15 setembro, 2013

Contato (Contact, EUA, 1997).

- O que é mais provável: um Deus misericordioso criou tudo e nunca mais deu as caras ou Ele simplesmente não existe e nós O criamos para não nos sentirmos tão pequenos e sós?
- Não sei. Não me imagino vivendo em um mundo sem Deus. Eu não ia querer viver.
- Como não sabe que é ilusão? Eu preciso de provas.
- Provas? (...) Você amava o seu pai?
- Sim. Muito.
- Prove.
(Diálogo entre Ellie Halloway e  Palmer Joss, interpretados respectivamente por Jodie Foster e Matthew McConaughey).
Encantador e inteligente, Contato, versão cinematográfica do romance de Carl Segan e Ann Druyan adaptada por James V. Hart (Drácula de Bram Stoker) e Michael Goldenberg (Harry Potter e a Ordem da Fênix) e dirigida pelo oscarizado Robert Zemeckis (Forrest Gump - O Contador de Histórias, O Voo) é uma obra concisa, energética e com muito a falar, seja através de imagens irretocáveis, cujos significados externados são inúmeros, seja pelo seu texto acurado e preciso, recheado de conceitos inteligentíssimos acerca da insaciedade do ser-humano perante o descobrimento do hoje desconhecido, além de ecoar com propriedade assuntos de cunho interno, já que a subjetividade motivacional da personagem interpretada por Jodie Foster (O Silêncio dos Inocentes, Deus da Carnificina), a doutora Ellie Halloway, surge como o fio condutor das demais abstrações sugeridas pelo filme.

A interação entre fé e ciência é um dos maiores trunfos da trama proposta por Sagan em seu romance e no primeiro rascunho de roteiro para o que viria a se tornar Contato, o filme. Nunca almejando esvaziar as teorias e dogmas de qualquer uma destas manifestações humanas, Sagan e Druyan, aliados a V. Hart e Goldenberg, materializam na obra, de forma bastante acessível - mas nunca simplória -, algumas das principais angústias do humanidade: a busca pela razão da existência, a resposta para o sentido da vida, a descoberta de que nós não estamos sozinhos. Tais abstrações não teriam o mesmo impacto se não fosse o poder do texto de V. Hart e Goldenberg, mas também se a seleção de elenco não tivesse alocado alguns dos maiores nomes do cinema à época. Sendo assim, não é por acaso que temos como âncora da obra a vencedora do Oscar Jodie Foster, coração e impulso do filme, que magnetiza o espectador com sua personagem guerreira, decidida e visionário, mas também repleta de fragilidades e dúvidas, especialmente pelos traumas carregados após o falecimento de seu pai, interpretado por David Morse (Guerra Mundial Z), quando esta ainda era criança.

Há uma série de informações e eventos que fortalecem as características de Halloway (algumas foram pinceladas acima), mas estas devem ser saboreados como um todo, portanto, sugiro que preste bastante atenção à construção da personagem quando assistir ao filme. Certamente Halloway representa a dúvida inerente à humanidade quanto a existência de algo além-Terra, pois pensa e articula como cientista, mas carrega algumas bagagens impossíveis de serem confirmados cientificamente, abstrações e particularidades que poderiam ser facilmente categorizadas como fé ou crença. A própria esperança carregada pela cientista extrapola os limites da racionalidade, confirmando assim a complexidade existencial da personagem, que de certa forma é uma representação idealizada do próprio Carl Sagan.

Todavia, a título de esclarecimento, a possível fé carregada pela personagem de Foster não é (nem pode ser) traduzida em cultos, em fórmulas feitas, em instituições ou dogmas humano-religiosos, mas sim na pura abstração da fé (seja lá o que isto signifique, pois tal estado é puramente subjetivo, inerente apenas a personagem, tendo significados e significantes que envolvem apenas a ela mesma), na confirmação (pelo menos é isto o que o roteiro do filme sugere) da assertiva "eu quero acreditar", que é transposta por Zemeckis da forma mais pura e sensitiva já vista: através da expressão de um olhar. Certamente, um par de olhos não transmitiu tanto sentimento quanto os de Foster no clímax revelador do filme.

Saindo um pouco do espectro conceitual do filme, é justo enfatizar a qualidade estética do filme. Pouco reconhecido como um cineasta de mão cheia - apesar de possuir em seu currículo sucessos incontestes tais como a trilogia De Volta para o Futuro, o surpreendente Uma Cilada para Roger Rabbit, o vencedor do Oscar Forrest Gump - O Contador de Histórias e o corajoso Náufrago - (eclipsado, talvez, pelos amigos mais "marqueteiros", como Steven Spielberg e George Lucas), Robert Zemeckis constrói em Contato uma de suas melhores obras como diretor, pois acrescenta ao roteiro brilhante camadas de significados e muita poesia visual, através da composição de algumas sequências de tirar o fôlego, que perpassam toda a metragem do filme, indo desde detalhada sequência de abertura - cujos significados perpassam não apenas a imagem, mas também ao som - até o emblemático plano-sequência que foca a corrida da jovem Ellie (quando criança, interpretada com propriedade pela jovem Jena Malone) em busca da salvação de seu pai, que é elaborado de forma a acompanharmos a ação através do reflexo da personagem no espelho.

O "achado" da personagem, quando encontra (em parte) suas respostas, também surpreende, inclusive pelo ótimo uso dos efeitos digitais (a título de curiosidade, a então iniciante WETA, de Peter Jackson, criou alguns dos efeitos do filme) e até mesmo o posicionamento desta ao lado das gigantescas antenas do complexo alugado pelo SETI (Search for Extraterrestrial Intelligence) no estado do Novo México, que a tornam essencialmente mais uma das antenas que captam os sons dos corpos celestes e galáxias longínquas, tanto pelo desenho e posicionamento do seu chapéu lembrar as tais antenas, como (principalmente) pela grande sensibilidade da personagem, que passa horas a fio escutando com cuidado toda a captação - sonora ou não - através de um par de headphones. Certamente estas foram as sequências que mais chamaram a atenção, todavia o trabalho de Zemeckis durante toda a projeção é brilhante, seja através do uso de câmeras em gruas, que vão lentamente ao encontro das personagens, seja pela exploração equilibrada dos planos abertos cujo foco resida na natureza, no espaço, nas instalações do Novo México, na máquina criada com o intuito de fazer contato extraterreno ou na exploração dos efeitos visuais digitais, mostram-se narrativamente impecáveis, comprovando assim a qualidade técnica do diretor.

Além do brilho de Foster (e da jovem Malone), outros nomes ajudam a carregar o filme, no sentido de materializar o texto de forma crível, de certa forma transformando "sonho" em "realidade". Temos no filme gente do naipe de James Woods (Videodrome - A Síndrome do Vídeo), Angela Basset (Invasão a Casa Branca), Tom Skerritt (Alien, o 8º Passageiro) e John Hurt (A Chave Mestra, V de Vingança), que surgem bem em seus respectivos papéis, mas quem acaba por se destacar mesmo é o então novato Matthew McConaughey (Tempo de Matar, Killer Joe - Assassino de Aluguel), que interpreta aqui não apenas o interesse romântico da personagem de Jodie Foster, mas também seu oposto no que se refere a percepção existencial, visto que este é um ex-celibatário e consultor religioso. Por fim, destacaria a curta, porém precisa participação de David Morse, que constrói com delicadeza e competência a principal referência de vida da jovem Ellie Halloway.

Possuidor de uma trama deveras interessante, cujos questionamentos permanecem válidos até hoje, bem construído e dono de um elenco de primeira, além de contar com um diretor no auge de sua carreira e com os melhores técnicos disponíveis à época, Contato é um daquelas Ignorar avisoraras obras de entretenimento que não almejam fazer concessões para que seu público entenda cada detalhe do objeto em debate, mas também não torna o enredo fajuto, boçal ou entediante, tendo um raro senso de equilíbrio entre o espetáculo visual e a construção (talvez, no caso desta obra, o mais acertado seria desconstrução) de ideias. Certamente uma das grandes ficções-científicas da história do cinema, Contato não é nem de longe um dos filmes mais lembrados das carreiras de Robert Zemeckis e Jode Foster (só para destacar os dois maiores nomes envolvidos no filme), porém, reconhecimento midiático a parte, é um de seus trabalhos mais contundentes e sinceros. Em suma, um espetáculo de ideias, que não se fecham em si mesmo.

Obs.: Apesar de tocante, em alguns momentos a trilha sonora composta por Alan Silvestri me incomodou um pouco, pois seus temas ficaram muito parecidos com os desenvolvidos para a trilha de Forrest Gump - O Contador de Histórias, também de sua autoria, especialmente nas partes onde o piano sobressai.

Obs 2.: O desfecho/revelação ao final do filme, relacionado as 18 horas de gravação, não me  deixou com a impressão de "concessão" por parte dos envolvidos, sendo assim, não me decepcionou, pois acredito eu que não retirou a ambiguidade da mensagem, acerca da busca interior externalizada da personagem de Jodie Foster ter sido ou não verdadeira. No final das contas, crente ou não, é tudo uma questão de fé.

AVALIAÇÃO
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