"A vida é como é, não como se deseja" (Sgt. Barnes, personagem de Tom Berenger).
Tido como um dos filmes mais contundentes acerca da Guerra do Vietnã, Platoon, de 1986, marca o encontro definitivo do cineasta Oliver Stone tanto com a crítica como com o público, alguns anos após sua consagração como roteirista (além de ser autor do roteiro de Conan, o Bárbaro, Stone ganhou um Oscar pelo script de Expresso da Meia Noite) e, de certa forma, encerra a busca pelo retrato definitivo de um conflito essencialmente contraditório à história norte-americana. Produção independente, rodada com poucos recursos financeiros, Platoon foi concebido tendo por base as próprias referências/memórias de Stone como veterano de guerra e, devido a isso, adota um estilo narrativo mais próximo ao de uma coleção de crônicas, tendo como fio condutor a exposição dos dilemas e vicissitudes do mesmo grupo de personagens.
Ao contrário de filmes como Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola, que abraça a paranoia e a loucura como elemento narrativo condutor, Nascido para Matar, de Stanley Kubrick, cujo foco reside na alienação do conflito bélico desde o processo de "construção" do soldado até sua interação com a guerra em si e Pecados de Guerra, de Brian De Palma, que abraça como temática principal os excessos cometidos pelo exército norte-americano, cujo sentido e conteúdo da ação encontra-se atrelado as deficiências do mesmo, não tendo assim relação direta para com o inimigo, mas que são externalizados através da tortura, estupro e assassinato dos civis, já que estes, aos olhos do militar são, indiscutivelmente, aliados do inimigo, Platoon é construído através de um prisma menos abstrato, optando - seja de forma proposital, seja devido ao orçamento limitado - pela crueza estético-narrativa, soando assim mais "pé no chão" e menos poético. Contudo, um elemento é compartilhado entre este filme e os demais citados: a metáfora, que surge como apoio de suma importância à mensagem triste e sofrida pretendida por Stone.
Apesar de não ter tantos recursos e de ter sido filmado com uma agenda apertadíssima, é inegável o requinte da produção, que funciona a contento até hoje, tendo como destaque o trabalho de efeitos especiais e de maquiagem, a fotografia "naturalista" (a título de curiosidade, o filme foi rodado nas Filipinas), a direção segura e, sem sombra de dúvidas, a qualidade do elenco, formado por nomes até então inexpressivos, mas que deram início a uma grande carreira a partir de então. Há pontas de gente como Johnny Depp (O Cavaleiro Solitário), Forest Whitaker (O Último Desafio), Keith David (Crash - No Limite) e Kevin Dillon (série Entourage), mas o grande trunfo do filme está no trio principal de atores, formado por Tom Berenger (A Origem), Willem Dafoe (A Última Tentação de Cristo) e Charlie Sheen (Wall Street - Poder e Cobiça).
Condensando a principal metáfora do filme, que envolve tanto a percepção da dubiedade inerente ao ser-humano, quanto a abstração da sociedade norte-americana a época, Oliver Stone constrói através das personagens de Berenger, Dafoe e Sheen, cada um destes elementos. Enquanto o Sargento Barnes (Berenger) pode ser posto como o arquétipo do mal, o soldado que só encontra-se completo quando em conflito, aquele que segue a ordem como dever e não admite questionamentos (a não ser, obviamente, que aquela acabe por prejudicá-lo sobremaneira), o Sargento Elias (Dafoe) representa o bom, o indivíduo que, apesar da situação limite, consegue perceber os exageros, as falcatruas e as inumanidades cometidas ao seu redor, adquirindo a percepção de que há muito mais do que busca por liberdade ou salvação de um povo envolvidos neste conflito em específico. Com isso, chegamos ao personagem de Sheen, Chris Taylot, espécie de meio-termo entre os dois anteriores, cujo espectro passeia por ambas as índoles e, conforme nos é apresentada a evolução (ou involução) do personagem, é perceptível que este funciona como ponto de equilíbrio entre os extremos representados pelos Sargentos Barnes e Elias. A grosso modo, Taylor canaliza o ponto de vista de Stone acerca da Guerra do Vietnã (todo o filme é narrado sob o ponto de vista do personagem de Charlie Sheen). Apesar do trio encontrar-se muito bem em seus respectivos papeis, destacaria as performances de Berenger (frio, carrancudo, beligerante, atormentado) e Dafoe (amigável, corajoso, desbravador, idealista), pois estes sustentam estes "universos" distintos de forma mais natural e convincente que Sheen, que faz um bom trabalho, mas encontra-se um degrau abaixo enquanto ator.
A rima estabelecida por Stone entre o início do filme e seu desfecho é excelente e ressoa bastante tocante, pois fecha o círculo narrativo do personagem de Charlie Sheen, mas deixa as possíveis consequências no ar, especialmente pelo apoio maciço do tema Adagio for Strings, de Samuel Barber, cuja melancolia acaba por complementar com precisão ambos os momentos. Outro elemento que fortalece esta metáfora visual é a fotografia conduzida por Robert Richardson (Django Livre), cujo misto de organicidade e poesia encaixa-se tanto à narrativa "pé no chão" de Stone, quanto com a viagem sonora transmitida pela composição de Barber. Aproveitando a deixa, destaco também a belíssima (e provocativa) composição de Richardson na sequência que culmina na morte do personagem de Willem Dafoe, cujo um dos frames foi imortalizado no poster disposto no topo da postagem.
Vencedor de quatro prêmios Oscar - melhor filme, melhor diretor (Stone), melhor som (John Wilkinson, Richard Rogers, Charles Grenzbach, Simon Kaye) e melhor edição (Claire Simpson, de Possessão) -, Platoon permanece merecidamente no rol das melhores produções acerca da Guerra do Vietnã, tendo como diferencial sua abordagem distinta, característica esta compartilhada com os filmes listados acima. Ao apresentar a guerra sob o ponto de vista de um jovem e idealista recruta e construir sua jornada de dúvidas e perdas, amadurecimento e ganhos, o filme ao mesmo tempo se afasta e se aproxima de qualquer outro já lançado, pois evoca uma visão particular de um evento notório e conhecido por todos. Lançado quase vinte anos após o encerramento da guerra, Platoon traz consigo uma aura de "desapego" que o torna único, sendo literalmente um filme sobre o conflito assinado por alguém que viveu tal experiência. Não sei se este é o melhor retrato do conflito no Vietnã, mas certamente é um dos mais completos.
AVALIAÇÃOAo contrário de filmes como Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola, que abraça a paranoia e a loucura como elemento narrativo condutor, Nascido para Matar, de Stanley Kubrick, cujo foco reside na alienação do conflito bélico desde o processo de "construção" do soldado até sua interação com a guerra em si e Pecados de Guerra, de Brian De Palma, que abraça como temática principal os excessos cometidos pelo exército norte-americano, cujo sentido e conteúdo da ação encontra-se atrelado as deficiências do mesmo, não tendo assim relação direta para com o inimigo, mas que são externalizados através da tortura, estupro e assassinato dos civis, já que estes, aos olhos do militar são, indiscutivelmente, aliados do inimigo, Platoon é construído através de um prisma menos abstrato, optando - seja de forma proposital, seja devido ao orçamento limitado - pela crueza estético-narrativa, soando assim mais "pé no chão" e menos poético. Contudo, um elemento é compartilhado entre este filme e os demais citados: a metáfora, que surge como apoio de suma importância à mensagem triste e sofrida pretendida por Stone.
Apesar de não ter tantos recursos e de ter sido filmado com uma agenda apertadíssima, é inegável o requinte da produção, que funciona a contento até hoje, tendo como destaque o trabalho de efeitos especiais e de maquiagem, a fotografia "naturalista" (a título de curiosidade, o filme foi rodado nas Filipinas), a direção segura e, sem sombra de dúvidas, a qualidade do elenco, formado por nomes até então inexpressivos, mas que deram início a uma grande carreira a partir de então. Há pontas de gente como Johnny Depp (O Cavaleiro Solitário), Forest Whitaker (O Último Desafio), Keith David (Crash - No Limite) e Kevin Dillon (série Entourage), mas o grande trunfo do filme está no trio principal de atores, formado por Tom Berenger (A Origem), Willem Dafoe (A Última Tentação de Cristo) e Charlie Sheen (Wall Street - Poder e Cobiça).
Condensando a principal metáfora do filme, que envolve tanto a percepção da dubiedade inerente ao ser-humano, quanto a abstração da sociedade norte-americana a época, Oliver Stone constrói através das personagens de Berenger, Dafoe e Sheen, cada um destes elementos. Enquanto o Sargento Barnes (Berenger) pode ser posto como o arquétipo do mal, o soldado que só encontra-se completo quando em conflito, aquele que segue a ordem como dever e não admite questionamentos (a não ser, obviamente, que aquela acabe por prejudicá-lo sobremaneira), o Sargento Elias (Dafoe) representa o bom, o indivíduo que, apesar da situação limite, consegue perceber os exageros, as falcatruas e as inumanidades cometidas ao seu redor, adquirindo a percepção de que há muito mais do que busca por liberdade ou salvação de um povo envolvidos neste conflito em específico. Com isso, chegamos ao personagem de Sheen, Chris Taylot, espécie de meio-termo entre os dois anteriores, cujo espectro passeia por ambas as índoles e, conforme nos é apresentada a evolução (ou involução) do personagem, é perceptível que este funciona como ponto de equilíbrio entre os extremos representados pelos Sargentos Barnes e Elias. A grosso modo, Taylor canaliza o ponto de vista de Stone acerca da Guerra do Vietnã (todo o filme é narrado sob o ponto de vista do personagem de Charlie Sheen). Apesar do trio encontrar-se muito bem em seus respectivos papeis, destacaria as performances de Berenger (frio, carrancudo, beligerante, atormentado) e Dafoe (amigável, corajoso, desbravador, idealista), pois estes sustentam estes "universos" distintos de forma mais natural e convincente que Sheen, que faz um bom trabalho, mas encontra-se um degrau abaixo enquanto ator.
A rima estabelecida por Stone entre o início do filme e seu desfecho é excelente e ressoa bastante tocante, pois fecha o círculo narrativo do personagem de Charlie Sheen, mas deixa as possíveis consequências no ar, especialmente pelo apoio maciço do tema Adagio for Strings, de Samuel Barber, cuja melancolia acaba por complementar com precisão ambos os momentos. Outro elemento que fortalece esta metáfora visual é a fotografia conduzida por Robert Richardson (Django Livre), cujo misto de organicidade e poesia encaixa-se tanto à narrativa "pé no chão" de Stone, quanto com a viagem sonora transmitida pela composição de Barber. Aproveitando a deixa, destaco também a belíssima (e provocativa) composição de Richardson na sequência que culmina na morte do personagem de Willem Dafoe, cujo um dos frames foi imortalizado no poster disposto no topo da postagem.
Vencedor de quatro prêmios Oscar - melhor filme, melhor diretor (Stone), melhor som (John Wilkinson, Richard Rogers, Charles Grenzbach, Simon Kaye) e melhor edição (Claire Simpson, de Possessão) -, Platoon permanece merecidamente no rol das melhores produções acerca da Guerra do Vietnã, tendo como diferencial sua abordagem distinta, característica esta compartilhada com os filmes listados acima. Ao apresentar a guerra sob o ponto de vista de um jovem e idealista recruta e construir sua jornada de dúvidas e perdas, amadurecimento e ganhos, o filme ao mesmo tempo se afasta e se aproxima de qualquer outro já lançado, pois evoca uma visão particular de um evento notório e conhecido por todos. Lançado quase vinte anos após o encerramento da guerra, Platoon traz consigo uma aura de "desapego" que o torna único, sendo literalmente um filme sobre o conflito assinado por alguém que viveu tal experiência. Não sei se este é o melhor retrato do conflito no Vietnã, mas certamente é um dos mais completos.
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