"Você pode apagar alguém da sua mente. Tirá-la do seu coração é outra história" (Livre tradução da frase disposta no poster promocional do filme).
Uma obra pode tratar de um tema conhecido, até mesmo comum, mas nem por isso deixará de trazer novidade, de reciclar o tema através de uma linguagem distinta, da utilização de um elemento outro que conduza o conhecido por um viés desconhecido, proporcionando assim uma viagem de rotina cujo caráter principal seja rico de frescor. E, para tratar de um tema tão universal como o amor, por que não trazer como condutor desta jornada um nome tão desconectado ao gênero romance como o de Jim Carrey (Número 23)? Por que não adicionar pequenos elementos de ficção-científica (máquina que "deleta" memórias das pessoas) em torno de uma trama de amor? Por que não inverter a lógica da montagem, brincando com figuras de linguagem, em especial a metáfora, transformando assim a obviedade numa poesia estético-filosófica, cuja complexidade reside na simplicidade de sua premissa: homem deprimido decide apagar as memórias de seu relacionamento com ex-namorada pois descobre que esta também o apagara de sua vida. É partir deste broto que o fruto do filme se desenvolve, acoplando aí diversos outros elementos que, relacionados ou não de forma direta ao relacionamento do ex-casal, constroem a ambientação deste filme simbólico e corajoso, que discute acerca do relacionamento entre um homem e uma mulher de maneira emblemática.
Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, filme dirigido pelo francês Michel Gondry (Rebobine, Por Favor) e escrito por Charlie Kaufman (Adaptação), Pierre Bismuth e pelo próprio Gondry, é muito bem sucedido ao apelar para o estranhamento, ao retirar o espectador do lugar comum quando inverte - literalmente - a ordem dos eventos que preenchem um relacionamento, brincando a todo momento com as vidas das personagens que circulam pelo universo do filme, costurando assim uma história deveras improvável, mas cujo cerne é tão interessante que o óbvio apelo fantástico da obra fica em segundo plano, pois cada frame do filme passa a ser mais do que acreditável, pois adquire o status de realidade (mesmo que realidade cinematográfica). O filme também guarda elementos de cunho terapêutico, já que tem como um de seus objetos de estudo a dinâmica do relacionamento, com seus arranjos e desarranjos, seus acordos e desacordos, seus encontros e desencontros, enfim, a imprevisibilidade dos sentimentos como condutores de qualquer relacionamento é alvo do filme, somado a complexidade de se administrar um relacionamento.
O casting do filme é um dos grandes atrativos, pois além dos excelentes Jim Carrey e Kate Winslet (Titanic) - que formam o casal Joel e Clementine e compõem aqui personagens riquíssimos e interessantes, grandes responsáveis pela materialização do roteiro - temos as presenças de Tom Wilkinson (O Cavaleiro Solitário), Kirsten Dunst (Na Estrada), Mark Ruffalo (Os Vingadores) e Elijah Wood (trilogia O Senhor dos Anéis) em papeis secundários, mas de grande importância à trama. Não só seus personagens são bons, como também os intérpretes, sendo este elenco, ao lado do roteiro "pirado", o maior atrativo do filme. Contudo, dentre estes Carrey e Winslet sobressaem. Esta, camaleônica como sempre, desenvolve uma persona distinta de qualquer papel já abraçado pela mesma, dando vida e unidade a uma personagem completamente deslocada (no sentido de perdida, sem rumo), mas nunca desinteressante. Quanto a Carrey, apesar deste já ter apresentado seu viés dramático em títulos como O Show de Truman, constrói aqui talvez seu personagem mais complexo, pois praticamente não se agarra as muletas da comicidade, dando tamanha dimensão e profundidade a seu personagem que é fácil se perguntar se é realmente Jim Carrey que estamos vendo em tela.
Saindo um pouco do lado criativo, é necessário parabenizar o trabalho de direção de Michel Gondry, que utiliza com requinte a iluminação, os enquadramentos de câmera e a montagem, trabalhando-os como elementos que servem a narrativa, mas que não deixam de, vez ou outra, chamarem a atenção para si, especialmente nos momentos, digamos assim, mais surtados do longa. Há em Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças a inserção de muitos elementos oníricos e certa confusão - proposital - entre sonho e realidade e é a partir destes elementos que Gondry, ao lado de sua diretora de fotografia (Ellen Kuras, de Profissão de Risco), vai costurando o quebra-cabeças que é o filme, até por que muito dele é baseado nos fragmentos das lembranças divididas pelos personagens Joel e Clementine. Gondry vai construindo a estética do filme no limite entre a discrição e o exagero, dando a este uma cara toda especial.
Cultuado tanto pelos entusiastas da sétima arte quanto pelos apreciadores de filmes de amor ou até mesmo de admiradores de manifestações artísticas com um quê moderno, Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças é ao mesmo tempo um tocante drama de amor, cujo aparato estético reforça o conceito da obra como um todo, como também pode ser visto como um exercício estético cujo conteúdo recheado de metáforas admite significados e significantes distintos a cada espectador, dependendo assim da percepção particular de cada um. Seja o filme interpretado de uma forma ou de outra, certo mesmo é que esta experiência audiovisual metafórica construída por Gondry, Kaufman, Bismuth e, indiscutivelmente, por Carrey e Winslet, é uma obra artística distinta e única, que se apropria de temas absolutamente corriqueiros e universais e os transpõem sob um contexto distinto, procurando provocar sensações e obrigando aqueles que a assistem que abstraiam até o último frame projetado. Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças é, mais do que tudo, uma viagem audiovisual única.
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Bilheteria:
Muito massa, Téo! Curto muito esse filme.
ResponderExcluirSua análise foi muito boa, escrita com uma estrutura e linguagem bem bacanas!
Parabéns!
Fico feliz que tenha gostado tanto do filme quanto do texto, Elton. Obrigado pelos elogios e o convido para que interaja sempre aqui. Abraços.
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