02 setembro, 2013

A Chave Mestra (The Skeleton Key, EUA, 2005).


Os anos 2000 não foram tão bons para o gênero suspense/horror, especialmente pelo advento dos remakes, especialmente dos títulos japoneses (como O Chamado e O Grito, por exemplo), que anestesiaram consideravelmente a produção de títulos originais ou adaptações inéditas para o cinema, como era regra até então. Contudo, em meio a tamanha tendência a reciclagem, surgiram naquela década alguns bons filmes, que mesmo em pequeno número reascenderam, de uma forma ou de outra, a chama da novidade neste gênero tão querido pelos cinéfilos, especialmente pelo público jovem, sempre ávido pelo sentir medo. Dito isto, afirmo com toda segurança que este A Chave Mestra, de 2005, é um dos melhores exemplares do gênero em anos, tanto pela peculiaridade de sua trama - a utilização da cultura afro-americana como trunfo do desconhecido ainda hoje é pouquíssimo usada no cinema comercial - quanto pelo apuro da produção, que conjuga com propriedade esmero estético e um bom texto.

Contando com a direção do até hoje pouco conhecido Iain Softley (Coração de Tinta) e tendo no elenco nomes como Kate Hudson (Quase Famosos), Peter Sarsgaard (Meninos Não Choram), Gena Rowlands (Diário de uma Paixão) e John Hurt (V de Vingança), o filme escrito pelo (à época) badalado Ehren Kruger (O Suspeito da Rua Arlington) desperta interesse por desenvolver com certa profundidade seu rol de personagens principais e por apresentar uma ambientação que faz sentido ao centro de discussão da história do filme, que gira em torno do simples verbo acreditar, vinculado a fé, a esperança. A partir daí, com um jogo bacana de ceticismo e mistério, apoiados tanto na cultura afro da região de Nova Orleans quanto no desgaste psicológico passado pela personagem de Hudson (uma enfermeira que perdeu o pai recentemente), a trama que mistura elementos místicos e mitos daquela região vão tomando forma, sob o viés do interlocutor externo que conhecido do olhar externo (Hudson), cujo olhar denota ceticismo e curiosidade à realidade local, inóspita, e incompreensiva, mas ao mesmo tempo convidativa, interessante. Este dualismo é, sem sombra de dúvidas, um dos grandes atrativos da obra.

Dentre os citados acima, apontaria como destaques as performances dos veteranos Gena Rowlands e John Hurt, que entram de corpo e alma em suas respectivas personagens, tendo a primeira construído uma personagem enigmática, cuja vilania nunca é exagerada, despertando até mesmo certa empatia por esta. Já Hurt se sobressai mais uma vez ao entregar um indivíduo cuja composição é quase que totalmente baseada em gestos e expressões corpo-faciais - a exemplo de seu papel em O Homem Elefante, por exemplo -, comprovando assim não apenas a capacidade interpretativa do veterano ator britânico (refém da articulação vocal), mas também seu poder de carisma, pois é inevitável não sentir compaixão pelo seu combalido personagem. Já Kate Hudson entrega uma interpretação contida, mas eficiente à proposta do filme (certamente seu papel poderia ter sido entregue a uma atriz cuja perícia dramática fosse mais apurada, como Kate Winslet, por exemplo, mas a filha de Goldie Hawn não compromete), enquanto Peter Sarsgaard surge um tanto deslocado, exagerando um pouco na caricatura, sendo talvez o ponto mais frágil deste quarteto principal.

Afora o frescor do roteiro - cuja estrutura é simples e objetiva, porém nunca menos que interessante -, destacaria alguns aspectos visuais do filme, a começar pelo bom trabalho de fotografia a cargo de Daniel Mindel (John Carter - Entre Dois Mundos), que explora bastante o estética particular de Nova Orleans, além de adequar suas lentes ao trabalho também diferenciado de John Beard (A Última Tentação de Cristo) como desenhista de produção, promovendo assim um equilíbrio bacana entre na sensação de realidade e fantasia sugerida pelo filme. Obviamente que as locações são um capítulo a parte, mas o trabalho conjunto de composição de Mindel e Beard elevaram a qualidade das imagens captadas. Outro elemento que funciona muito bem é a montagem (a cargo de Joe Hutshing, de Selvagens), primordial para que o clima de tensão crescente do filme funcione. Por último, mas não menos importante, destaco a direção precisa de Iain Softley, cineasta cujo currículo é até certo ponto discreto, mas que aqui demonstra bastante competência e pulso, orquestrando o filme de maneira tal que o conjunto sobressaia, em detrimento de sua pessoa. Contudo, vez ou outra é perceptível a mão do diretor, como nas cenas onde a câmera transpassa o "buraco" da fechadora ou o destravamento desta, cenas estas esteticamente belíssimas.

A Chave Mestra não é um filme cujo mérito se apoia nos sustos - estes são bem reduzidos -, mas sim na exploração do "mistério" que envolve a trama, apostando assim no clima e na ambientação. Dono de um desfecho até certo ponto corajoso - pelo menos vai de encontro a previsibilidade dos filmes atuais -, o longa pode ser categorizado como uma peça de entretenimento equilibrada, cujo conteúdo desperta a atenção do espectador sem exagerar na complexidade ou enfatizar reviravoltas transloucadas e sem sentido a lógica sugerida. Um dos melhores títulos originais do gênero da última década - prova de um período fraco ou mérito da produção? -, A Chave Mestra, apesar de ter feito um sucesso razoável nas bilheterias ao redor do globo, não foi bem visto pela crítica, que em geral categorizou a obra como abaixo da média. Passados oito anos de sua estreia, creio que quem não gostou à época deveria dar uma segunda chance ao filme, pois às vezes primeiras impressões nos "enfeitiçam" de tal forma que não conseguimos enxergar o produto de forma ampla e, a julgar por esta nova visita ao filme, mantenho meu ponto de vista de que este é sim um dos títulos mais coerentes e interessantes da primeira década do novo milênio.

AVALIAÇÃO
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