Apelativo? Excessivamente melodramático? Forçosamente angustiante? Literalmente "dedo na ferida"? Certamente O Impossível, filme que retrata a tragédia ocasionado pelo tsunami de 2004 no continente asiático (oceano índico), encaixa-se positivamente em todas essas assertivas. Contudo, o filme - ao meu ver - nunca é gratuito, seja no retrato da ação da natureza e suas consequências óbvias, seja no drama particular dos cinco membros que formam a família Bennett. A grosso modo, arriscaria dizer que em termos de fórmula não há muita diferença entre a abordagem de O Impossível em comparação as obras-catástrofe de Roland Emmerich - à exceção do slogan "inspirado em eventos reais", que não existe nos filmes deste -, pois o cerne de acompanhar a luta pela sobrevivência a uma macrotragédia é basicamente o mesmo, entretanto, a sensibilidade e direção do espanhol J. A. Bayona (O Orfanato) dão um ganho notavelmente superior ao filme, que choca, sensibiliza e arranca lágrimas de maneira mais orgânica, urgente e sincera. Com isso não quero dizer que o filme não apela em momento algum, pois o mesmo o faz, contudo há equilíbrio na obra, que no final das contas pode ser metaforizada como uma faca de dois gumes, pois possivelmente provocará rios de lágrimas em alguns, como também ojeriza e afastamento em outros. O filme é polêmico, gerador de discussões e possivelmente não necessário (será?), mas inquestionavelmente brilhante tecnicamente.
A escolha de Bayona em optar pela escalação de atores britânicos para interpretarem as personagens originalmente espanhóis não me incomodou, até por que no filme pouco é mostrado do passado destas e seus nomes são substituídos por outros em inglês (pelo menos o "sobrenome"). Sendo assim, tanto Naomi Watts (21 Gramas) quanto Ewan McGregor (Sentidos do Amor) não apenas se encaixam com perfeição em seus respectivos papeis (interpretam marido e mulher), como também dão um ganho a mais aos mesmos, devido a suas qualidades como atores. Dito isto me causa estranhamento a indicação única de Watts ao Oscar de atriz (entre outras premiações) enquanto McGregor foi deixado de lado, pois para mim há uma perfeita simetria nas atuações de ambos e não me incomoda este posicionamento de "eclipsar" um em detrimento do outro. Porém, apesar de ambos estarem muito bem em seus respectivos papeis e funções, não senti justiça na nomeação do Oscar a primeira, talvez por não achar que a interpretação tivesse a "força" do prêmio. Enfim, o que importa destacar é que o filme ganha bastante não só devido a presença de Watts e McGregor, mas também dos garotos que interpretam seus filhos, especialmente o mais velho, construído de forma equilibrada entre controle e emoção pelo talentoso Tom Holland.
Longe dos alicerces hollywoodianos, O Impossível é um produto inteiramente "made in españa" e, por isso mesmo, já merece os mais calorosos aplausos, pois nos quesitos produção e técnica o filme é espetacular. Efeitos visuais, especiais e de som primorosos, belíssima fotografia (Óscar Faura, de Alexandria), além de uma direção muito bem cuidada a cargo do talentoso J. A. Bayona. Some-se isso ao ótimo elenco e ao roteiro, se não surpreendente, bem formatado por Sergio G. Sanchéz (inspirado na história real de María Belón) e temos aí um grande espetáculo cinematográfico, que reconta uma tragédia com um misto de sujeira e "realidade" somado a uma sensibilidade (e sensibilização) particular, o que como já dito, agradará alguns e torcerá o nariz dos demais. Todavia, apesar da estética apurada e do valor de produção agregado, alguns elementos do filme não me agradaram, como algumas tomadas excessivamente expositivas elaborados por Bayona e Faura, no que se refere à tentativa de emular arte através de composições perfeitas de corpos e paisagens devastadas (a impressão que dá é de que ambos tentaram emular o escopo de uma moldura, o que resulta mais apelativo do que o necessário). Também me incomodou bastante a obviedade da trilha sonora de Fernando Velázquez (Os Olhos de Júlia), que surge de forma excessivamente invasiva, querendo reforçar a todo custo o impacto emocional já sentido pelo espectador, gerando assim sacarose em demasia, tornando uma cena de cunho sensível num espetáculo de pesar. A grosso modo lembra a estratégia dos filmes recentes da dupla Steven Spielberg / John Williams, como o choroso Cavalo de Guerra.
Tecnicamente primoroso e essencialmente polêmico, O Impossível é um filme-catástrofe em essência, mas que enfoca muito mais no coração do que no espetáculo, o que acaba colocando-o num patamar distinto em relação aos demais títulos do gênero. Certamente não é um filme perfeito - muito devido a óbvia dificuldade de se abraçar um tema tão particular e que desperta sentimentos diversos -, especialmente por ultrapassar a linha tênue entre equilíbrio e exagero em alguns (poucos) momentos, porém resulta valoroso e presta tributo, se não as vítimas da tragédia como um todo, a família que serve de inspiração ao filme. Cinema é inspiração e transpiração e, no caso de O Impossível, o que mais permanece é o sabor de inspiração e pesar.
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