12 dezembro, 2013

Amor Bandido (Mud, EUA, 2012).

"O melhor filme americano em Cannes" (Robert Koehler, revista Variety).

O título nacional Amor Bandido é apenas 50% adequado, já que o amor é o elemento condutor das tramas que permeiam a mais recente obra do ainda não tão conhecido cineasta Jeff Nichols (OAbrigo), mas cujo talento e criatividade mostram-se aqui mais uma vez inegáveis. Palavras abstrata e de forte caráter simbólico, o amor tem em si muitos significantes, que são traduzidos em muitos e muitos mais (ignorando essa relação, o título nacional soa risível). No caso da obra de Nichols, o amor abraçado não envolve romance ou declarações delicadas, mas sim a contínua resignificação do mesmo, com suas múltiplas nuances, camadas, desdobramentos. O fato do filme ser, em essência, narrado do ponto de vista de dois garotos - os ótimos Tye Sheridan (A Árvore da Vida) e Jacob Lofland - reforça o caráter filosófico do filme, que em essência conta uma história comum, sem grandes mistérios, mas que traz no fundo uma baita lição de vida.

Originalmente o longa se chama Mud (algo como lama ou limo) e, apesar do nome batizar o protagonista interpretado por Matthew McConaughey (Contato), seu propósito perpassa isso, pois serve também como símbolo do filme como um todo, visto que em sua definição facilmente pode-se relacionar ideias como umidade, transparência, elemento disforme e adaptativo etc. Há todo um caráter existencialista permeando a trama do filme, através do desfile de personagens imperfeitos, porém cativantes em suas respectivas buscas, que perpassam desde a mudança à manutenção de suas próprias realidades. 

Cada um daqueles que formam o plantel de personagens do filme possuem uma razão de existir dentro do escopo narrativo apresentado, tendo estes importâncias distintas à trama, mas sem nunca soar desconexos à proposta apresentada. Se a construção de personagens por si só já garantiriam o interesse do espectador ao filme, com um elenco afiadíssimo a coisa é materializada de maneira irretocável. Sendo assim, nomes como Sam Shepard (Os Eleitos), Michael Shannon (O Homem de Aço), Sarah Paulson (série American Horror Story), Ray McKinnon (Um Sonho Possível), Paul Sparks (série Boardwalk Empire) e até mesmo a insossa Reese Witherspoon (Johnny & June) ajudam a sedimentar o magnetismo do texto escrito e pintado por Nichols.

A sinopse do filme basicamente diz o segunte: dois garotos encontram um homem foragido e resolvem ajudá-lo em seus planos de reencontrar o grande amor de sua vida, que se envolveu com o homem errado. Posto isso, possivelmente a primeira impressão seria a de que o filme seria um drama levinho ou um romance açucarado, coisa que passa longe do apresentado por Jeff Nichols. Apesar de não se tratar de um filme extremamente complexo, Mud (destaco que, ao meu ver, Amor Bandido é um título pra lá de duvidoso) trabalha temas complexos de forma objetiva e sem apelar para a verborragia, pois uma coisa é certa, Nichols tem um baita domínio de linguagem cinematográfica, utilizando bastante o imagético para a construção (ou desconstrução) de significados por parte do espectador. Não é necessário dizer arma, um simples enquadramento de câmera já nos passa essa informação.

Um dos pontos mais incríveis do filme está na conexão formada entre Matthew McConaughey e os garotos Tye Sheridan e Jacob Lofland, cujo sentimento de amizade regada a curiosidade e deslumbramento não deixa de convencer em momento algum. Há pelo menos três anos McConaughey vem entregando ótimas performances em cima de ótimas performances, todavia, com a construção do misterioso, carismático e, por que não, intimidativo Mud, o ator consegue se superar, ou no mínimo igualar esta performance a de outros trabalhos seus em filmes como Killer Joe -Matador de Aluguel e Magic Mike, por exemplo. Não me espantaria caso McConaughey recebesse uma indicação ao Oscar por sua atuação, muito pelo contrário, pois torceria para que o mesmo levasse a estatueta à casa. Obviamente que as performances de Sheridan e Lofland surpreendem bastante, até por serem relativamente iniciantes no meio cinematográfico (o segundo é literalmente um calouro), mas dentre elas destacaria a do primeiro, muito devido a maior aproximação de seu personagem a Mud.

A fotografia do filme é um dos pontos-chave para a plena imersão à história narrada por Nichols. Logo, cabe aqui destacar o trabalho realizado por Adam Stone, parceiro habitual de Nichols, que expande o conceito desenvolvido pelo diretor através de enquadramentos deslumbrantes da natureza pantanosa do sul estadunidense, utilizando flare de forma orgânica, lembrando bastante o estilo adotado nos filmes mais recentes de Terrence Mallick. A montagem do filme - a cargo de Julie Monroe, de Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme) também serve ao filme, assim como a trilha musical assinada por David Wingo (Prince Avalanche), que surge de maneira sutil com a finalidade de complementar a experiência despertada pela imagem posta.

Há muito o que se sentir, debater e ressignificar ao conferir Mud (Amor Bandido), pois por trás da jornada de amadurecimento posta e da busca pelo entendimento do amor como mecanismo aglutinador de vontades e desejos, há todo um cabedal de temas que circundam as enigmáticas personas que passeiam pela tela, todas estas ligadas, de uma forma ou de outra, ao enigmático e indecifrável Mud. Com um pé no lúcido e outro na realidade (no sentido de verossimilhança com a dita vida real), o filme elaborado e conduzido pelo promissor Jeff Nichols consegue ser tanto profundo quanto agradável, sem nunca cair na armadilha do pedantismo ou da elucubração excessiva, tendo a máxima "apesar do amor, a vida continua" como o ponto de início e de chegada de toda a aventura abraçada pela obra. Com um poder de sedução tamanho (e apesar de oscilar um pouco, por deslizar na coerência narrativa apresentada até então durante alguns momentos de sua resolução), Mud é sem sombra de dúvidas um dos melhores filmes do ano.


AVALIAÇÃO
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