de muito bom gosto, mesmo que vez ou outra animação pareça um tanto truncada e algumas destas referências visuais não sejam inéditas, mas é perceptível o cuidado dos envolvidos em fazer o melhor com os recursos disponíveis e nada melhor do que se inspirar no que deu certo (não apenas no cinema, mas na literatura, games e histórias em quadrinhos) para formatar o universo pretendido. Bonito de se ver, mas longe de inédito, o visual desta animação pode ser posta como mais um de seus grandes atrativos. É claro que para que uma animação seja bem sucedida o cuidado com o aspecto visual deve ser prioridade, mas não custa nada elogiá-lo quando cumprido.

Apesar de não chamarem a atenção - o que pode ser bom ou ruim a depender do ângulo analisado - acho justo destacar o elenco de vozes da animação, que inclui gente como Colin Farrell (O Vingador do Futuro), Josh Hutcherson (Jogos Vorazes), Amanda Seyfried (Os Miseráveis), Christoph Waltz (Django Livre) e até mesmo a cantora Beyoncé Knowles - também responsável pela canção de encerramento do longa -, que ajudam a dar vida a alguns personagens memoráveis. Danny Elfman (Sombras da Noite) condensa seu cabedal de referências e constrói uma trilha sonora interessante, dando a energia que um filme do tipo necessita.

É certo afirmar que Reino Escondido não traz grandes novidades e aposta numa coleção de decisões pouco ousadas, mas seu equilíbrio o torna uma animação bastante divertida, especialmente para os garotos, devido ao contorno aventuresco de sua trama. A direção de Chris Wedge mostra-se segura, o visual chama a atenção e o roteiro, mesmo que não traga grandes surpresas, convence e desperta interesse suficiente para acompanharmos o filme do início ao fim sem que haja alguma queda de rendimento. Mesmo sendo bacana a animação acabou não sendo um grande sucesso de bilheteria, resultado este que pode ser essencial para a não produção de uma sequência, o que é uma pena já que o universo ecológico apresentado é mais do que convidativo para novas aventuras.

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28 janeiro, 2014

Os Croods (The Croods, EUA, 2013).


Quem diria que o melhor filme de Nicolas Cage (Sangue no Gelo) nos últimos cinco anos seria nada menos que uma animação? Pois é, Os Croods, de Kirk DeMicco (Space Chimps - Micos no Espaço) e Chris Sanders (Como Treinar o Seu Dragão) acabou proporcionando a Cage um grande papel,  o de patriarca da família pré-histórica Crood(s), Grug. Os Croods acabam tendo que se adaptar as mudanças climáticas e estruturais passadas pelo planeta. Seguindo a cartilha básica das produções recentes da DreamWorks Animation, o filme aposta bastante na correria e no humor, mas de forma bem acurada, estabelecendo bem suas personagens principais e o fio condutor da trama, que não poderia deixar de ser um romance entre a filha de Grug, Eep (voz de Emma Stone, de O Espetacular Homem-Aranha) e o forasteiro Guy (Ryan Reynolds, de Protegendo o Inimigo).

Estruturada de forma a agradar tanto a criançada quanto o público adulto (que aprecie filmes em animação, obviamente), Os Croods pode ser categorizado como uma obra particular dentre as produções da DreamWorks, pois nem traz um grande frescor narrativo/estético (Como Treinar o Seu Dragão) ou uma trama mirabolante e inusitada (Shrek), mas também passa longe de soar descartável e/ou apelativa (como os pouco inspirados Os Sem-Floresta e Madagascar, por exemplo), podendo ser considerada como uma produção irmã de Monstros vs. Alienígenas, logo, divertida mas sem grandes viradas. É fato que a qualidade técnica da animação acaba sendo um dos grandes atrativos - a renderização da pele dos personagens e a movimentação dos mesmos é incrível -, mas mesmo sendo esteticamente primoroso o maior atrativo do filme acaba sendo a coleção de personagens carismáticos apresentados, que funcionam muito bem juntos (não saberia dizer se um deles vingaria em um possível filme solo).

Os três atos de Os Croods são bem definidos, apresentando desde a rotina diária da família e sua filosofia de sobrevivência pelo medo (base do conflito principal do filme) até o desbravamento geográfico do planeta pré-histórico, espaço este não conhecido pela família de Nic Cage. Com isso, apesar de leve, fica claro que existem mensagens de cunho reflexivo por trás da correria e do humor pastelão (aqui as piadas mostram-se menos importantes que o humor físico), o que certamente agradará aos adultos que assistirem ao filme acompanhado de seus filhos, já que os valores morais defendidos por ele apresentam-se atemporais.

Após o bom resultado nas bilheterias mundiais acabou por ser anunciada uma continuação de Os Croods. Particularmente, apesar de apresentar-se como uma boa animação, não penso que uma segunda aventura seja necessária, pois o arco narrativo foi encerrado de forma clara, sem pontas soltas ou ganchos indevidos. Enfim, obviamente que a possibilidade de acumular mais alguns dólares alimentam a ganância do estúdio, mas não vejo em Os Croods - qualidade cinematográfica a parte - material suficiente para uma franquia como as de outros sucessos comerciais da DreamWorks, como Kung Fu Panda, Madagascar, Como Treinar o Seu Dragão (em andamento) e o até hoje incomparável (pelo menos os dois primeiros) Shrek. Gostou do filme? Então faça como a criançada, o reveja uma, duas, três, quantas vezes for necessário, pois a diversão é garantida.

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27 janeiro, 2014

Questão de Tempo (About Time, GBR, 2013).


Nem tudo precisa ser explorado de forma complexo, ainda mais quando o tema principal de discussão é nada menos que o amor, manifestação esta complexa por natureza. Questão de Tempo, terceira incursão do roteirista Richard Curtis na cadeira de diretor (seus outros trabalhos como diretor foram Simplesmente Amor e Os Piratas do Rock), é uma comédia romântica com leves toques de ficção-científica cujo cerne encontra-se na observação do enigmático sentimento através da amostragem das fases lógicas de um relacionamento: conquista, namoro, casamento, filhos, morte etc. Apesar do foco manter-se no entorno do casal formado pelos simpáticos Domhnall Gleeson (Dredd) e Rachel McAdams (Amor Pleno), a trama elaborada por Curtis explora também o seio familiar do primeiro, especialmente a relação entre o personagem de Gleeson e seu pai (Bill Nighy, de Piratas do Caribe: O Baú da Morte), cúmplices na capacidade de viajar pelo tempo.

Em Questão de Tempo somos apresentados ao tímido Tim (Gleeson), cujo talento para a conquista não é seu ponto forte, mas após o mesmo descobrir que possui a habilidade de voltar no tempo (apenas para o passado) começa a "testar" as melhores maneiras (quantas vezes forem necessárias) para conquistar a garota de seus sonhos. Sendo assim, com uma ou outra apelada para o recurso (sempre com a melhor das intenções), Tim consegue conquistar o coração da doce e atrapalhada Mary (McAdams) e ambos, entre altos e baixos, vão sedimentando seu caminho para o estabelecimento de uma família. Falando assim parece chato, não? Pois o filme concebido por Richard Curtis é tudo menos aborrecido, já que mesmo apresentando uma trama um tanto quanto quadradinha não deixa de envolver (e comover) através de diálogos inspirados, atuações carismáticas e uma ou outra citação de cunho filosófico, mas sempre de maneira leve (assim como os toques de cientificidade da obra, que encontra-se sempre em segundo ou terceiro plano), primando pelo desenvolvimento dos personagens e pela reflexão de temas ligados à questão familiar.

O casal formado por Gleeson e McAdams tinha tudo para não se encaixar - especialmente fisicamente -, mas a química entre ambos acontece, o que ajuda bastante a comprar a ideia do relacionamento de ambos. Gleeson incorpora o que seu fenótipo já sugere (sujeito estranho, mas simpático e de bom coração), portanto coube a McAdams o papel de nos convencer de que este casal é crível aos nossos olhos ao entregar uma personagem mais frágil e insegura do que sua imagem representa (afinal de contas, a atriz é uma linda, enquanto Gleeson é no máximo "engraçadinho") e esta consegue convencer com sobras, comprovando mais uma vez seu talento como atriz e a inteligência dos produtores ao escalarem-na como mocinha de histórias românticas. Todavia, talvez a maior surpresa do elenco encontre-se na figura de Bill Nighy, que deixa um pouco de lado as caras e bocas e os tiques cômicos e investe em um personagem mais sério e contido, mesmo que não deixe o humor totalmente de lado.

Filme de amor que caminha do sentido micro (homem e mulher) ao macro (família como um todo) de forma bastante natural, Questão de Tempo é mais um dos romances água com açúcar liderados por Richard Curtis, mas cujo diferencial permanece, pois mesmo que sua pegada seja "leve" nunca deixa de tratar de temas próximos a nossa vida, as angústias e anseios de nossa sociedade hoje. Bucólico mas conectado à geração iTudo, esta divertida jornada de amor e auto-descobrimento (não apenas para os personagens, mas também para quem assistir ao filme) pode não trazer grandes novidades ou proporcionar reflexões ímpares, mas abraça uma temática até certo ponto óbvia de forma contagiante e bem amarrada, sendo simplesmente aquilo a que pretendia desde o início: ser cinema.

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25 janeiro, 2014

Jogos Vorazes: Em Chamas (The Hunger Games: Catching Fire, EUA, 2013).

"O sol persiste em nascer, então me faço permanecer" (Livre tradução da frase disposta no poster promocional do filme).
Eis que a saída de Gary Ross (Seabiscuit - Alma de Herói) não prejudicou de forma alguma a sequência do sucesso Jogos Vorazes, Em Chamas, muito pelo contrário, pois a chegada de Francis Lawrence (Constatine) deu a este segundo filme da série um admirável salto de qualidade, tanto no âmbito estético - afinal de contas a produção consumiu mais dólares que o filme anterior - quanto no quesito direção, entregando Lawrence um filme mais completo (e complexo) e empolgante que o primeiro. Jogos Vorazes: Em Chamas consegue sair do espectro juvenil bobinho e acerta em cheio ao assumir-se como uma obra de entretenimento simples, mas recheada de simbolismos e afim de discutir temas mais politizados, mesmo que de forma genérica. O certo é que a trama deste episódio miolo soa mais interessante que a do original, o que somado a uma melhor direção e a um orçamento mais polpuda e melhor gasto dá vazão a um filme levemente superior.

Desta vez coube a dupla Simon Beaufoy (Quem Quer Ser um Milionário?) e Michael deBruyn (na verdade Michael Arndt, de Pequena Miss Sunshine) a tarefa de adaptar o texto original de Suzanne Collins e estes não fazem feio, conduzindo a trama do segundo livro da trilogia Jogos Vorazes de forma equilibrada e envolvente, seguindo de certa forma a estrutura posta por Billy Ray (Capitão Phillips) no longa anterior, mas com a vantagem de possuir uma trama mais interessante a ser desenvolvida e apresentada. Não li as obras de Collins, mas tendo por base os enredos dos dois filmes, apostaria com segurança que o segundo livro deve ser considerado pela grande maioria como superior ao primeiro. O filme possui três grandes atos bastante definidos, sendo sua primeira hora de projeção dedicada ao desenvolvimento dramático dos personagens principais, Katniss (Jennifer Lawrence, de O Lado Bom da Vida) e Peeta (Josh Hutcherson, de Ponte para Terabítia), juntamente as consequências dos atos tomados no longa anterior, enquanto a segunda metade se subdivide entre os "novos" jogos - portanto, em cenas de ação e conflitos entre os personagens - e o gancho dramático da resolução, que tem o poder de deixar aqueles desavisados (como eu) impressionados com o rumo que a história tomou.

Mais uma vez um dos grandes destaques da obra encontra-se na seleção do elenco, que além de trazer de volta a grande maioria dos presentes em Jogos Vorazes - com destaque para Donald Sutherland (Cowboys do Espaço), Woody Harrelson (Um Tira Acima da Lei) e Stanley Tucci (Capitão América: O Primeiro Vingador) - apresenta-nos um carismático (e ameaçador) Philip Seymour Hoffman (O Mestre) e o competente Jeffrey Wright (007 - Cassino Royale), além dos jovens e promissores Sam Claflin (Branca de Neve e o Caçador) e Jena Malone (Donnie Darko). Lawrence, Beaufoy e deBruyn (Arndt) conseguem destacar de forma uniforme cada um dos personagens coadjuvantes, dando-os espaço suficiente para que conheçamos minimamente seus objetivos e personalidades.

No âmbito técnico, além da óbvia evolução no quesito efeitos visuais, é notória a expansão do universo do primeiro filme em áreas como figurino (aqui a cargo de Trish Summerville, de Millennium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres), direção de arte (John Collins) e design de produção (Philip Messina), ambos egressos do primeiro filme. Em termos de composição o trabalho fotográfico de Jo Willems (Sem Limites) soa mais interessante que o mostrado por Tom Stern no filme anterior, especialmente nas sequências captadas com câmera Imax. A trilha sonora composta por James Newton Howard (A Vila) também surge bem, apesar de não carregar um tema que grude aos ouvidos, enquanto a montagem de Alan Edward Bell (O Espetacular Homem-Aranha) organiza o filme de maneira mais equilibrada do que o de 2012).

Provando que uma peça de entretenimento cujo foco resida no público adolescente pode apresentar conceitos e discussões um tanto mais elevadas, sem que a mesma deixe a diversão e o caráter lúdico de lado, Jogos Vorazes: Em Chamas dá um passo a frente em relação ao filme original sem enfraquecê-lo, mas sim comprovando que já espaço para evolução estética e narrativa dentro de um mesmo universo de ficção. Talvez alguns minutos a menos (especialmente no longo primeiro ato) fortalecesse ainda mais a obra, mais seu ritmo é tão orgânico e seus personagens principais tão envolventes que acaba não sendo assim tão desgastante acompanhá-los por alguns minutos a mais. Não sei se o desfecho da série cabe em dois filmes - seguindo a onda iniciada em Harry Potter e elevada ao limite do aceitável em Crepúsculo, Jogos Vorazes terá seu capítulo final dividido em dois longas -, mas após conferir o encerramento deste Em Chamas a curiosidade quanto ao porvir supera em muito a sentida ao final do filme de 2012.

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24 janeiro, 2014

Capitão Phillips (Captain Phillips, EUA, 2013).

"Fora daqui a sobrevivência é tudo" (Livre tradução da frase disposta no poster promocional do filme).
O cineasta Paul Greengrass (A Supremacia Bourne) é um sujeito chegado a histórias que tragam certo grau de verossimilhança ou cuja fonte de origem sejam eventos reais, sempre transportando-as ao escopo cinematográfico numa estrutura que privilegia a urgência, a tensão e crueza, não a toa este adota como elemento de suma importância em seus filmes a câmera na mão, atributo este advindo de sua predileção pela estética documental (e do documentário). Aliado ao astro Tom Hanks (Filadélfia), Greengrass optou por filmar um filme cujo tema - norte-americano que supera obstáculos impensáveis em nome da sobrevivência - poderia desbancar facilmente para o patriotismo barato (além do maniqueísmo tipicamente hollywoodiano/ocidental), mas devido a sua experiência e direcionamento definido como realizador e sujeito homem acabou por tornar este Capitão Phillips uma obra de entretenimento relativamente profunda, inteligente e essencialmente emotiva, que conquista especialmente por se apresentar como um filme que destaca as vítimas (até os "malvados" são vítimas aqui) e não em enaltecer quem seriam os "bonzinhos" e os "mauzinhos. 

O roteiro de Billy Ray (Jogos Vorazes), baseado no livro escrito por Richard Phillips e Stephan Talty, mostra-se eficiente tanto no desenvolvimento dos personagens - característica esta sempre marcante nos filmes de Greengrass, portanto casou feito luva a dobradinha Ray/Greengrass - quanto na construção da tensão que move a trama, aspecto este reforçado pela ótima montagem/edição Christopher Rouse (O Pagamento), que estrutura o filme num crescendo contínuo, indo da calmaria do início da viagem do capitão (Hanks), passando pela ameaça dos piratas somalianos liderados pelo ótimo Barkhad Abdi e culminando no clímax "inacabável" de mais de uma hora, onde a angústia provocada pela coerência da união entre texto, montagem, atuações e música (Henry Jackman, de É o Fim) torna praticamente impossível adivinhar - lógico, para quem desconhece o desfecho da história real - se o filme acabará ou não em tragédia. Como diz meu amigo Bruno Costa d'Os Cinéfilos Genial (com G maiúsculo mesmo)!

O corre corre do filme serve ao estilo Greengrassiano de filmar da mesma forma que o estilo do diretor casa com o que o filme pede, sendo o resultado final dessa equação mais do que distinto. A estética do diretor - aliada a fotografia de Barry Ackroyd, vencedor do BAFTA por Guerra ao Terror - casa muito bem à estrutura "baseada em fatos reais" do filme, seja nos momentos de cunho mais intimista, seja na captação das emoções das personagens envolvidas diretamente no conflito (especialmente o personagem de Hanks e de Abdi), como também na exploração sistemática da operação de resgate (e contenção) dos agentes da marinha norte-americana. Capitão Phillips pode ser um filme menos político que os demais trabalhos de Greengrass, mas nem por isso mostra-se tolo, pois o caráter humano e social da obra é pesadíssimo, soando como uma espécie de híbrido entre o também excelente Voo United 93 (cuja direção é sua) e o bacana Náufrago, coincidentemente estrelado por Tom Hanks

Falando em Hanks, o que comentar acerca de sua composição? Verdade seja dita, é mais do que merecida a comoção em torno de sua atuação neste filme, pois é notório a entrega e a força externada pelo ator, que merecia sim uma indicação ao Oscar pelo papel, até por que acaba fazendo algo semelhante ao mostrado por Denzel Washington ano passado, quando este acabou ganhando uma indicação por sua atuação em O Voo. Com Oscar ou sem Oscar, o fato é que Hanks mata a pau e entrega uma das melhores interpretações de sua carreira. Quem também brilha no filme é Barkhad Abdi, estreando como ator de forma eletrizante ao compor um personagem que transparece perigo e medo, mas também muita dúvida e arrependimento. Tudo isso através de olhares, de postura, não de diálogo. Tal composição acabou por chamar a atenção da Academia de Artes Cinematográficas de Hollywood, que apesar de ignorar Hanks acabou por dar a Abdi uma merecida indicação ao categoria de ator coadjuvante.

Eficiente como filme de ação, mas sem deixar de ir além do entretenimento médio, Capitão Phillips não tem como foco a crítica geopolítica, mas tanto pelo estilo de Paul Greengrass quanto pelo contexto do filme em si acaba por pincelar alguns assuntos relacionados, mas sempre de forma minimamente contaminada, procurando assim não apontar vilões e heróis, mas sim abraçando o caráter humano inserido no caos que um "simples" assalto acaba por revelar. Greengrass ficou alguns anos de molho após o fracasso de público do filme Zona Verde (outro grande título seu), mas acabou escolhendo o projeto certo para sua "volta", já que acabou encontrando tanto respaldo da crítica quanto do público, sendo este último essencial para a permanência do cineasta no jogo dos produtores hollywoodianos. Talvez este não seja o melhor filme dirigido por Greengrass, nem guarde o melhor papel da carreira de Hanks, mas certamente não deve nada a nenhum outro grande filme de ambos. Em resumo, uma experiência cinematográfica de sequestrar o fôlego.

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22 janeiro, 2014

Obsessão (The Paperboy, EUA, 2012).

"Uma excelente performance de Kidman" (Peter Bradshaw, do jornal The Guardian).
"Excepcional... merece ser visto" (Los Angeles Times).
"Poderoso... tenso e sinistro" (USA Today).
"Trashy, fumegante, divertidamente sem remorso" (Revista Total Film).
O início de Obsessão é um tantinho confuso e os exageros estéticos por parte do diretor Lee Daniels (Preciosa - Uma História de Esperança) e seu diretor de fotografia Roberto Schaefer (O Caçador de Pipas) não ajudam muito neste entendimento, mas com o passar do tempo a trama vai sendo melhor digerido, culminando num terceiro ato tenso e inquietante, onde a tônica filme B é completamente assumida pela obra e o escancarar da perversidade humana é posta a prova. Há muito de loucura e perversão neste terceiro filme de Daniels, mas ambos servem ao filme, mesmo que o equilíbrio entre suas intenções artísticas e o que é apresentado em tela nem sempre funcione a contento.

Há tempos um filme não dividia tanto as opiniões da crítica como o fez Obsessão (o título original, The Paperboy, faz referência aqueles garotos que entregam jornais), que passou de indicado a Palma de Ouro no Festival de Cannes à título misógino e apelativo para uma parte substancial da crítica especializada (não à toa a nota média do filme está em 43% no Rotten Tomatoes). Humildemente me encontro entre as opiniões extasiadas do filme à época de Cannes (como bem resume as citações contidas no poster promocional do filme) e o nariz torto daqueles que o viram posteriormente, já que enxergo nesta obra de Daniels alguns pontos interessantíssimos, mas também algumas escolhas duvidosas. Sendo assim, vamos a elas.

O cenário exagerado, um tanto caótico e recheado de tipos caricatos e, por que não, afetados dão o tom a Obsessão, que ganha o espectador pela exploração de tipos marcantes e/ou curiosos, que são entrelaçados a uma trama que envolve amor "indecente", homicídio, racismo e homossexualidade. Apesar de uma ou outra escorregada no equilíbrio desta equação, Lee Daniels e Pete Dexter conseguem dar vazão a um texto que desperta interesse, mesmo que um tanto indigesto em seu início. Com certeza existem sequências inteiras no filme que beiram ao nonsense e podem despertar a ideia de se estas seriam ou não necessárias ao bom desenvolvimento da obra. No meu ponto de vista são sim necessárias, já que o choque sempre vem acompanhado de algum tema a ser refletido ou no mínimo encontram-se entrelaçados à psicologia perturbada de seu elenco principal.

Falando em elenco, é impossível não aplaudir a excelente escalação deste filme, cujo panteão de estrelas é inegável e todos - absolutamente todos - encontram-se muito bem em seus respectivos papéis, sejam estes grandes ou pequenos. Nos papéis principais temos o cada vez mais bem quisto Matthew McConaughey (Amor Bandido), como o jornalista que procura inocentar o suposto assassino vivido por John Cusack (Sangue no Gelo), Zac Efron (Hairspray), o "paperboy" do título, que interpreta o irmão do personagem de McConaughey, uma espécie de auxiliar do jornalista, Nicole Kidman (Segredos de Sangue), como a "perua pirada" que convoca o jornalista com o intuito de inocentar o personagem de Cusack, pelo qual esta encontra-se "apaixonada", Scott Glenn (O Silêncio dos Inocentes), como o pai de McConaughey e Efron, e David Oyelowo (Planeta dos Macacos - A Origem), como o parceiro jornalista de McConaughey. Logo, percebe-se que todos surgem conectados de alguma forma, o que é ampliada pela boa composição de todos, que realmente "abraçam" a anormalidade do filme. É difícil afirmar se o elenco funciona por conta do poder de fogo de sua trama ou se esta só "pega" devido ao talento do elenco. Independentemente do motivo, o que importa é que o casamento entre elenco e filme deu-se de maneira ímpar.

A direção de arte, o desenho de produção e o figurino do filme também chamam atenção, pois encontram-se entre o real e o onírico, aspecto este bastante presente no desenrolar da trama, devido a sucessão de eventos "inacreditáveis" que nos é apresentado. A música - a cargo de Mario Grigorov - também se mostra interessante, complementando bem os climas regados a exagero pedidos pelo filme. O que não funciona tão bem é a fotografia saturada e excessivamente tremida de Schaefer - sob a supervisão (ou a pedido) de Lee Daniels - e a edição do filme (Joe Klotz, de Reencontrando a Felicidade), principal responsável pelo início confuso do filme e pela oscilação de ritmo, que só encontra certo equilíbrio a partir do fim do segundo ato, quando a tensão do filme começa a ganhar corpo.

Difícil de ser classificado, Obsessão não é um filme de fácil assimilação, logo, nem todos que o virem tirarão algo de interessante de sua proposta. Há sim excessos tanto no âmbito narrativo quanto no quesito estético (talvez o maior problema do filme, como comentado no parágrafo acima), como também no encaixe das composições de alguns atores (é óbvio que John Cusack apostou mais na caricatura do que seus companheiros de tela), mas no âmbito geral ele funciona, pois provoca ao jogar uma mistura de sexo, violência, conceitos morais distorcidos e preconceito em uma trama de crime "padrão", desejando assim incomodar o espectador para que este enxergue tais pautas de uma maneira menos padronizada, menos organizada. É óbvio que a pretensão de Daniels é maior do que seu filme conseguiu traduzir, mas mesmo assim indico a visita. Todavia, respire fundo antes de iniciar esta jornada de pouco mais de noventa minutos pelo mundo surtado de Lee Daniels e Pete Dexter.

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20 janeiro, 2014

O Tempo e o Vento (BRA, 2013).


Uma coisa é inegável na versão de O Tempo e o Vento conduzida por Jayme Monjardim (Olga): sua fotografia é primorosa, evocando os grandes épicos da era de ouro do cinema, especialmente ...E o Vento Levou, de Victor Fleming. Mas o mérito maior para tal feito não reside apenas nas mãos de Monjardim, mas sim no talento e técnica apuradas de seu diretor de fotografia, o competentíssimo Affonso Beato (brasileiro parceiro habitual de Pedro Almodóvar em filmes como A Flor do meu Segredo, Carne Trêmula e Tudo Sobre Minha Mãe). Principal motivo pelo encantamento despertado pelo filme, fica difícil saber se esta adaptação funcionaria caso as composições de Beato não chamassem tanto a atenção, visto que há sérios problemas tanto na construção e desenvolvimento do roteiro do filme quanto na montagem e na própria narrativa da obra, que se torna pequena se comparada ao carinho (e complexidade) despertado pela obra original de Érico Veríssimo.

O Tempo e o Vento de Veríssimo se concentra na narração do nascimento do hoje estado do Rio Grande do Sul, através do olhar de vários gerações das famílias Terra Cambará e Amaral, duas das mais tradicionais da região. Tal épico acabou resultando numa trilogia (O Continente, O Retrato e O Arquipélago) composta por sete volumes, onde são destrinchados eventos diversos que perpassam aproximadamente 150 anos. É óbvio que a transposição de uma obra tão complexa, intrincada e recheada de detalhes é um trabalho hercúleo, mas não impossível. Acredito eu que só haveriam três formas de se adaptá-la: construindo uma trilogia de filmes, com início, meio e fim (aos moldes da trilogia O Senhor dos Anéis), que mantivesse o máximo possível os elementos essenciais da trama apresentada nos livros; realizando um único filma, mas cuja metragem rivalizasse com os dos grandes épicos da era de ouro de Hollywood, com uma duração de três horas ou mais; apostando em uma obra mais compacta, mas que focasse em apenas alguns dos eventos abraçados pela obra de Veríssimo, descartando os demais (ou seja, nada de apresentar os 150 anos ou as várias gerações).

Infelizmente, o filme de Monjardim acabou juntando elementos destas três possíveis opções, o que acabou resultando num produto final bonito visualmente, mas pouco aprofundado, focado em um romance desenvolvido de forma apressada e recheado de eventos entrecortados que pouco tem a dizer ao plot principal, pois também não possuem tempo suficiente para serem minimamente aprofundados. A guerra farroupilha acontece e pouco sabemos sobre, filhos, netos e primos terceiros (acréscimo meu) surgem em cena de forma atabalhoada, como se apenas para constar, não para somar. Até mesmo personagens vitais à trama, como Rodrigo Cambará (interpretado pelo sorridente e quase sempre bem em cena Thiago Lacerda, de Segurança Nacional) e Bibiana Terra (Marjorie Estiano - insossa -, quando jovem e Fernanda Montenegro - esforçada e comovente) acabam sendo pouco desenvolvidos, tendo o primeiro um papel excessivamente caricato (Lacerda até que se esforça para equilibrar os lados heroico e inconsequente do personagem), enquanto a segunda surge monossilábica e sem carisma, fazendo com o que espectador se pergunte: como um sujeito tão determinado e cheio de si acabou se interessando por uma garota tão apática como esta Bibiana? Fica difícil de comprar.

É claro que O Tempo e o Vento possui como um de seus principais motores a história de amor entre Rodrigo e Bibiana, mas este não se traduz único e, infelizmente, é isto o que acaba por acontecer com esta versão escrita por Letícia Wierzchowski (estreante no cinema) e Tabajara Ruas (Brizola: Tempos de Luta), que opta por reduzir o centro do filme ao romance incomensurável entre os dois e entrecortá-lo com diversos eventos relacionados ao "nascimento" da família Terra (de Bibiana), o que da forma que foi feito acabou muito jogado. A conexão narrativa que deve existir na obra literária não soa orgânica no filme, tornando-o ao mesmo tempo excessivo e enxuto, o que é uma baita de uma contingência (no âmbito da lógica). Não há elenco bom que segure um filme mal estruturado e é isto que acaba acontecendo aqui, onde nomes como José de Abreu (Meu Pé de Laranja Lima), Leonardo Medeiros (Lavoura Arcaica) e Paulo Goulart (Gabriela, Cravo e Canela) acabam sendo subaproveitados, apesar da suposta importância de seus personagens à trama. O tom novelesco do filme também incomoda um pouco, mas como nem isso é desenvolvido por completo, deixo aqui apenas o registro.

Se a música composta por Alexandre Guerra (Brasil Animado) resulta mediana, com alguns bons temas, mas outros excessivamente melosos, a direção de arte (a cargo de Tiza de Oliveira) e os figurinos são primorosos - à exceção do visual do meso-índio Pedro Terra, que lembra mais o índio Tonto de Johnny Depp do que um nativo brasileiro, além dos efeitos especiais que cumprem sua função com competência. Uma pena que Monjardim e seu montador optaram por reduzir as sequências de batalhas a poucos segundos, o que é um baita desperdício - estético e narrativo - para uma obra cujo teor bélico é praticamente um personagem a parte. Custando uma fortuna para os padrões nacionais - aproximadamente R$ 13 milhões -, bem que Monjardim poderia ter explorado melhor as cenas de guerra, pois recurso técnico e dinheiro a produção possuía.

Formado por imagens belíssimas, um elenco em sua maioria de grande qualidade e uma direção regular de Jayme Monjardim, O Tempo e o Vento escorrega bastante devido a fragilidade de seu texto adaptado, mas talvez seu pior defeito resida em sua edição/montagem, que exagera nos cortes - o filme tem fade in/fade out (escurecimento e clareamento da imagem entre cenas) praticamente a cada três ou quatro minutos, sendo raríssima a presença de cenas intercaladas sem este recurso, o que acaba por dar uma cara amadora à produção. Afinal de contas estamos assistindo a uma obra cinematográfica ou a uma série televisiva? Tal questionamento soa até estranho já que, como outras produções recentes que possuem o selo Globo Filmes, pouco tempo após sua exibição nos cinemas seus filmes ganham "versões estendidas" em forma de minissérie, a exemplo de Chico Xavier, Xingu e Gonzaga - De Pai pra Filho. Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Apesar desta dúvida ficar, uma certeza é inegável: apesar de raso, as belas imagens levam o filme a um patamar melhor e mesmo irregular, Monjardim se esforça para entregar um filme minimamente interessante e em parte consegue (Santo Beato!).

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P.S.: Apesar de tudo o filme de Monjardim perece meus aplausos por pelo menos mais um motivo: me fez despertar a vontade de ler a epopeia literária do célebre Érico Veríssimo. Valeu, Jayme. Só espero que, após a leitura, não acabe desgostando do teu filme.  

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14 janeiro, 2014

A Sombra do Inimigo (Alex Cross, EUA, 2012).


Conheci o trabalho de James Patterson e deu personagem mais famoso, Alex Cross, há pouco tempo, através do livro Eu, Alex Cross, uma das mais recentes obras protagonizadas pelo famoso detetive e psiquiatra forense da literatura policial norte-americana. Envolvente e objetivo, este livro me despertou a curiosidade de conferir a mais recente adaptação cinematográfica envolvendo Cross, espécie de reboot após dois filmes estrelados por Morgan Freeman, Beijos que Matam (1997) e Na Teia da Aranha (2001), que contou com Tyler Perry (Star Trek) interpretando Cross e com a direção do experiente Rob Cohen (Velozes e Furiosos, Triplo X). Apesar de não ter achado o filme o lixo declamado pela crítica em 2012, é fato que este é bem fraco, especialmente se for levado em conta o bom nome que o personagem carrega no âmbito da literatura.

Adaptado pela dupla Marc Moss (Na Teia da Aranha) e Kerry Williamson, A Sombra do Inimigo (no original, apenas Alex Cross) tem como fonte de inspiração o romance Cross e conta com a bênção de James Patterson, mas a impressão sentida é que o autor não deu muita importância a esta nova roupagem de seu personagem, apesar de ser um de seus produtores. O fato é que a trama não empolga, seu desenvolvimento é arrastado e Perry não convence como Alex Cross, tanto pela falta de carisma quanto pela pouca presença nas cenas de ação, o que acaba por enfraquecer bastante o filme. O veterano Rob Cohen também parece pouco a vontade no comando, além da produção ter uma cara de filme barato, o que é um baita pecado com um personagem tão querido (e bem quisto) por grande parte do público.

O desenvolvimento de A Sombra do Inimigo é muito caricato, servindo bem ao vilão "porra-louca" interpretado por Matthew Fox (o Jack da série Lost) - por sinal, muito bem quando visto isoladamente - mas não necessariamente à trama e aos demais personagens, cuja composição é mais "pé no chão". Apesar de ser bacana rever Edward Burns (O Resgate do Soldado Ryan) atuando, seu personagem - pelo menos da forma como é apresentado - é dispensável ao desenvolvimento do filme, como também seu relacionamento com a personagem de Rachel Nichols (Conan, o Bárbaro). O filme possui alguns momentos dramáticos chave, incluindo a morte de personagens importantes do universo literário de Cross, mas cujo impacto é bastante reduzido, pois nem os roteiristas nem o diretor conseguem explorá-los bem.

É válido destacar que o filme conta com o brasileiro Ricardo Della Rosa (Os Penetras), parceiro habitual de Andrucha Waddington (Eu Tu Eles), como diretor de fotografia, mas não posso dizer que ele faz aqui um trabalho excepcional. Muito pelo contrário, pois surge apenas correto - apesar de um ou outro enquadramento estranho e abusar da tremedeira de câmera, especialmente nas sequências que envolvem o personagem de Fox. Talvez o maior destaque do filme resida na pessoa de John Debney (A Paixão de Cristo) que desenvolve uma trilha sonora que consegue levantar um pouco o filme, mesmo não sendo nada inovadora.

A falta de foco (no sentido de abordagem/estilo) do roteiro, a direção preguiçosa de Rob Cohen - a bem verdade, aqui neste filme ela beira ao amadorismo - e falta de força da interpretação de Tyler Perry fazem com que A Sombra do Inimigo, nova tentativa de estabelecer a cria maior de James Patterson no cinema, naufragar. Fracasso absoluto de crítica e bilheteria, o filme não é uma das obras mais atrozes já concebidas por hollywood, apenas não empolga, não vinga, não desperta interesse por seus personagens, o que resulta em suicídio automático para a pretensão de franquia imaginada pelos produtores e por Patterson. Já que uma nova roupagem de Alex Cross deve levar mais alguns bons anos para ser discutida pelos homens de hollywood, vou focar na leitura de outros livros estrelados pelo personagem, pois a leitura mostrou-se sim agradável.

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13 janeiro, 2014

Matrix - Os Segredos da Produção (The Matrix Revisited, EUA, 2001).


Aproveitando o sucesso de vendas no mercado de home-video e o início das filmagens do que viria a ser Matrix Reloaded e Matrix Revolutions, a Warner Bros. e os irmãos Wachowski prepararam e lançaram este documentário que, como o título nacional adianta, promete "devendar" os segredos da produção do sucesso Matrix. Certamente as duas horas de cenas de bastidores e os depoimentos de antes, durante e após a produção do filme ajudam a compreender um pouco mais o nível de insegurança aliado a deslumbramento sentido pelos nomes envolvidos na consecução do filme, mas bem que o diretor Josh Oreck poderia ter caminhado um pouco fora da linha do convencionalismo e destacado informações que destoasse do formato "extra de DVD" que o documentário acabou abraçando (não à toa, após vender muito bem - até por que a primeira edição em DVD de Matrix foi bem fraca na quantidade e qualidade de material adicional -, este documentário foi realocado como extra das edições futuras de Matrix).

Apesar da cara "chapa branca", tem muita coisa bacana à mostra em Matrix - Os Segredos da Produção - afinal de contas, são duas horas de conteúdo -, tendo destaque as imagens e depoimentos relacionados a pré-produção do filme, onde tomamos conhecimento de que a proposta do filme já existia desde meados dos anos 1990, mas a Warner insistiu para que os Wachowski realizassem um filme menor antes de liberar a grana para esta "loucura" de ação e ficção-científica - uma das exigências dos irmãos era que eles mesmos teriam que dirigir o filme, o que não foi visto com bons olhos pelo estúdio. O filme menor dos irmãos cineastas foi nada menos que Ligadas pelo Desejo, um filme tão bom (seria melhor?) quanto o aclamado Matrix.

Didático, mas até que completo, Matrix - Os Segredos da Produção é uma boa pedida para aqueles que ficaram curiosos por descobrir quais foram os caminhos percorridos por Andy e Larry Wachowski até conseguirem transpor suas ideias em forma de cinema e quais foram as influências abraçados pelos cineastas na construção deste clássico moderno. É claro que as possíveis picuinhas não são abraçadas pelo filme de Oreck e o didatismo pode deixar a jornada de duas horas de projeção um tanto enfadonha, mas mesmo assim o documentário apresenta algumas informações bacanas de todas as etapas da produção, o que é uma boa para os cinéfilos mais curiosos. Certamente não mudará o sentimento de quem curtiu ou de quem não curtiu Matrix, mas é um prato cheio para aplacar parte da curiosidade daqueles que se encontram na primeira opção.

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10 janeiro, 2014

Matrix (The Matrix, EUA, 1999).


Considerado um marco do cinema praticamente desde suas primeiras exibições, Matrix mudou não apenas a forma e o estilo de um gênero cinematográfico, mas também a forma de se enxergar o dito cinema pipoca, que com a obra assinada pelos irmãos Andy e Larry (hoje Lana) Wachowski acabou por mudar as regras do jogo. Não que antes de Matrix não existisse filmes de ação, aventura ou ficção-científica que trouxessem discussões que perpassassem o espetáculo, mas foi apenas após o lançamento do filme dos Wachowski que esta união alcançou um nível de excelência que até hoje permanece inalcançável. Forma e conteúdo se encaixam de maneira tão orgânica e atrativa em Matrix que é impossível não alçá-lo à condição de obra de entretenimento mais importante (e impactante) dos últimos vinte anos. Sendo assim, apesar das várias tentativas - algumas até muito boas e competentes -, nenhum filme conseguiu superá-lo em todas as suas qualidades.

Empolgante do início ao fim, abrindo com uma sequência de ação espetacular e apresentando o espectador a um ambiente distópico dominado por maquinas, através da implementação de uma realidade virtual tida como verdadeira para grande parcela da humanidade - eco direto à obra Simulacro e Simulações, do francês Jean Baudrilard -, Matrix confere não apenas elementos de reflexão filosófica no texto do filme, mas também converge diversas mídias em uma só plataforma, tendo como base de inspiração a lógica e a estética de alguns mangás e animes japoneses, a estética das histórias em quadrinhos ocidentais - não à toa grande parte dos storyboards foram filmados de forma praticamente exata -, além de antever a futura estética dos jogos de videogame, especialmente após o advento da técnica bullet-time, outro dos marcos obtidos pelo filme.

Apesar da densidade da trama proposta pelos irmãos Wachowski, é inegável que um dos grandes trunfos do filme reside no seu aparato estético. A fotografia composta por Bill Pope (Ligadas pelo Desejo) é de encher causar espanto, já que consegue transmitir toda a "piração" proposta pelos diretores de forma assimilável aos nossos olhos, tanto no sentido de escolha de lentes, quanto no que se refere a posicionamento de câmera e enquadramento. Pope também consegue trabalhar bem com os vários elementos de computação gráfica postos no filme, especialmente as sequências que utilizam câmera lenta e, obviamente, o recurso bullet-time. A utilização de muitas tomadas em plongée e/ou contra-plongée mostram-se belíssimas e, acima de tudo, servem a narrativa do filme. Uma pena que o fotógrafo não tenha recebido uma indicação ao Oscar (acabou recebendo uma ao Globo de Ouro, mas não foi premiado).

Mas se o que fosse belamente captado não possuísse um alto padrão de qualidade de nada valeria tamanho, sendo assim, nada mais justo do que enaltecer o trabalho das equipes de arte, dentre eles o designer de produção Owen Petterson (Speed Racer), um dos principais responsáveis pela materialização das ideias visuais dos Wachowski, os diretores de arte Hugh Bateup (Superman: O Retorno) e Michelle McGahey (Cidade das Sombras), que dão uma cara distinta ao "mundo real" e ao "mundo da matrix" e a figurinista Kym Barrett (A Viagem), que simplesmente criou moda (no bom sentido). Equipe certa para o projeto certo, seria difícil imaginar o caldeirão de ideias (e referências) proposto por Andy e Larry Wachowski sem a contribuição destes e dos demais envolvidos na equipe de arte do filme. Ainda no campo estético, é válido confirmar que à exceção de uma outra cena (como a que utiliza fogo digital), os efeitos especiais (práticos e digitais) continuam  excepcionais, mérito este das equipes comandadas por John Gaeta ("pai" do efeito bullet-time), Janek Sirrs, Steve Courtley e Jon Thum. Por fim, mas não menos importante, destaco ainda o excelente trabalho realizado pela equipe de som e edição sonora - são eles Dane A. Davis, John T. Reisz, Gregg Rudloff, David E. Campbell e David Lee -, merecidamente premiados com dois prêmios Oscar e um BAFTA.

Outro ponto a ser destacado em Matrix reside na escalação do elenco pelos Wachowski, juntamente a Mali Finn (Número 23) e Shauna Wolifson (Cidades das Sombras). Mesmo não possuindo grandes astros (à época) e contando com alguns atores de qualidade mediana, cada um dos membros do elenco acabou por se encaixar feito luva a seus respectivos personagens, sendo necessário destacar a icônica performance do competentíssimo Hugo Weaving (Capitão América: O Primeiro Vingador) como o enigmático e aterrador agente Smith, a força de caráter expressada por Laurence Fishburne (Apocalypse Now) e seu Morpheus, além de sua disposição física ao papel e a dedicação e carisma de Keanu Reeves (Constantine), que compensa suas limitações como intérprete através de um cuidado todo especial na composição de seu personagem, o hoje icônico Thomas Anderson/Neo. Carrie-Anne Moss (Amnésia) também encontra-se bem como peça-chave para o descobrimento interior de Neo como o escolhido, mas o filme é basicamente dos três citados anteriormente.

Poderoso, eficiente, à frente de seu tempo e instigador de debates, Matrix é a prova viva de que um conjunto de referências aparentemente desconexas em si, quando bem organizadas, é capaz de render uma obra não apenas coerente, mas única. Defendido como o primeiro capítulo de uma trilogia (que veio a ser concretizada quatro anos após o lançamento deste), Matrix funciona perfeitamente isolado, pois traduz de forma veemente conceitos vários acerca da falta de identificação do ser humano com o meio em que vive, cada vez menos propício ao convívio social e mais próximo da tecnologização do ser (ser humano 2.0), além de ajudar a resgatar algumas discussões acerca da realidade posta cujo cerne de identificação reside em apenas um dos cinco sentidos - a visão -, que permeiam a pauta da filosofia desde a antiguidade grega. 

À frente de seu tempo ou não, é inadmissível que esta obra não tenha sido sequer indicada ao Oscar de melhor filme, direção e roteiro original, independentemente dos ótimos nomes que foram contemplados em seu lugar. O que é hoje o filme Regras da Vida, de Lasse Hallstrom, em comparação a Matrix? Até mesmo À Espera de um Milagre, de Frank Darabont e os vencedores do ano nas categorias citadas, Beleza Americana, Sam Mendes e Alan Ball, tremem nas bases quando postos ao lado da obra-prima dos Wachowski. Os prêmios mais visados não vieram, mas sua entrada no rol dos grandes filmes da cinematografia mundial é mais do que fato consumado.

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08 janeiro, 2014

Planeta dos Macacos - A Origem (Rise of the Planet of the Apes, EUA, 2011).

"Evolução torna-se revolução" (Livre tradução da frase disposta no poster promocional).
Arrebatador. Com esta palavra consigo descrever o que senti após rever este reboot da franquia Planeta dos Macacos. Lançado de forma "discreta" em 2011, Planeta dos Macacos - A Origem, dirigido pelo promissor Rupert Wyatt (The Escapist, inédito no Brasil), é uma peça de entretenimento de primeira qualidade, que toma para isso a missão de recontar a mitologia dos filmes "clássicos" para uma nova audiência, mas sem cometer o vício de apresentar mais do mesmo, já que muito do que vemos aqui não fora apresentado anteriormente, sendo este filme mais do que uma refilmagem (como acabou sendo o longa de Tim Burton, lançado em 2000), mas também um prelúdio.

Ambientado nos dias de hoje e não em futuro próximo, a trama escrita por Rick Jaffa (Olho por Olho) e Amanda Silver (A Mão Que Balança o Berço) apresenta uma justificativa cabível para o início do desenvolvimento de uma sociedade símia, que aparece conectada aos cada vez mais avançados (e, por isso mesmo, complexos) estudos científicos relacionados a genética. Ligando a busca pela cura do Alzheimer ao desenvolvimento de algumas funções cerebrais, Jaffa e Silver acabam por preencher de cientificidade (ou pelo menos de ilusão científica) o universo geralmente fantasioso dos filmes anteriores da franquia Planeta dos Macacos. Não que falte imaginação e fantasia ao filme, mas o pé no científico encontra-se mais forte, além da ambientação nos nossos dias contribuir para que aceitemos melhor as possíveis "improbabilidades" surgidas no decorrer da trama.

Certamente a utilização da técnica de motion capture (captura de movimentos) aliada aos efeitos de computação gráfica de último nível agregou bastante ao filme, que carecia de um senso de novidade. Não que a "macacada" digital tenha atingido a perfeição - nota-se certa discrepância na verossimilhança provocada pelos efeitos quando comparamos as cenas iniciais, que apresentam o símio Cesar (Andy Serkis, de O Hobbit: Uma Jornada Inesperada) criança, em comparação ao mesmo em idade adulta -, mas em algumas momentos a ilusão de realidade provocada é tão grande que chega a assustar. Mérito da empresa de efeitos digitais WETA e do encarregado pela supervisão no filme, Joe Letteri, um dos profissionais mais reconhecidos da área, vencedor de quatro Oscar (O Senhor dos Anéis: As Duas Torres, O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, King Kong e Avatar) e dono de outras três indicações. Certamente, apesar de não 100%, a tecnologia empregada nos efeitos visuais do filme sagrou-se como um dos grandes destaques do mesmo.

Todavia, se o roteiro não fosse bom e o elenco não trouxesse credibilidade a ele nem mesmo os efeitos especiais mais espetaculares já vistos poderiam segurar o filme em sua completude. Felizmente o filme de Rupert Wyatt mostra-se equilibrado neste sentido, abusando dos efeitos (até por que o que importa ao filme é apresentar a evolução dos símios como espécie inteligente), mas sem esquecer da qualidade do filme no aspecto "carne e osso". Para isso Wyatt selecionou um elenco bacana para contracenar com as "criaturas digitais", que conta com gente do porte de Brian Cox (Voo Noturno) e John Lithgow (O Dossiê Pelicano), nomes promissores como David Oyelowo (Jack Reacher - O Último Tiro), Tom Felton (o Draco Malfoy da fraquia Harry Potter) e Freida Pinto (Quem Quer Ser um Milionário?), além de James Franco (Oz: Mágico e Poderoso) e o já citado Andy Serkis como os protagonistas da história contada. Por fim, destaco o desempenho do ator, dublê e coreógrafo Terry Notary (As Aventuras de Tintim), tanto pelo desenvolvimento das coreografias dos atores que interpretam os macacos através da tecnologia de captura de movimento, quanto pelo mesmo interpretar dois destes, o chimpanzé macho Rocket e a chimpanzé fêmea Bright Eyes (Olhos Brilhantes), mãe de Cesar.

Certamente as performances que mais se destacam dentre os membros do elenco são as de Serkis, praticamente um especialista em interpretar criaturas (em seu currículo pesam personagens icônicos como Gollum e Kong), que consegue dar uma dimensão humana ao chimpanzé Cesar e Lithgow, que mesmo com pouco tempo em cena consegue conquistar qualquer um em sua composição de músico sofredor de mal de Alzheimer. Talvez os elos mais fracos do filme residam nas interpretações de Felton (que repete os trejeitos e personalidade de Draco Malfoy) e Franco, que não compromete, mas parece não tão a vontade no papel. Este até que se esforça, mas não convence a perfeição como um cientista altamente gabaritado. Sorte do filme que o verdadeiro astro seja Cesar.

Apesar de não ter contado com um orçamento inchado (oficialmente o filme custou a "bagatela" de 90 milhões de dólares), Wyatt e companhia não se furtaram de contratar alguns dos melhores profissionais do cinema hoje para os postos técnicos. Além do supervisor de efeitos Joe Letteri, Wyatt contou com os serviços do também oscarizado Andrew Lesnie, diretor de fotografia responsável pelas belíssimas imagens da trilogia O Senhor dos Anéis e vencedor do oscar da categoria pelo primeiro filme desta trilogia. Lesnie realiza aqui um trabalho primoroso, especialmente nas tomadas abertas, além de posicionar muito bem sua câmera nas sequências de ação, comportando-se muito quando estas mostram-se recheadas de efeitos especiais. Também merece destaque a trilha sonora, que ajuda a narrativa ao mesmo tempo que marca, ficando alguns de seus temas grudado aos ouvidos após o encerramento do filme. Mérito do maestro Patrick Doyle (Valente).

Conduzido de forma inteligente e concisa (não enxerguei nenhuma barriga à obra), além de mostrar-se equilibrado entre os momentos de tensão, os emotivos e os de cunho reflexivo, Planeta dos Macacos - A Origem é um dos melhores blockbusters de 2011, conseguindo mostrar-se "original" apesar de fazer parte de um universo preestabelecido anteriormente. O filme não se furta a discutir a condição humana, especialmente inserida no processo de evolução de percepção de vida de Cesar. Há muito de filosofia, psicologia e política no filme, o que por si só já é um grande diferencial em comparação as inúmeras peças de entretenimento dispostas no cinema cujo conteúdo é reduzido a fermentação de pixels e nitroglicerina.  Os puristas que me perdoem - só a título de registro, adoro o filme de 1968, dirigido por Franklin J. Schaffner e estrelado por Charlton Heston -, mas este é, até então, o melhor filme que tem como referência o romance concebido pelo francês Pierre Boulle.

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