12 maio, 2013

A Vida de David Gale (The Life of David Gale, EUA/ALE/ING, 2003).


"Uma vida sem princípios não é uma vida em sua completude" (Livre tradução da frase disposta no poster promocional do filme).

As vezes o posicionamento político de um filme o salva do lugar comum, todavia, algumas vezes este acaba por sepultar uma boa ideia ou uma discussão pertinente. E, infelizmente, A Vida de David Gale, do veterano Alan Parker (Pink Floyd - The Wall), encaixa-se nesta última categoria. Contando com um bom elenco, onde destacam-se destacar Kevin Spacey (Se7en, os Sete Crimes Capitais), Kate Winslet (Deus da Carnificina), Laura Linney (O Show de Truman) e Gabriel Mann (A Identidade Bourne), possuidor de um clima e uma premissa inicial interessantes, que mistura com competência o senso de suspense a uma trama que alude à questão da pena de morte em alguns estados dos Estados Unidos da América (a bem verdade, o recorte feito é no estado do Texas, cenário do filme). Contudo, o que até metade do filme parecia uma crítica ferrenha contra esta prática acaba se revelando um baita de um embuste, pois acaba por distorcer não apenas o discurso empregado durante todo o filme até então, como também o faz de forma implausível, resultando não apenas num atrito ideológico, como também no possível afastamento do espectador à trama, pois o efeito negativo da virada do filme possivelmente o tirará do filme.

Sendo assim, A Vida de David Gale é, literalmente, formado por duas partes bastante distintas, não congruentes entre si. Quando destaco este corte não me refiro apenas à questão do conteúdo da obra, mas também a abordagem narrativa do mesmo, que também muda. Obviamente que desde o início o tom de suspense prevalecia, contudo, de forma pontual, tendo por finalidade apenas climatizar o espectador, deixá-lo inserido em um ambiente de insegurança e de dúvidas. Entretanto, nos quarenta minutos finais - leia-se: arco de resolução da trama - Alan Parker investe em uma pegada de thriller que não surte um bom efeito, pois se apresenta falso e principalmente sem sentido com o que vinha sendo desenvolvido até então. É muita correria, música alta, ânsia de chega mas não chega, caras e bocas, revelações "bombásticas", enfim, tudo menos a sobriedade e pensamento crítico de outrora. 

Em resumo, de filme reflexivo e contundente, A Vida de David Gale passa a ser um suspense genérico, mais preocupado em apresentar surpresas e reviravoltas (com ou sem sentido, o filme parece não dar a mínima) do que em afunilar a teoria apresentada, deixando os questionamentos e resoluções nos campos ético e moral a cargo do espectador. Com a faca e o queijo no mão, Parker tinha tudo para entregar um filme excepcional, a exemplo de títulos anteriores do diretor britânico, que também carregavam no cerne questionamentos políticos e sociais, como O Expresso da Meia-Noite e Mississípi em Chamas, porém ele e o roteirista Charles Randolph (Amor e Outras Drogas) escorregam na resolução, apostando em uma conspiração implausível, que não apenas descaracteriza todo o movimento contra a pena de morte, como também destrói, moralmente e como efeito de mártir, a dupla de personagens de Spacey e Linney e o importantíssimo movimento social do qual estes faziam parte.

Obviamente o filme não é um completo desastre - apesar do seu desfecho "queimar" a obra drasticamente -, pois traz a tona um debate interessante (embora a filosofia apresentada pela obra seja, no mínimo, eticamente falha), tem bom ritmo, boas atuações e é filmado com competência, contudo, sua resolução é trôpega, não por ser nebulosa, mas por tomar um partido que não se adéqua ao proposto de início. Há uma inversão de conceitos. O que o filme defende é a pena de morte ou a extinção da mesma? A sociedade daquela região norte-americana é alienada ao ponto de ratificar a pena de morte como solução e necessidade ou há coerência neste pensamento? Os "heróis" do filme na verdade não passam de "bandidos" ou, na verdade, são "vilões mocinhos"? Esta ruptura à coerência narrativa do filme até então não convence, surgindo mais como um artifício para "chocar" o telespectador do que como desfecho orgânico aos acontecimentos apresentados de forma prévia. Em síntese, A Vida de David Gale não é um filme ruim, mas tinha um potencial gigantesco que é autossabotado pela falsa necessidade de uma virada "imprevisível" na trama (a bem verdade, são duas viradas) e pelas incongruências de suas ideias. Parafraseando Paulo Ricardo, "é muita informação e pouco conteúdo". Ao meu ver, Alan Parker perdeu a mão neste filme - não à toa o diretor não filme outro longa-metragem desde então - e, para aqueles que apreciam obras de conjuntura político-discursiva, sugiro que assistam aos filmes O Expresso da Meia-Noite e Mississípi em Chamas, obras estes com muita mais pungência e coerência que este A Vida de David Gale.

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