14 julho, 2012

Crash, Estranhos Prazeres (Crash, CAN/ING, 1996).

"É o futuro, Ballard. E você já faz parte dele. Você está vendo isto pela primeira vez. Há uma psicopatologia benevolente que sinaliza em nossa direção. Por exemplo, um acidente de carro é uma forma de semear ao invés de ser um evento destrutivo, a explosão da energia sexual, mediando a sexualidade daqueles que já morreram com uma intensidade que é impossível ser mensurada de outra forma. Experimentar isto, viver isto, é o meu projeto". (Discurso revelador de Vaughan, personagem de Elias Koteas, à Ballard, interpretado por James Spader).

A relação umbilical entre sexo e violência sempre foi parte marcante do cinema de David Cronenberg (Videodrome - A Síndrome do Vídeo), no entanto com este Crash, Estranhos Prazeres o cineasta parece alcance seu auge, pelo menos no que se refere à provocação e complexidade temática. Adaptado (pelo próprio Cronenberg) de um romance homônimo escrito pelo inglês J. G. Ballard, este filme carrega consigo um espectro mais sensorial do que objetivo, sendo daqueles raros produtos que praticamente jogam toda a responsabilidade de interpretação e imersão no seu universo próprio ao espectador, fazendo assim com que cada um destes signifique o filme de maneira particular e consequentemente distinta entre si.

O enredo do filme, que trata de busca desenfreada por prazer de ordem sexual e a excitação sexual despertada por acidentes automobilísticos e violência, é daqueles que precisa ser ruminado, digerido e divagado, pois é de difícil aceitação, causa polêmica e desperta certa ojeriza, ao mesmo tempo em que desperta interessa, sendo esta talvez a intenção maior de David Cronenberg ao conceber a obra, extrair emoções difusas e doloridas do espectador, ao mesmo tempo em que força sua massa encefálica a pensar, elaborar e, principalmente, analisar o sexo e a violência de forma mais ponderada e, por que não, calculada, fria e objetiva (mesmo sendo estas manifestações e experiências de ordem subjetiva).

Contando com um elenco notável, o destaque maior vai para a dupla masculina do filme, formada por James Spader (Sexo, Mentiras e Videotape) e Elias Koteas (Zodíaco). Este fincando ainda mais com este papel sua predileção por tipos sinistros, esquisitos e outsiders. Já Spader conduz camadas tão sutis, mas competentes a seu personagem fazendo com que mesmo que saibamos de seus distúrbios psicológicos e que não concordemos com algumas de suas ações durante a sua trajetória, somos conquistados por seu carisma, nos fazendo assim torcer para um personagem tão dúbio e "distante" de nossa sociedade em geral.

Completando o elenco principal temos as presenças de Holly Hunter (O Piano), Deborah Kara Unger (Vidas em Jogo) e Rosanna Arquette (The Divide), figuras dúbias e esquisitas, cada uma a seu medo, sendo possível defini-las respectivamente como esquisita, ninfomaníaca e desajustada, ou vice-versa.

Crash, Estranhos Prazeres é assumidamente um filme gráfico, explícito (tanto em sexo, quanto em violência e, até mesmo, apresentando sexo violento e atos de violência emulando o ato sexual), difícil e estranho, mas também direto - a cena de abertura já resume perfeitamente o que encontraremos nas pouco mais de 1 hora e meia de filme a seguir - e "na cara", apontando a problemática e pondo o dedo na ferida, sem defender causas ou verdades absolutas, muito menos chocando por chocar (aspecto defendido por alguns críticos do filme em sua época de lançamento), apenas apresentando um olhar focado em dois ou três temas bastante recorrentes na vida do homem moderno: o sexo assumido como prazer absoluto, a violência que descarrega o mal inerente ao homem e os acidentes provocados ou não que acabam por transformar de maneira profunda o próprio. Vencedor do prêmio especial do júri no Festival de Cinema de Cannes, Crash, Estranhos Prazeres ao meu ver não é o melhor trabalho de Cronenberg, muito menos é o seu filme mais intragável, o que mesmo desperta é uma avaliação lenta e cuidadosa, muito devido a sua composição recheada de metáforas, signos e alegorias, já que pelo seu conteúdo e forma é fácil enxergá-lo enviesado e sentir apenas náuseas e incômodo pelo mesmo. Um filme difícil, altamente subjetivo e polêmico, mas incrível.

AVALIAÇÃO:

TRAILER:



Mais informações:
Bilheteria: Box Office Mojo
Comentários
3 Comentários

3 comentários:

  1. Bem... Mesmo com a cabeça ainda fervendo, vamos aos meus olhares em relação a este intrigante filme. Uma das primeiras impressões que tive é que os personagens estão desconectados durante todo o filme. Fiéis ao papel de independência, os personagens parecem viver suas histórias sem relação alguma com os demais. O filme me pareceu um recorte de histórias, sem ligações maiores, a não ser a única em questão: sexo e violência. Primeiro, o personagem James Ballard ao sofrer o acidente no início do filme, onde ele bate o carro em um casal, acaba esbarrando no hospital com a mulher sobrevivente Hellen Remington e com Vaughan que irão desenvolver vários encontros ao longo do filme. O que é estranho observar é que os desejos por acidentes de carro parecem surgir do nada. James e Remington assistem a Vaughan relatar e demonstrar um acidente de carro e daí começa a aparecer no filme o interesse por riscos, violência e sexo. Mesmo apontando no começo do filme que o casal James e Catherine parecem viver estranhamente experiências sexuais diversas e se excitarem com tais, o desejo por carros não deixa claro de onde surge. Surge um ciclo de encontros entre James, Catherine, Vaughan, Hellen e Gabrielle que não convence ao espectador. O estranho prazer proposto pelo filme não responde as tantas perguntas que ficam na mente, como: "Por que carros?", "Seria o medo, as cicatrizes, a aventura os pilares do filme?". A subjetividade do filme, que você coloca, está ao meu ver, na falta de intensidade dos tantos atos sexuais do filme. A impressão que passa é dos atos pelos atos, do sexo pelo sexo, da violência pela violência. As relações entre os personagens surgem com breves ligações que não sustentam o filme por completo. A personagem que mais reflete independência, submissão e posição alheia é Catherine Ballard, que mantem seus olhares no vácuo durante todo o drama. O filme é solto, sem amarrações convincentes, podendo trocar os objetos por outros sem qualquer diferença. Ou seja, trocar carros por árvores, abismos, ruas, prédios, etc,. mudando apenas a pergunta "Por que árvores" ou "Por que abismos?", etc,.

    Um filme curto, intrigante, porém truncado. Vale a pena assistir para fazer borbulhar a mente.

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  2. Afora o trecho "falta de intensidade dos tantos atos sexuais do filme", que acredito ser mais do que intenso, é hipnotizante, concordo com tudo que você expõe, o filme realmente é esburacado, mas acredito que propositalmente, até por que tudo o que parece ser caro ao diretor, em especial a relação entre gosto e autorrealização através dos atos de violência (física, com os acidentes e psicológico, com o sexo consensual e sem limites), estão escancarados no filme. O restante, infelizmente, cabe apenas ao espectador inferir e interpretar. Mas atesto 99% do seu texto, exceptuando o já comentado acima.

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  3. A falta de intensidade que me refiro está comparado aos tantos outros que já assisti. Os atos mereciam mais "fome", deveriam demonstrar mais "satisfação"... Mas é isso. É um filme individual mesmo, pra cada um concluir o que quiser.

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