"No Vietnã o vento não sopra, é uma merda" (Livre tradução da frase disposta no poster).
Um dos filmes de guerra mais cultuados de todos os tempos, Nascido para Matar, de Stanley Kubrick (Laranja Mecânica), pode ser considerado como uma das melhores metáforas acerca da guerra do Vietnã já feitas. Dono de uma estrutura narrativa cujo foco reside no estudo de personagem, perpassando pela transformação física e psicológica do soldado combatente, abraçando as falácias e retórica presentes nos conflito bélico, além de tratar a situação numa forma híbrida entre o realismo e o cômico, o filme é possuidor de linguagem única, onde a ligação subjetiva supera o didatismo.
Jovem clássico, para muitos Nascido para Matar pecou simplesmente pelo "atraso" em seu lançamento, visto que filmes outros como O Franco Atirador, de Michael Cimino e Platoon, de Oliver Stone, além de Rambo: Programado para Matar, de Ted Kotcheff, estrearam antes e foram muito bem sucedidos (os dois primeiros em premiações, enquanto o último em bilheteria), provocando uma espécie de "resfriamento" do tema guerra no Vietnã. Particularmente não concordo com a assertiva, especialmente no sentido artístico, pois há de se reconhecer que não há esgotamento de tema ou assunto quando a abordagem abraça a criatividade e busca caminhos que perpassem pela originalidade, como é o caso deste trabalho de Kubrick, que realmente não obteve um grande respaldo comercial, nem colecionou prêmios - a exemplo de outro bom título a abordar o conflito vietnamita pouco reconhecido à época: Pecados de Guerra, de Brian De Palma -, mas perpassou o teste do tempo e hoje encontra-se no rol dos grandes títulos do cinema como um todo.
Um aspecto importante à construção de Nascido para Matar encontra-se na decoupagem do seu roteiro. Tendo a ajuda de Michael Herr e de Gustav Hasford (autor do romance homônimo cujo filme adapta), Kubrick formata a trama do filme como uma espécie de coleção de crônicas, sequências que interagem uma a outra, mas que não transitam necessariamente como imediatamente próximas. Podendo ser divido em dois grandes atos, cujos focos são o treinamento de uma companhia de fuzileiros e parte de sua estadia em território vietnamita, o grande barato da película encontra-se nos diálogos vivos e inusitados ditos pelas personagens e na aula de fotografia ministrada por Douglas Milsome (Robin Hood - O Príncipe dos Ladrões) e Kubrick, cujo aspecto passeia tanto pelo estilizado quanto pela significação do real, trabalhando os ângulos e cores como complemento aos sentimentos e sensações passadas pelas personagens em cena. Certamente um trabalho de mestre.
Formado praticamente por um - à época - elenco desconhecido, nomes como Matthew Modine (E a Vida Continua), Vincent D'Onofrio (Homens de Preto) e R. Lee Ermey (O Massacre da Serra Elétrica) acabaram consagrados por seus respectivos papeis, visto que suas performances casaram perfeitamente as "pretensões" de Stanley Kubrick, especialmente os dois últimos, pelo peso dramático das atitudes de seus respetivos personagens, somado a surpresa de suas performances como um todo, já que o filme marca a estreia de ambos como atores. Há outras tantas figuras que se destacam conforme o filme vai sendo desenvolvido, mas certamente nenhuma tão marcante quanto as representadas pelo trio destacado.
Detalhes como som, trilha sonora - a cargo da filha do diretor, Vivian Kubrick - e desenho de produção (Anton Furst, de Batman) também se sobressaem, ajudando assim a sedimentar o sentimento de loucura e desespero abraçado pelo filme. Nascido para Matar é, indiscutivelmente, o retrato das consequências da "aventura" no Vietnã pelos auspícios de Stanley Kubrick, cujo olhar não cansa de destacar a brutalização do homem como instrumento de serviço à guerra, a ignorância e patriotismo cego, o desapego à vida alheia e a animalização do outro, visto que homem é apenas aquele cuja língua, cor, cultura e etnia pertence ao combatente. Lembrando uma espécie de casamento entre a ironia e contundência de Robert Altman com a experimentação e estudo de personagem de Francis Ford Coppola, a abordagem de Kubrick perpassa o próprio conflito - como bem destaca um dos entrevistados para o making of do filme, na edição nacional em blu-ray - e funciona como uma espécie de oráculo, visto que encaixa-se quase que a perfeição a qualquer um dos conflitos bélicos contemporâneos, como os recentes passados no Afeganistão e Iraque.
AVALIAÇÃO
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