01 junho, 2013

Revelação (What Lies Beneath, EUA, 2000).

"Ele era o marido perfeito, até que seu único erro o seguiu até sua casa" (Livre tradução do texto disposto no cartaz oficial do filme).
É muito bacana assistir a filmes dirigidos por Robert Zemeckis (Forrest Gump - O Contador de Histórias), pois a maneira com que o cineasta conduz e movimenta a câmera, escolhe os planos e define o escopo visual de seus filmes beira ao brilhantismo e ao mesmo tempo em que chama a atenção ao apresentado em cena, nunca deixa de ser elegante e cumprir a finalidade narrativa. Dito isso, chega a ser "brochante" o resultado final deste Revelação (What Lies Beneath, no original, O que as mentiras escondem, em tradução literal), visto que a construção de seu roteiro - a cargo da dupla Sarah Kernochan (9 1/2 Semanas de Amor) e Clarg Gregg (mais conhecido por seu trabalho como ator) -, apesar de utilizar bem elementos como tensão e "surpresas", revela-se como uma verdadeira colcha de retalhos ao atirar em vários lados, sem convencer efetivamente em nenhum deles. Suspense psicológico? Drama de relacionamento? Thriller de horror? Horror sobrenatural? Revelação tem um pouco de cada um e é justamente aí que a estrutura cede e o filme passa de promissor e competente à exagerado e inexplicável.

O filme começa bem, pois constrói uma dinâmica legal entre o casal interpretado por Michelle Pfeiffer (Sombras da Noite) e Harrison Ford (Busca Frenética), onde a primeira começa a apresentar certos traços de esquizofrenia ao "desconfiar" que seu vizinho cometeu um crime de homicídio contra a esposa, enquanto o personagem de Ford encontra-se um tanto distante da esposa, devido as responsabilidades junto ao seu trabalho como pesquisador. Tanto a trama quanto o clima da produção até então possuem o potencial de despertar o interesse ao espectador, pois foca bastante na sugestão e na construção da psiché dessas duas personagens - a de Pfeiffer em maior grau -, tendo a direção acurada de Zemeckis - o acompanhamento que o cineasta e o diretor de fotografia Don Burgess fazem das personagens, através de leves deslocamentos no posicionamento da câmera - e a trilha intimista a cargo de Alan Silvestri (Os Vingadores) como suportes essenciais para a eficácia plena do filme. Entretanto, pouco a pouco a trama do filme vai sendo preenchida por elementos de cunho sobrenatural que, de certa forma, descaracterizam a "ideia" apresentada até então. Certamente não existem regras que proíbam um filme de mudar sua abordagem inicial, até por que a surpresa ainda é um dos grandes baratos ao se assistir a uma obra cinematográfica. No entanto, a lógica e inteligência devem prevalecer nesses momentos de total ruptura, pois é fácil desperdiçar uma ótima ideia quando esta não se apresenta plenamente conectada ao apresentado anteriormente. Infelizmente, com a inferência desenfreada de "espiritismo" ao filme a coisa começa a degringolar e, ao retomar o tom de mistério e tom psicológico do início do filme em sua meia hora final, a mistura é tão grande que a coerência do filme praticamente desaparece.

O corre-corre do filme, o não aprofundamento na relação entre as personagens de Ford, Pfeiffer e a tal "aparição", a falta de "veracidade" entre os ataques de paranoia e pânico da personagem de Pfeiffer e o descaso do personagem de Ford - no caso do segundo, há uma tentativa de explicar esta condição no desfecho do filme, que acaba não ajudando muito -, além da relação mística do filme nunca ser explorada de forma acreditável, visto que os buracos são imensos neste quesito da trama (por que o "contato" do espírito vingativo não foi estabelecido diretamente com seu alvo? Como funciona a regra de "possessão" do filme?) e o desfecho, apesar de funcionar no sentido climático - a construção é feita de forma a gerar tensão e agonia -, não tem lógica, pois o possível caráter de "realidade" do filme é jogado fora em detrimento das perseguições inacabáveis, da aparente imortalidade de um personagem e da conveniência da "aparição" vingativa, que salva ou ajuda determinados personagens quando dá na telha, funcionando assim como uma muleta narrativa na mão dos roteiristas.

Apesar do filme literalmente ir despencando ladeira a baixo conforme vai desenvolvendo suas múltiplas tramas e do mesmo ser esticado de forma excessiva - por que diabos este casamento de Ecos do Além, O Sexto-Sentido e thrillers genéricos do Super-Cine tem cerca de 130 minutos de duração? -, é inegável que em diversos momentos a técnica de Zemeckis e cia., aliada ao interesse despertado pelos personagens centrais, fazem com que o interesse ao acompanhamento do filme - apesar dos remendos óbvios e do enchimento de linguiça - perdure, interesse este que reputo ao trio Zemeckis, Pfeiffer e Ford (pois até mesmo Silvestri perde a mão na última hora de projeção). É certo que Revelação não tinha por objetivo ser uma obra inteligentíssima ou inovadora, mas a expectativa quanto a mesma era a de um entretenimento possivelmente previsível, dono de um clima envolvente, mas não confuso e apelativo como acaba se sagrando em seu desfecho. Além do mais, estamos discutindo aqui um filme assinado por um cara de renome, vencedor do Oscar, co-criador de uma das maiores trilogias da história do cinema, precursor de técnicas de animação e efeitos visuais, diretor de uma das obras de ficção-científica mais cultuadas pelos aficionados por ufologia e assuntos espaciais etc., portanto, a expectativa era um tanto alta e, infelizmente, não foi alcançada em grande parte (o engraçado é que, no mesmo ano de lançamento deste Revelação, o diretor lançou o agradabilíssimo Náufrago, estrelado por Tom Hanks). 

Mais válido pela técnica e pelas interpretações de Harrison Ford e Michelle Pfeiffer do que pela trama e/ou história em si, Revelação não chega a ser uma bomba ou desperdício de tempo, mas certamente não é um grande filme, pois apesar de cumprir bem seu papel de atiçar o público e deixá-lo curioso com o que acontece (e acontecerá) em tela, a falta de coerência e lógica (lembrando que há lógica até mesmo no fantasioso, basta que nos convença, pouco importa se por mentiras ou verdades), além do excesso de plots e reviravoltas apresentados no roteiro, acabam por tirar um tanto do brilho da técnica primorosa e da condução sempre eficiente de Robert Zemeckis, que no âmbito de direção, à exceção da escolha equivocada de roteiro (ou dos roteiristas), peca apenas pela falta de tato na montagem do filme, que poderia ter pelo menos mais fluidez se encerrado uns vinte minutos antes (sem a sequência final, que mais parece uma imitação sem tanto brilho do desfecho do filme Cabo do Medo, de Martin Scorsese). Indico o filme para os entusiastas de cinema, que gostam de reparar nos detalhes que envolvem a produção cinematográfica, da sugestão de sensações à construção de personagens. Já quem procura apenas o ator de se entreter, recomendo os outros thrillers citados aqui e que aparentemente inspiraram a linguagem de Revelação (Ecos do Além, O Sexto Sentido, Cabo do Medo) ou até mesmo o superior Náufrago.

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