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30 junho, 2012

Black (IND, 2005).


"A vida é um sorvete. Curta ela antes que derreta". (Professor Debraj Sahai, interpretado por Amitabh Bachchan). 
Antes de mais nada é necessário destacar a importância do tema abordado pelo filme Black, a "deficiência visual e auditiva", tão "desconhecido" por grande parte da sociedade quanto mal interpretado, visto que  muitas vezes a inflexão "deficiência" acaba por denotar incapacidade, quando a mesma significa simplesmente diferença. E, independentemente da abordagem deste filme, esta mensagem é passada de maneira clara e profunda, visto que a emite de maneira subjetiva, muitas vezes através de imagens e murmúrios sonoros e não de palavras, estabelecendo assim uma preciosa relação para com o tema abraçado pelo próprio filme.

A história de uma garota indiana nascida cega e surda e sua relação de amizade e luta com o tutor que a ensina a entender e se comunicar com o mundo ao seu redor (para simplificar ao máximo) é contada de maneira delicada e tocante pelo diretor Sanjay Leela Bhansali e pelos co-roteiristas Bhavani Iyer e Prakash Kapadia. Perpassando o nascimento, adolescência e idade adulta da garota Michelle (Rani Mukerji, excelente), o filme destaca momentos de grande destaque para o aprendizado da mesma, soando como uma espécie de diário remissivo de suas conquistas e decepções, entremeadas por memórias de infância. Sem nunca apelar para o melodrama - muito graças ao talento dos atores principais, que sabem como se colocar -, Black é tocante e profundo ao mesmo tempo, passando da simplória mensagem de perseverança e luta, à disposição de todo um leque de possíveis debates e assertivas acerca do potencial humano no que tange ao conhecimento, em especial quando afastado da teoria, quando levado à prática. para a maior compreensão das possíveis respostas para algumas perguntas acerca da complexidade humana.

Não há como não destacar as performances de Rani Mukerji, que realmente se apresenta como uma pessoa distinta e especial, seja através da postura corporal e jeito de andar, as expressões de seu rosto, com destaque para o olhar que transmite um misto de atenção e desprendimento, e de Amitabh Bachchan,  simplesmente fantástico nos dois momentos distintos perpassado por seu personagem, transmitindo carinho, conhecimento, fúria e fragilidade no talvez personagem mais complexo do filme. É tão notório o trabalho de composição de ambos que realmente acabam por ofuscar os demais membros do elenco, mas em síntese  todos estes fazem um excelente trabalho no que tange a criação de suas personagens.

Trazendo pelo menos um punhado de momentos marcantes, do primeiro contato entre aluna e professor ao clímax final do filme, quando acompanhamos os personagens de Mukerji e Bachchan estabelecendo contato com a chuva e inferimos uma relação direta com o primeiro ato de comunicação efetiva entre ambos, quando a personagem Michelle faz a primeira relação entre "coisa" e "linguagem" (neste caso, relacionar o signo água ao elemento físico água), Black sagra-se como um produto cinematográfico sublime, tanto tecnicamente, onde não se mostra ousado, mas é competente, quanto no sentido de conteúdo, que ascende a qualidade do roteiro através da mensagem de suma importância - e baseada em fatos reais - que o mesmo  transmite.

Adaptação livre do filme de Arthur Penn (Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas), O Diário de Anne Sullivan, de 1962 - também inspirado em um evento real -, tenho apenas uma ressalva quanto a abordagem de Black, que é uma certa imposição de elementos religiosos tanto no desenvolvimento do enredo e da narrativa - uma espécie de divinização da personagem Michelle, quando a mesma, ao ver, apresenta-se muito mais interessante quando uma força própria de determinação e coragem - quanto em alguns simbolismos dispostos em alguns momentos do filme, ficando claro, por exemplo, numa das primeiras cenas do longa, quando "indiretamente" a Michelle desenha uma cruz na janela do carro quando sua irmã encontra o professor Debraj ( Amitabh Bachchan), o que ao meu ver força um pouco demais o sentido de realidade apresentada até então e acaba por quebrar a magia perpetrada pelo diretor Bhansali e cia. Também gera dúvida o fato do filme não ter unidade no sentido de idioma, visto que de uma hora para a outras as personagens passam do inglês para o indi e vice-versa, não ficando claro o por que de não uniformizar o filme numa única língua.

Infelizmente, mesmo após 7 anos de seu lançamento, Black ainda não encontra-se disponível em versão nacional, uma pena pois com tantos filmes duvidosos disponibilizados diariamente no Brasil é de causar espanto um trabalho dessa qualidade e renome - o mesmo recebeu diversos prêmios mundo afora, dentre eles melhor filme e ator pela National Films Awards, maior premiação de cinema da Índia - não estar disponível por aqui. Mas enfim, como o mesmo não tem o selo do Oscar de filme estrangeiro, fica mais fácil de compreender um dos motivos. No entanto, apesar da possível dificuldade em encontrar este filme, indico que o confiram, tanto pelo seu valor ético, quanto por sua importância no âmbito cinematográfico, em especial por ser um raro produto (sério) vindo da Índia que recebeu um certo destaque internacionalmente. Black é bonito, edificante e profundo e merece ser descoberto por todos aqueles que admiram mais do que cinema, mas sim a beleza e os infindáveis mistérios da vida, sejam estes etéreos ou inerentes ao ser humano.

AVALIAÇÃO:
Trailer: 

Mais informações:
Bilheteria: Box Office Mojo