04 março, 2014

Blue Jasmine (EUA, 2013).


Woody Allen é Woody Allen e, mesmo quando pouco inspirado, consegue trazer pelo menos um punhado de ideias transmutadas na forma de diálogos que soam interessantes e perspicazes. Mais conhecido por suas comédias, apesar de ter se debruçado com absoluta qualidade em dramas e filmes de cunho mais experimental, nos últimos dez anos Allen vem se destacando mais por seus trabalhos de cunho dramático do que por suas comédias de costumes, tanto que seus últimos trabalhos lembrados por festivais e pelo indefectível Oscar foram Match Point, de 2004, Vicky Cristina Barcelona, de 2009, Meia-Noite em Paris, de 2011 e este Blue Jasmine, lançado ano passado. Nenhuma destas obras têm a comédia como base motriz - o que mais carrega humor é Vicky Cristina Barcelona -, o que confirma que, na fase atual de sua extensa (e valiosa) carreira, o drama encontra-se com mais vigor do que as linhas cômicas.

A crise financeira iniciada em 2008 é o pano de fundo para a história de Jeannette/Jasmine (Cate Blanchett, vencedora do Oscar pelo papel), ex-dondoca da alta roda social nova-iorquina que amarga não apenas a perda das posses abastadas e do status social, como também encontra-se divorciada (o esposo, vivido por Alec Baldwin, acabou cometendo suicídio após ter sua prisão decretada por sonegação e otras cocitas más) e morando com sua irmã adotiva (Sally Hawkings, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante pelo papel) no subúrbio de São Francisco. É claro que a adaptação de Jasmine mostrar-se-á sofrida, não apenas pela conjuntural cultural e social completamente distinta da qual esta encontrava-se acostumada, mas também pelo seu status hipocondríaco, vício em destilados e surtos psicológicos. Allen estabelece aqui um belo estudo de personagem, além de discutir, mesmo que de forma superficial, algumas particularidades entre classes sociais e realidade culturais tão distintas.

Como todo filme escrito e dirigido por Woody Allen, o grande barato encontra-se na soma das situações inusitadas e dos diálogos distintos bolados pelo cineasta com a qualidade e desempenho de seu elenco (aspecto este que nem sempre se encaixa com as pretensões artísticas do diretor) e Blue Jasmine honra muito bem esta comunhão, especialmente na questão do elenco, formado por rostos conhecidos e outros nem tanto, mas todos (ou quase todos) muito bem dispostos em seus respectivos papéis. Afora Blanchett e Hawkings, destacam-se Bobby Cannavale (série Boardwalk Empire), cuja interpretação/personagem foi bastante comparada a do jovem Marlon Brando em Sindicato de Ladrões, especialmente quanto aos trejeitos utilizados por Cannavale, Louis C. K. (Trapaça) e Michael Stuhlbarg (A Invenção de Hugo Cabret), além de Peter Sarsgaard (O Suspeito) e do canastrão gente boa Alec Baldwin (Rock of Ages), reciclando seu papel de galinha mor. Em geral, a caracterização do elenco funciona como o pulmão da obra de Allen, pois materializa as características (manias, manifestações culturais, capacidade intelectual etc.) pretendidas pelo texto de forma a dar maior verossimilhança, tornado o filme mais orgânico e menos teatral que outras obras do cineasta nova-iorquino.

Em Blue Jasmine é mantido o jeito Woody Allen de filmar, apesar de contar aqui com o fotógrafo Javier Aguirresabore (mais conhecido por seus trabalhos com o espanhol Pedro Almodóvar) e com um diretor de arte estreante em filmes de Allen, Michael Goldman (Além da Escuridão: Star Trek), o que comprova que o cineasta, apesar da idade avançada, ainda possui uma identidade visual definida e ativa. Tanto a cidade de São Francisco quanto Manhattan são bem captadas pela equipe, mas talvez pelo caráter mais "pesado" do filme há bem menos contemplação por aqui, especialmente em comparação as duas últimas obras de Allen, Meia-Noite em Paris e Para Roma Com Amor.

Contando com uma performance muito forte de Cate Blanchett (sua composição e entrega mostraram-se fantásticas) e com uma trama simples, porém bem construída, Blue Jasmine pode ser considerado como mais um dos grandes trabalhos de Woody Allen, talvez não alcançando o altar dos clássicos, mas bem posicionado entre os bons filmes do cineasta. Com uma média de um filme lançado por ano fica difícil manter o nível de qualidade inabalável, mas é sabido que o diretor produz mais trabalhos com alta qualidade do que sem, assertiva esta mais do que confirmada por Blue Jasmine. Allen lançou dez filmes nos últimos dez anos, destes pelo menos cinco (Jasmine inclusa) podem ser considerados como trabalhos de alto nível, fora as demais que mostram-se, com raras exceções, minimamente interessantes, uma marca surpreendente para produções autorais criadas e realizadas com intervalos tão curtos entre si e por um senhor que hoje conta com quase 80 anos de idade.

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