"É o futuro, Ballard. E você já faz parte dele. Você está vendo isto pela primeira vez. Há uma psicopatologia benevolente que sinaliza em nossa direção. Por exemplo, um acidente de carro é uma forma de semear ao invés de ser um evento destrutivo, a explosão da energia sexual, mediando a sexualidade daqueles que já morreram com uma intensidade que é impossível ser mensurada de outra forma. Experimentar isto, viver isto, é o meu projeto". (Discurso revelador de Vaughan, personagem de Elias Koteas, à Ballard, interpretado por James Spader).
A relação umbilical entre sexo e violência sempre foi parte marcante do cinema de David Cronenberg (Videodrome - A Síndrome do Vídeo), no entanto com este Crash, Estranhos Prazeres o cineasta parece alcance seu auge, pelo menos no que se refere à provocação e complexidade temática. Adaptado (pelo próprio Cronenberg) de um romance homônimo escrito pelo inglês J. G. Ballard, este filme carrega consigo um espectro mais sensorial do que objetivo, sendo daqueles raros produtos que praticamente jogam toda a responsabilidade de interpretação e imersão no seu universo próprio ao espectador, fazendo assim com que cada um destes signifique o filme de maneira particular e consequentemente distinta entre si.
O enredo do filme, que trata de busca desenfreada por prazer de ordem sexual e a excitação sexual despertada por acidentes automobilísticos e violência, é daqueles que precisa ser ruminado, digerido e divagado, pois é de difícil aceitação, causa polêmica e desperta certa ojeriza, ao mesmo tempo em que desperta interessa, sendo esta talvez a intenção maior de David Cronenberg ao conceber a obra, extrair emoções difusas e doloridas do espectador, ao mesmo tempo em que força sua massa encefálica a pensar, elaborar e, principalmente, analisar o sexo e a violência de forma mais ponderada e, por que não, calculada, fria e objetiva (mesmo sendo estas manifestações e experiências de ordem subjetiva).
Contando com um elenco notável, o destaque maior vai para a dupla masculina do filme, formada por James Spader (Sexo, Mentiras e Videotape) e Elias Koteas (Zodíaco). Este fincando ainda mais com este papel sua predileção por tipos sinistros, esquisitos e outsiders. Já Spader conduz camadas tão sutis, mas competentes a seu personagem fazendo com que mesmo que saibamos de seus distúrbios psicológicos e que não concordemos com algumas de suas ações durante a sua trajetória, somos conquistados por seu carisma, nos fazendo assim torcer para um personagem tão dúbio e "distante" de nossa sociedade em geral.
Completando o elenco principal temos as presenças de Holly Hunter (O Piano), Deborah Kara Unger (Vidas em Jogo) e Rosanna Arquette (The Divide), figuras dúbias e esquisitas, cada uma a seu medo, sendo possível defini-las respectivamente como esquisita, ninfomaníaca e desajustada, ou vice-versa.
Crash, Estranhos Prazeres é assumidamente um filme gráfico, explícito (tanto em sexo, quanto em violência e, até mesmo, apresentando sexo violento e atos de violência emulando o ato sexual), difícil e estranho, mas também direto - a cena de abertura já resume perfeitamente o que encontraremos nas pouco mais de 1 hora e meia de filme a seguir - e "na cara", apontando a problemática e pondo o dedo na ferida, sem defender causas ou verdades absolutas, muito menos chocando por chocar (aspecto defendido por alguns críticos do filme em sua época de lançamento), apenas apresentando um olhar focado em dois ou três temas bastante recorrentes na vida do homem moderno: o sexo assumido como prazer absoluto, a violência que descarrega o mal inerente ao homem e os acidentes provocados ou não que acabam por transformar de maneira profunda o próprio. Vencedor do prêmio especial do júri no Festival de Cinema de Cannes, Crash, Estranhos Prazeres ao meu ver não é o melhor trabalho de Cronenberg, muito menos é o seu filme mais intragável, o que mesmo desperta é uma avaliação lenta e cuidadosa, muito devido a sua composição recheada de metáforas, signos e alegorias, já que pelo seu conteúdo e forma é fácil enxergá-lo enviesado e sentir apenas náuseas e incômodo pelo mesmo. Um filme difícil, altamente subjetivo e polêmico, mas incrível.
AVALIAÇÃO:
TRAILER:
Mais informações:
Bilheteria: Box Office Mojo