05 maio, 2013

Lincoln (EUA, 2012).


O maior pecado de Lincoln, cinebiografia que retrata uma pequena - mas importante - parte da história de um dos maiores presidentes dos Estados Unidos da América, encontra-se no seu convencionalismo, visto que sua construção se dá de forma tão calculada e pragmática que o caráter surpresa praticamente é inexistente. Mais um retrato da batalha (literalmente) política para a aprovação da 13ª emenda à Constituição, que visava abolir a escravidão no país, do que uma biografia completa do então presidente, a obra dirigida por Steven Spielberg (Cavalo de Guerra) cumpre bem seu papel como filme-homenagem/enaltecedor, apresentando um personagem-título convincente, muitíssimo carismático e hipnotizante e transportando o telespectador ao século XIX com competência, devido a sua óbvia qualidade técnica. Porém, apesar da qualidade técnica e da "boa vontade" dos realizadores, nem sempre o filme empolga e a sua longa duração tem muito a ver com isso.

Contando com um casting fenomenal, em grandes ou pequenos papeis, o filme carrega muito de seu interesse na qualidade de seu elenco, apesar de Sally Field (Forrest Gump - O Contador de Histórias), que seja pelo exagero de suas técnicas de interpretação ou simplesmente por seguir as instruções de Spielberg e Tony Kushner (roteirista) acaba construindo uma personagem absolutamente antipática, irritante e desmotivada, tornando-se assim numa lacuna bastante acentuada as pretensões do filme. Todavia, se Field não agrada (por qual motivo a veterana atriz foi indicada ao Oscar como melhor atriz?), Tommy Lee Jones (Homens de Preto), David Strathairn (O Ultimato Bourne) e James Spader (Crash, Estranhos Prazeres) realizam um grande trabalho na composição de seus determinados personagens, empregando personalidade e despertando interesse pelos mesmos, que acabam servindo como pontes para o desempenho irretocável (e, por que não, friamente calculado) do monstro Daniel Day-Lewis (O Último dos Moicanos).

O que comentar acerca da transformação de Day-Lewis? Da composição de voz às expressões faciais, passando pela forma de andar e pela personalidade praticamente inabalável empregada, o ator britânico simplesmente transforma a figura histórica, mitológica e icônica de Lincoln em realidade, tamanho o empenho empregado pelo ator, que apresenta uma performance que transcende, dando a entender que o que acompanhamos não é nem de longe uma interpretação, mas sim o próprio presidente. O trabalho de Day-Lewis é tão hipnotizante e de qualidade que nem o reforço - muitas vezes exagerado - empregado por Spielberg, com suas tomadas e movimentos de câmera calculados para enaltecer e/ou destacar o personagem, atrapalha a relação entre este e o público, o que é mais uma prova do magnetismo do trabalho do ator. Resultado? Oscar para sua atuação (esse sim, apesar da ótima concorrência, merecidíssmo).

Dois outros pontos que merecem destaque são a fotografia primorosa de Janusz Kaminski (O Resgate do Soldado Ryan), que usa (ou emula) bastante luzes naturais, aproveitando sombras e silhuetas, o que reforça a concepção de época do filme. Seus enquadramentos e planos também são formatados de maneira absurdamente calculada (no bom sentido), dando uma qualidade estética elevadíssima ao filme. É certo que, aliado a Spielberg, Kaminski tenta reforçar, a todo momento, a grandiosidade e poder de empatia/carisma da persona/interpretação de Lincoln/Daniel Day-Lewis, o que pode soar exagerado, mas que pelas mesmas razões citadas acima, não conseguem diminuir o conjunto da obra. Outro que surge bem, principalmente por apresentar-se contido, é o maestro John Williams (Superman, o Filme), que deixa de lado - pelo menos neste filme - as grandes orquestrações e temas chorosos e aposta em composições de cunho mais intimista, baseada no piano, complementando as imagens do filme, ao invés de surgir como mais um personagem. Creio que, apesar de não ser um grande destaque, a trilha dá um bom suporte ao filme, mesmo que de forma discreta (aspecto este cada vez mais raro no cinema contemporâneo).

O roteiro de Tony Kushner, apesar de competente - cinematograficamente falando -, perde um pouco de força pela falta de background, pois muitas das personagens que desfilam em tela são apenas jogadas, reforçando o caráter "histórico" da produção, mas dificultando o entendimento da importância das mesmas ao contexto geral do filme. Sendo assim, alguns personagens são muitíssimo bem aproveitados (os de Lee Jones e Spader, por exemplo), enquanto outros aparentemente fundamentais não o são, como os de Joseph Gordon-Levitt (Batman, o Cavaleiro das Trevas Ressurge). A decoupagem do roteiro também poderia ter sido vista com mais cuidado, pois certamente o ponto mais frágil dele é o seu desfecho, que não tem tanta relevância para com o cerne da trama - a abolição da escravatura -, independentemente do título do filme ser o sintético e restritivo Lincoln. Some-se a esses pequenos entraves do roteiro a montagem "preguiçosa" de Michael Kahn (As Aventuras de Tintim), que ocasionou numa duração um tanto alargada do filme (se o desfecho tivesse sido limado e surgisse apenas de forma descritiva, antes dos créditos do filme, o resultado seria uma obra com pelo menos quinze minutos a menos, uma infinidade a depender do filme). Mas como dito no parágrafo inicial, um dos males que toma Lincoln, a obra cinematográfica, é o excesso de convencionalismo, seja no tratamento conceitual, seja nas técnicas de condução da obra, o que por si só não é um fator de demérito, mas também não tornam o filme mais interessante. De certa forma o torna frio, comum, o que provavelmente não era o pretendido pelos realizadores.

É certo que Steven Spielberg é um diretor de mão cheia e aqui não poderia mostrar algo diferente de sua habitual expertise técnica. O diretor faz, como habitual, um trabalho irretocável no que tange ao visual, a direção de atores - à exceção de Sally Field - e à mitificação de seus personagens, mas em contrapartida se junta a sua equipe no quesito comodismo, não aplicando um diferencial que destaque o filme de outros épicos que tratam de eventos históricos à história de formação sócio-político-cultural do povo norte-americano, muito pelo contrário, a impressão que se dá é que o simples fato da obra possuir o "passe" de um dos atores mais completos da história do cinema resultaria, de forma automática, numa obra-prima instantânea, o que (infelizmente) não é o caso aqui. Lincoln é um bom filme e tem seus méritos, mas também peca em muitos pontos, muitos destes não pela falta de competência dos envolvidos, mas simplesmente pela falta de ousadia, de inspiração. Sendo assim, apesar de uniforme e interessante cinematograficamente, o filme certamente não constará nos anais de grandes clássicos, o que é uma pena, tanto pela força em potencial do filme em si, quanto pela força simbólica do personagem título. Mais do que um filme de Steven Spielberg, Lincoln acabará sendo lembrado como o filme de Daniel Day-Lewis, o que infelizmente não é o suficiente para torná-lo uma obra referencial, não é mesmo?

AVALIAÇÃO
TRAILER

Mais Informações:
Bilheteria:

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Concorda com o texto? Comente abaixo! Discorda? Não perca tempo, exponha sua opinião agora!