"O melhor filme americano em Cannes" (Robert Koehler, revista Variety).
O título nacional Amor Bandido é apenas
50% adequado, já que o amor é o elemento condutor das tramas que permeiam a
mais recente obra do ainda não tão conhecido cineasta Jeff Nichols (OAbrigo), mas cujo talento e criatividade mostram-se aqui mais uma vez inegáveis.
Palavras abstrata e de forte caráter simbólico, o amor tem em si muitos
significantes, que são traduzidos em muitos e muitos mais (ignorando essa
relação, o título nacional soa risível). No caso da obra de Nichols, o amor
abraçado não envolve romance ou declarações delicadas, mas sim a contínua
resignificação do mesmo, com suas múltiplas nuances, camadas, desdobramentos. O
fato do filme ser, em essência, narrado do ponto de vista de dois garotos - os
ótimos Tye Sheridan (A Árvore da Vida) e Jacob Lofland -
reforça o caráter filosófico do filme, que em essência conta uma história
comum, sem grandes mistérios, mas que traz no fundo uma baita lição de vida.
Originalmente o longa se chama Mud (algo
como lama ou limo) e, apesar do nome batizar o protagonista interpretado por Matthew
McConaughey (Contato), seu propósito
perpassa isso, pois serve também como símbolo do filme como um todo, visto que
em sua definição facilmente pode-se relacionar ideias como umidade,
transparência, elemento disforme e adaptativo etc. Há todo um caráter
existencialista permeando a trama do filme, através do desfile de personagens
imperfeitos, porém cativantes em suas respectivas buscas, que perpassam desde a
mudança à manutenção de suas próprias realidades.
Cada um daqueles que formam o plantel de
personagens do filme possuem uma razão de existir dentro do escopo narrativo
apresentado, tendo estes importâncias distintas à trama, mas sem nunca soar
desconexos à proposta apresentada. Se a construção de personagens por si só já
garantiriam o interesse do espectador ao filme, com um elenco afiadíssimo a
coisa é materializada de maneira irretocável. Sendo assim, nomes como Sam
Shepard (Os Eleitos), Michael Shannon (O Homem de Aço),
Sarah Paulson (série American Horror Story), Ray McKinnon
(Um Sonho Possível), Paul Sparks (série Boardwalk Empire)
e até mesmo a insossa Reese Witherspoon (Johnny & June)
ajudam a sedimentar o magnetismo do texto escrito e pintado por Nichols.
A sinopse do filme basicamente diz o segunte:
dois garotos encontram um homem foragido e resolvem ajudá-lo em seus planos de
reencontrar o grande amor de sua vida, que se envolveu com o homem errado.
Posto isso, possivelmente a primeira impressão seria a de que o filme seria um
drama levinho ou um romance açucarado, coisa que passa longe do apresentado por
Jeff Nichols. Apesar de não se tratar de um filme extremamente complexo,
Mud (destaco que, ao meu ver, Amor Bandido é um título pra lá de duvidoso) trabalha temas complexos
de forma objetiva e sem apelar para a verborragia, pois uma coisa é certa,
Nichols tem um baita domínio de linguagem cinematográfica, utilizando bastante
o imagético para a construção (ou desconstrução) de significados por parte do
espectador. Não é necessário dizer arma, um simples enquadramento de câmera já
nos passa essa informação.
Um dos pontos mais incríveis do filme está na
conexão formada entre Matthew McConaughey e os garotos Tye Sheridan
e Jacob Lofland, cujo sentimento de amizade regada a curiosidade e
deslumbramento não deixa de convencer em momento algum. Há pelo menos três anos
McConaughey vem entregando ótimas performances em cima de ótimas performances,
todavia, com a construção do misterioso, carismático e, por que não,
intimidativo Mud, o ator consegue se superar, ou no mínimo igualar esta
performance a de outros trabalhos seus em filmes como Killer Joe -Matador de Aluguel e Magic Mike, por exemplo. Não me espantaria caso
McConaughey recebesse uma indicação ao Oscar por sua atuação, muito pelo
contrário, pois torceria para que o mesmo levasse a estatueta à casa.
Obviamente que as performances de Sheridan e Lofland surpreendem bastante, até
por serem relativamente iniciantes no meio cinematográfico (o segundo é
literalmente um calouro), mas dentre elas destacaria a do primeiro, muito devido
a maior aproximação de seu personagem a Mud.
A fotografia do filme é um dos pontos-chave para
a plena imersão à história narrada por Nichols. Logo, cabe aqui destacar o
trabalho realizado por Adam Stone, parceiro habitual de Nichols, que
expande o conceito desenvolvido pelo diretor através de enquadramentos
deslumbrantes da natureza pantanosa do sul estadunidense, utilizando flare de
forma orgânica, lembrando bastante o estilo adotado nos filmes mais recentes de
Terrence Mallick. A montagem do filme - a cargo de Julie Monroe,
de Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme) também serve ao filme, assim
como a trilha musical assinada por David Wingo (Prince Avalanche),
que surge de maneira sutil com a finalidade de complementar a experiência
despertada pela imagem posta.
Há muito o que se sentir, debater e ressignificar
ao conferir Mud (Amor Bandido), pois por trás da jornada de
amadurecimento posta e da busca pelo entendimento do amor como mecanismo
aglutinador de vontades e desejos, há todo um cabedal de temas que circundam as
enigmáticas personas que passeiam pela tela, todas estas ligadas, de uma forma
ou de outra, ao enigmático e indecifrável Mud. Com um pé no lúcido e outro na
realidade (no sentido de verossimilhança com a dita vida real), o filme
elaborado e conduzido pelo promissor Jeff Nichols consegue ser tanto
profundo quanto agradável, sem nunca cair na armadilha do pedantismo ou da
elucubração excessiva, tendo a máxima "apesar do amor, a vida
continua" como o ponto de início e de chegada de toda a aventura abraçada
pela obra. Com um poder de sedução tamanho (e apesar de oscilar um pouco, por deslizar na coerência narrativa apresentada até então durante alguns momentos de sua resolução), Mud é sem sombra de dúvidas um
dos melhores filmes do ano.
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