"Quando você perdoa, você ama e quando você ama a luz de Deus brilha em você" (conselho de Ron Franz, personagem de Hal Holbrook a Supertramp, personagem de Emile Hirsch).
Eis um filme que, plot a parte, fala muito e de forma diversa, sendo compreendido ou sentido por cada espectador de forma particular, referenciando idiossincrasias ou externando pensamentos que até então eram mantidos adormecidos, muitos destes desconhecidos ao novo portador. Baseado em eventos reais (e no livro do jornalista Jon Krakauer), Na Natureza Selvagem, do ator-diretor-roteirista (aqui apenas na segunda e terceira funções) Sean Penn (Caça aos Gângsteres), é uma poesia estético-visual apurada, cujo enredo empírico-filosófico diz muito acerca do anseio mais íntimo do ser-humano, comprimido entre tantos mecanismos de podamento social: a liberdade.
Filme desencontrado de jornada - mesmo que, a grosso modo, a lugar nenhum -, a breve aventura de Alexander Supertramp (ou Christopher McCandless) - aqui composto de forma soberba pelo jovem Emile Hirsch (Killer Joe - Matador de Aluguel) - é contagiante e curiosa do início ao fim, não só pelo tom de "loucura" e "inaceitabilidade" que a mesma desperta num primeiro momento (o rompimento, mesmo que em parte, com os mecanismos condicionantes da sociedade não é algo fácil de ser assimilado), mas pela sugestão de força e coragem que esta inspira, dando margem a um sentimento catártico cuja explicação não ecoa em palavras, mas na subjetividade de cada um. Não existe um manual ou lei que indique como apreciar uma obra, mas é notório que, para que aja conexão - leia-se: desapego as estruturas viciadas da corrida e concorrida vida e rotina do século XXI - com esta, é necessário um mínimo de sensibilidade por parte do espectador. Acredito eu que o ser humano é, apesar de algumas características em contrário, um ser dotado de grande sensibilidade, portanto, um grande passo já está arraigado ao espectador que ousa desbravar os mares existenciais deste filme.
Ao meu ver, dentre os vários posicionamentos apresentados pelo filme/vida de Alexander Supertramp, a lição mais grandiosa reside numa palavra simples, óbvia e muitas vezes mal empregada: coragem. Aceitando ou não, indo totalmente de acordo ou não, invejando ou não, sentindo orgulho ou não, depreciando ou não, é inegável que o ato de rompimento social por parte do jovem - motivações pessoas à parte, até por que o "despertar" à jornada não interessa aqui, mas sim o percurso e, consequentemente, a lição aprendida (pelo menos por nós, espectadores) - representa uma ação que é desejada por cada um de nós, seres-humanos em parte realizados com nossa agremiação social, em parte desesperados por uma mudança abrupta em nossas jornadas, em nossas existências. Para mim a coragem é o cerne do filme, que não necessariamente a atrela a acertos ou recompensas, muito pelo contrário, pois, apesar destas terem destaque nele, as "pauladas" advindas da dor, da perda, dos erros e dos enganos continuam a existir, em tão ou em maior que grau que antes do início do romper.
Os encontros e desencontros, a busca pela autorrealização, o afastamento dos comandos ditados não só pelo consumismo, mas também pela viciante imposição social de sucesso, bons costumes, constituição familiar, acúmulo material, desejos incabíveis etc., são muito bem representados por Penn através das passagens do personagem de Hirsch por pontos diversos (geográficos e culturais) dos Estados Unidos, durante a jornada deste rumo ao Alasca, seu objetivo-estanque. O personagem de Hirsch encontra tipos diversos - Catherine Keener (Um Crime Americano), William Hurt (A Vila), Marcia Gay Harden (Medidas Desesperadas), Hal Holbrook (Lincoln), Vince Vaughn (Penetras Bons de Bico), Kristen Stewart (Na Estrada) são alguns destes - e, de forma inversa, acaba por ajudar/guiar cada um destes enquanto segue em retidão ao seu suposto destino: transcender ao se conectar a natureza em seu estado mais adverso, bruto, rico, logo, natural.
Antes de tudo há de se abstrair em Na Natureza Selvagem pois, técnica à parte - sim, o filme é muito bem realizado, sua fotografia é de que cair o queixo (Eric Gautier) e sua trilha sonora (Michael Brook, Kaki King, Canned Head) e canções (Eddie Vedder) são, indubitavelmente, personagens protagonistas ao lado do próprio Supertramp -, a força-motriz dele encontra-se na transcendência, na projeção do "e se", no afastamento dos dogmas, das certezas, da segurança, do comodismo e do julgamento, na perspectiva de se entender o rompimento, de se compreender que há sim coragem no ato de se desprender das amarras "invisíveis" e partir rumo ao descobrimento próprio, ao encontro com o Criador ou simplesmente à uma catarse íntimo e pessoal. Um filme belo e inspirador, cuja beleza e inspiração não pode ser, assim como seu maior inspirador, apontada ou definida. Cada um sente e percebe o filme de uma maneira e, bem ou mal, transcendem e viajam junto ao notório Supertramp, por estradas e mares nunca antes explorados, mas ao mesmo tempo sempre presentes em nossas trajetórias. Uma complexidade simples de se abstrair, através de pequenos e tocantes momentos entre o jovem e o mundo (personagens) ao seu entorno.
Obs.: O filme "sufoca" ainda mais quando apreciado em alta-resolução.
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