09 maio, 2014

Fruitvale Station - A Última Parada (Fruitvale Station, EUA, 2013).

"O melhor filme no Festival de Sundance. Uma força cinematográfica incontrolável". (Peter Travers, da revista Rolling Stone).
Reverenciado desde sua estreia no Festival de Cinema de Sundance, Fruitvale Station - A Última Parada é uma grata surpresa, ainda mais por se tratar de um filme baseado em uma história real, o que vez ou outra engessa a obra, pelo excesso de reverência (ou seja, falta de um senso mais crítico ao objeto de estudo) ou pelo destaque em demasia a crítica, deixando assim a narrativa e o trato cinematográfico como um todo mais frágil (afinal de contas, conteúdo a parte, cinema é cinema). Estreando na direção de longa-metragem com um filme contundente, forte e com personalidade, Ryan Coogler empresta sua sensibilidade e técnica a história (real) de um jovem negro morto devido a excesso da força policial (a bem verdade, por um sujeito do corpo policial). 

Porém, o que mais chama a atenção não é a estupidez do fato, mas sim a construção do personagem principal, Oscar Grant (interpretado com propriedade e energia pelo promissor Michael B. Jordan, do sucesso Poder Sem Limites), que passa longe de representante bom mocismo e da marca de "cidadão de bem" vítima de um ato de "preconceito cego". Muito pelo contrário, o personagem é imaturo, irresponsável, condenado pela justiça e adúltero, mas isto não anula o fato de ser também um lutador, (bom) pai e, por que não, esperançoso. É justamente esta construção profunda de personalidade - mérito do texto de Coogler, mas também da composição inspirada de B. Jordan - e história de vida que distingue o filme de um típico filme-denúncia, pois o que é apresentado aqui é bem mais complexo e, por isso mesmo mais interessante, que outras obras cujo objeto de estudo perpassa o binômio justiça/injustiça (lembro-me com tristeza de um filme nacional que guarda alguns ecos com esta obra norte-americana, mas cuja realização acabou por materializar-se simplória, pouco interessante, até mesmo rasa; a obra em questão é Jean Charles, longa-metragem lançado em 2009, dirigido por Henrique Goldman e estrelado por Selton Mello e Vanessa Giácomo).

A construção do filme é muito bem realizada, pois esta aposta no desenvolvimento pontual das personagens principais, ao mesmo tempo em que vai construindo a premissa, fazendo com que o espectador seja conduzido ao trágico desfecho carregado de simpatia pelos personagens presentes. Não por que estes sejam "bonzinhos" ou heroicos, longe disso, mas sim por estes serem "demasiadamente humanos", como atesta a obra de Nietzche. É justamente a questão da falibilidade humana, além do foco no homem comum, rodeado por pessoas comuns e envolto com decisões deslocadas e acertadas, que dão naturalidade a trama, que conquista o espectador paulatinamente, fazendo com que este até "esqueça" a tragédia do porvir.

Tecnicamente o filme segue a "linguagem" dos filmes independentes cujo escopo perpassa pela estética de documentário. Logo, temos aqui muita câmera na mão, enquadramentos "invasivos" e planos "menos" elaborados. A diretora de fotografia Rachel Morrison (Sound of my Voice) realiza um bom trabalho, dando uma cara de "realidade" ao longa, além de mostrar competência principalmente no quesito iluminação, mas quem se sobressai mesmo é Ryan Coogler, já que é este o responsável por orquestrar toda a produção e transformar uma tragédia em uma obra ao mesmo tempo de protesto e de esperança.

Ganhando corpo conforme vai sendo desenvolvido, Fruitvale Station - A Última Parada é um filme de argumento forte, cuja crítica incomoda por ser "na cara", tendo seu desfecho o poder-dever de despertar repulsa não apenas para com o sistema no qual nos encontramos amarrados, mas também (e principalmente) ao assinalar o quão pequeno, nauseante, decepcionante e ignóbil pode ser o ser humano. A relação de poder e o preconceito étnico-racial também ganham corpo no obra, sem que esta se furte em desenvolver um "herói" falho e possivelmente contraventor, mas nunca inumano, nunca explorador do outro, nunca desonesto para com si mesmo. Eis um filme que deveria ter sido contemplado com indicações ao Oscar (cabia a lembrança de filme e ator, no mínimo), mas cuja força foi abraçada pelo lado "artístico", como o Festival de Cannes, que contemplou Ryan Coogler com Un Certain Regard  - Avenir Prize, o Independent Film Awards, que o premiou como melhor filme e o Festival de Sundance, tendo sido escolhido como melhor filme tanto pelo júri, quanto pelo público. Prêmios nem sempre dizem tudo, mas no caso da obra de Coogler, acaba dizendo sim.

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TRAILER

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