Cineasta bastante polêmico, o pernambucano Cláudio Assis (Amarelo Manga) é daqueles que se ama ou se odeia. Seus filmes (este é apenas o terceiro) são carregados de nudez, palavrões e bastante "realidade", tanto que Assis sempre referencia o neorrealismo italiano como uma de suas principais influências narrativas. Seus trabalhos anteriores não tinham papas na língua, sendo assim Febre do Rato também caminha pela mesma estilística. Contudo, apesar da proximidade, de certa forma com este filme Assis flerta com outras propostas artísticas, especialmente a poesia, o que ocasiona em um maior contorno subjetivo à obra. Protagonizado por um poeta anarquista - o personagem Zizo, interpretado pelo excelente Irandhir Santos - e tendo como cenário uma Recife bicromática, mas extremamente rica em significados.
A missão de definir o filme Febre do Rato é hercúlea e possivelmente não fará jus aos objetivos pretendidos pelo filme, que procura provocar sensações e não narrar uma história de forma objetiva. Brincando com extremos, transformando o caos em ordem e a ordem em caos, Cláudio Assis e cia. realizam aqui uma obra requintada, menos intelectual e pomposa do que aparentara ser, mas em compensação muito mais simbólica e poética, tendo na comunhão de sua imagem e som seu maior destaque. Quer proposta mais cinematográfica que esta?
Como uma experiência sensorial tipicamente audiovisual, não seria injusto apontar a fotografia, o som e a trilha sonora como os maiores destaques da obra. Walter Carvalho (Raul - O Início, o Fim e o Meio) mais uma vez dispõe de todo o seu talento e olhar diferenciado para compor a fotografia em branco e preto de Febre do Rato, que acaba conferindo ainda mais vida as paisagens "inóspitas" da periferia do Recife, além de destacar com brilhantismo as atuações do elenco, especialmente suas expressões faciais. A luz emanada pela película é sublime, em um trabalho que lembra bastante o realizado anteriormente por Carvalho na cinebiografia Heleno, de José Henrique Fonseca, mas que aqui ganha contornos ainda mais dramáticos, possivelmente pelo flerte com a poesia que Febre do Rato carrega. O que falar das tomadas em ploungé que ressignificam a poesia do filme ao propor um olhar divino perante aquele carnaval de conflitos que é o homem? Profundo, sem pedantismo ou informações mastigadas.
A sonorização do filme (William Lopes, Miriam Biderman e Ricardo Chuí), aliada a trilha sonora composta por Jorge Du Peixe (Amarelo Manga), complementa de forma competentíssima o visual do filme, inclusive caracterizando cada uma das personagens apresentadas de forma única. O som diegético também é disposto de forma inteligente, porém a mixagem de som ainda continua a ser o ponto fraco das produções nacionais, especialmente nas falas das personagens, visto que em alguns momento chega a ser difícil entender o que estas estão falando. No mais, um ótimo trabalho de toda a equipe de efeitos sonoros.
É sabido que aqueles que manifestam a "coragem" de trabalhar com Cláudio Assis deixam o pudor e o receio em casa, pois a nudez - não gratuita, pelo menos neste filme - é pré-requisito nas obras do cineasta pernambucano e serve a narrativa. Sendo assim, o elenco como um todo está de parabéns pela organicidade emanada, especialmente nas cenas de grande exposição. Contudo, apesar da unidade do elenco, não há como não destacar a performance visceral e desapegada de Irandhir Santos, que praticamente entra dentro da personagem e não a larga de forma alguma durante os cerca de 100 minutos de projeção do filme, tamanha a distinção entre este personagem e os demais de sua filmografia. Santos mostra-se crível desde o seu primeiro frame como um poeta anárquico do subúrbio, defensor da "liberdade da vida" e crítico da "prisão artística e social" vivida pelo Brasil hoje em dia (metáfora direta passada por Assis e o roteirista Hilton Lacerda, de Capitães de Areia). O filme pode ser dominado por Santos, mas Nanda Costa (Sonhos Roubados) - grande surpresa - e Matheus Nachtergaele (Narradores de Javé) também estão muito bem.
Vencedor de vários prêmios nacionais ano passado e eleito como um dos melhores filmes brasileiros de 2012, Febre do Rato não é um filme feito para todo tipo de público, não pelo seu conteúdo ou cenas "fortes", mas sim pela sensibilidade e mensagem apregoadas pelo filme serem altamente subjetivas, sugeridas e pouco mastigadas, o que pode provocar uma sensação de "do que se trata mesmo o filme?" no espectador menos preparado/conectado à proposta anárquico-poética do longa. Cláudio Assis comprova aqui que é um dos grandes nomes do cinema autoral brasileiro, que não teme em seguir o caminho da arte própria, em detrimento do que o público quer ou não ver e ouvir. Polêmico e ousado como seu filme, Assis nunca deixou de autorreferenciar-se em suas obras e nesta poesia anárquica em branco e preto não seria diferente.
A missão de definir o filme Febre do Rato é hercúlea e possivelmente não fará jus aos objetivos pretendidos pelo filme, que procura provocar sensações e não narrar uma história de forma objetiva. Brincando com extremos, transformando o caos em ordem e a ordem em caos, Cláudio Assis e cia. realizam aqui uma obra requintada, menos intelectual e pomposa do que aparentara ser, mas em compensação muito mais simbólica e poética, tendo na comunhão de sua imagem e som seu maior destaque. Quer proposta mais cinematográfica que esta?
Como uma experiência sensorial tipicamente audiovisual, não seria injusto apontar a fotografia, o som e a trilha sonora como os maiores destaques da obra. Walter Carvalho (Raul - O Início, o Fim e o Meio) mais uma vez dispõe de todo o seu talento e olhar diferenciado para compor a fotografia em branco e preto de Febre do Rato, que acaba conferindo ainda mais vida as paisagens "inóspitas" da periferia do Recife, além de destacar com brilhantismo as atuações do elenco, especialmente suas expressões faciais. A luz emanada pela película é sublime, em um trabalho que lembra bastante o realizado anteriormente por Carvalho na cinebiografia Heleno, de José Henrique Fonseca, mas que aqui ganha contornos ainda mais dramáticos, possivelmente pelo flerte com a poesia que Febre do Rato carrega. O que falar das tomadas em ploungé que ressignificam a poesia do filme ao propor um olhar divino perante aquele carnaval de conflitos que é o homem? Profundo, sem pedantismo ou informações mastigadas.
A sonorização do filme (William Lopes, Miriam Biderman e Ricardo Chuí), aliada a trilha sonora composta por Jorge Du Peixe (Amarelo Manga), complementa de forma competentíssima o visual do filme, inclusive caracterizando cada uma das personagens apresentadas de forma única. O som diegético também é disposto de forma inteligente, porém a mixagem de som ainda continua a ser o ponto fraco das produções nacionais, especialmente nas falas das personagens, visto que em alguns momento chega a ser difícil entender o que estas estão falando. No mais, um ótimo trabalho de toda a equipe de efeitos sonoros.
É sabido que aqueles que manifestam a "coragem" de trabalhar com Cláudio Assis deixam o pudor e o receio em casa, pois a nudez - não gratuita, pelo menos neste filme - é pré-requisito nas obras do cineasta pernambucano e serve a narrativa. Sendo assim, o elenco como um todo está de parabéns pela organicidade emanada, especialmente nas cenas de grande exposição. Contudo, apesar da unidade do elenco, não há como não destacar a performance visceral e desapegada de Irandhir Santos, que praticamente entra dentro da personagem e não a larga de forma alguma durante os cerca de 100 minutos de projeção do filme, tamanha a distinção entre este personagem e os demais de sua filmografia. Santos mostra-se crível desde o seu primeiro frame como um poeta anárquico do subúrbio, defensor da "liberdade da vida" e crítico da "prisão artística e social" vivida pelo Brasil hoje em dia (metáfora direta passada por Assis e o roteirista Hilton Lacerda, de Capitães de Areia). O filme pode ser dominado por Santos, mas Nanda Costa (Sonhos Roubados) - grande surpresa - e Matheus Nachtergaele (Narradores de Javé) também estão muito bem.
Vencedor de vários prêmios nacionais ano passado e eleito como um dos melhores filmes brasileiros de 2012, Febre do Rato não é um filme feito para todo tipo de público, não pelo seu conteúdo ou cenas "fortes", mas sim pela sensibilidade e mensagem apregoadas pelo filme serem altamente subjetivas, sugeridas e pouco mastigadas, o que pode provocar uma sensação de "do que se trata mesmo o filme?" no espectador menos preparado/conectado à proposta anárquico-poética do longa. Cláudio Assis comprova aqui que é um dos grandes nomes do cinema autoral brasileiro, que não teme em seguir o caminho da arte própria, em detrimento do que o público quer ou não ver e ouvir. Polêmico e ousado como seu filme, Assis nunca deixou de autorreferenciar-se em suas obras e nesta poesia anárquica em branco e preto não seria diferente.
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