À exceção de alguns filmes de Ingmar Bergman, o cinema praticado na Escandinávia não faz parte do meu rol de conhecimento, especialmente os títulos da Dinamarca, país origem deste que é, certamente, um dos grandes filmes do ano, considerado por muitos a maior obra do diretor Thomas Vinterberg (nome este que também devo uma visita). Apesar deste A Caça ser minha estreia tanto no cinema dinamarquês quanto na filmografia de Vinterberg, tal início não poderia ter se dado com uma obra melhor. Fascinante tanto no âmbito estético quanto no conteúdo de seu objeto de estudo - nada menos que o olhar de parte da sociedade para um nebuloso abuso de uma menor de idade -, esta obra ímpar consegue chocar sem perder a sensibilidade e escancarar vícios de comportamento tão presentes nos nossos círculos sociais, sem necessariamente apontar dedos para o certo ou o errado. Não há solução em vista no filme comandado por Vinterberg, apenas o registro de um problema tão íntimo ao ser humano, mas quase nunca admitido.
Liderado pelo excepcional Mads Mikkelsen (007 - Cassino Royale, série Hannibal), que desenvolve um personagem altamente complexo, de maneira requintada e orgânica, fazendo com que sentimentos como pena e simpatia sejam manifestados por nós, espectadores, de maneira automática, sem censo ou vergonha. Mikkelsen nos faz enxergar desespero e agonia e a nós cabe apenas compadecer a esta situação inexplicável moralmente, mas muito mais comum do que nossa alienada opinião pública permite. Não seria um erro afirmar que, sem Mikkelsen, talvez o poder de atração do filme e, consequentemente, da discussão plantada, não causaria o mesmo efeito. Sendo assim, é justo dizer que esta é uma obra de peso comandada não apenas por Vinterberg, mas também por Mikkelsen.
É certo que A Caça, assim como o país em que foi filmado, é um filme frio, de emoção controlada, mas isso não quer dizer que não seja uma obra emotiva. Drama daqueles de deixar o coração aflito, de questionar a respeito da coerência do conceito moderno de justiça e, ainda mais, da apropriação do termo para fins outros, que não dar a voz tanto ao acusador quanto ao acusado. A questão do sentenciamento moral é um dos principais elementos que perpassa a crítica do filme e nele, obviamente, ecoam temas como hipocrisia, tendenciosidade, preconceito e até mesmo caráter deturpado, o que é mais do que comum em qualquer sociedade posta nowadays, aquela que prefere à forma ao conteúdo.
A condução de Vinterberg é primorosa, dando espaço para que conheçamos tanto o personagem de Mikkelsen, o simpático Lucas, como também parte dos membros da comunidade que o cercam, especialmente o casal de amigos Theo (Thomas Bo Larsen) e Anne Louise Hassen e sua filhinha, Clara (Annika Wedderkopp, incrível) - elemento primordial a discussão proposta pelo roteiro de Vinterberg e Tobias Lindholm (Submarino) - e, assim, as discussões narrativas propostas pela obra. Nem o desfecho do longa consegue se afastar da contundência apresentada durante toda a projeção, oferecendo assim uma meia absolvição ao réu, que é absolvido no campo legal, mas cujas cicatrizes não procuradas pelo mesmo continuarão a mostra ad eternum, já que os olhos acusadores da moral encontrar-se-ão sempre abertos para não só julgá-lo, como também puni-lo.
É óbvio que Vinterberg não trabalha sozinho e, dentre os grandes trabalhos desenvolvidos no e para o filme, destacaria a composição fotográfuca hipnótica de Charlotte Bruus Christensen (Submarino), que relaciona muito bem as imagens da natureza àquelas que enfocam a comunidade, especialmente a escola onde Lucas trabalha e a evolução da tragédia vivida pelo personagem através de closes que escancaram sua dor e aflição. O som (a cargo de Kristian Eidnes Andersen e equipe) e a trilha sonora (Nicolaj Egelund) também merecem nota, pois ajudam a sedimentar o sentimento de angústia e deslocamento pretendidos pelo roteiro.
A Caça é um filme acachapante, que não faz concessões e, quando presta julgamento, o faz de maneira tão clara que não causa desconforto ao espectador - no sentido de manipulá-lo descaradamente a conclusão pretendida -, mas sim desperta o sentimento de reflexão, onde cada um terá a oportunidade de contextualizar o caso apresentado de acordo com seus valores ético-morais, com sua filosofia de vida, com sua maturidade e conceito de justiça. O filme de Thomas Vinterberg é cinema de primeira grandeza e desde já meu favorito ao Oscar de melhor filme estrangeiro (mesmo não tendo visto grande parte de seus possíveis concorrentes). Fico aqui na torcida para que acabe por galgar indicações outras, como ator para Mads Mikkelsen (vencedor do prêmio em Cannes) e, por que não, direção para Vinterberg. Se ano passado tivemos o francês Amor como o azarão estrangeiro em meio aos grandes do cinemão norte-americano, por que não sonhar com o encaixe desse filmaço oriundo da Dinamarca?
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