"Argo fuck yourself!" (Jargão comumente declamado pelos personagens de Alan Arkin, John Goodman e Ben Affleck).
Muito se falou que o filme O Espião Que Sabia Demais resgatava o estilo dos grandes filmes da década de 1970, mas ao ver ver quem promove um resgate maior é Argo, thiller político dirigido e estrelado pelo hoje badalado Ben Affleck (Medo da Verdade). Inspirado em eventos reais, o filme retrata um período de alta tensão da história mundial - Guerra Fria a todo vapor - e resgata uma missão secretíssima capitaneada pela CIA que é inacreditavelmente cinematográfica. Focado na esquematização do plano que prevê a retirada de seis cidadãos norte-americanos perseguidos por populares iranianos revoltosos quanto à atuação intervencionista dos americanos no local (novidade!) da embaixada canadense local, o grande barato do filme está tanto na imprevisibilidade quanto a eficácia do plano proposto pelo agente Tony Mendez (Affleck) quanto na tensão provocada pelo mesmo, especialmente com o clima de loucura e eferverscência política daquele momento.
O elenco, aliado à excepcional caracterização de época (maquiagem, direção arte e desenho de produção etc.), certamente é o grande destaque do filme, ao lado da direção segura e inspirada de Ben Affleck. Apesar de não ser dos mais expressivos, este até que realiza um bom trabalho como o agente condutor da operação Argo, alternando bem a frieza e precisão que um agente necessita, com certo olhar de angústia e temor, que é expresso de forma sutil (quem diria) pelo ator. Contudo, são os coadjuvantes que chamam mais atenção, como os personagens de John Goodman (O Voo) e Alan Arkin (Pequena Miss Sunshine), este último agraciado com uma indicação ao Oscar de ator coadjuvante pelo papel. Ambos contribuem com um misto de alívio cômico (não forçado) e paixão ao desenvolvimento do filme, em seus papeis de grandes figuras da Hollywood do final da década de 1970. O elenco principal é completado por Bryan Cranston (O Vingador do Futuro), que está bem no filme, mas seu personagem não exige tanto do ator (uma pena, pois é sabido que o mesmo cresce em papeis mais complexos).
Apesar de terem pouco tempo de tela, os atores e atrizes que compõem o núcleo dos "resgatados" também estão muito bem caracterizados, em grande parte pelo ótimo trabalho da equipe de maquiagem, que os compõem com um visual setentista sem pudor algum, dos cabelos aos mustaches (além, obviamente, do vestuário). Não que algum deles se sobressaia tecnicamente, mas apontaria Scoot McNairy (O Homem da Máfia) como aquele dono do papel mais emblemático, especialmente no que se refere à jornada e evolução do personagem.
Afora o enredo muito bem montado por Chris Terrio (Por Conta do Destino), que foi inspirado tanto no livro The Master of Disguise, escrito pelo verdadeiro Anthony J. Mendez (aka Tony Mendez), quanto no artigo jornalístico The Great Escape, assinado por Joshuah Bearman e acabou por ser indicado a diversas premiações (incluindo aí os sempre ambicionados Globo de Ouro e Oscar), destacaria também o estilo de filmagem abraçado por Ben Affleck, que não só emula a pegada dos thrillers da década de 1970, como imprime toda uma contextualização política ao filme que não atribui um status de inocência aos Estados Unidos como ente político, muito pelo contrário, o estabelece desde os primeiros minutos de projeção como um cúmplice do ocorrido, o que é no mínimo um ato corajoso por parte de Affleck. No aspecto técnico, o jovem diretor também surpreende pela decoupagem minimalista, a opção por tons de cores e enquadramentos que lembram bastante os filmes de Sidney Lumet e Sidney Pollack na década de 1970 - méritos também do diretor de fotografia Rodrigo Prieto (Babel) -, além da precisão do ritmo do filme, que alterna momentos de pura tensão - como a abetura e o encerramento, por exemplo - com outros de clima mais leve ou debate de cunho político. É surpreendente o quão Affleck vem amadurecendo e comprovando seu talento como cineasta.
Espécie de encontro entre os filmes setentistas como Três Dias do Condor (Sidney Pollack) e Todos os Homens do Presidente (Alan J. Pakula) com o recente Munique, de Steven Spielberg, Argo é disparado um dos melhores filmes de 2012 - caso tivesse visto ano passado, certamente teria entrado em minha lista -, dentre vários fatores pelo fato de comprovar que ainda há como se investir em obras de entretenimento com bom conteúdo, que não desprestigiem o espectador. Um filme para as massas não necessariamente deve ser um filme obtuso e Argo dá vida a esta tese, de forma praticamente irrepreensível. Dos nove filmes indicados ao Oscar de melhor filme só pude conferir (até então) três deles - Django Livre, Os Miseráveis e, agora, Argo - e não seria justo apontar um deles como preferido com tão pouco conhecimento à respeito dos demais. Contudo, caso a cerimônia chegue e apenas estes continuem em minha rede de memória, torcerei pela vitória de Argo (que abocanhou o Globo de Ouro na categoria), mesmo com todo o auê e teórico favoritismo que os especialistas apontam para Lincoln, de Spielberg. A julgar pelas informações dispostas a cada um dos indicados, a disputa está acirrada (o que é excelente), mas minha torcida fica por Argo. And the Oscar goes to...
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Pois é, já vi os 10 e vejo o seguinte: a tônica da premiação é o que eu chamo de resgate da "americanidade" já que os três mais badalados (Lincoln, Zero Dark Thirty e Argo) são filmes de caráter político onde os EUA representam o lado dos mocinhos (novidade).
ResponderExcluirLincoln e Zero Dark Thirty tem na atuação de seus protagonistas - Daniel Day-Lewis e Jessica Chastain, respectivamente - os seus grandes destaques, além da ótima atuação do "coadjuvante" Tommy Lee Jones em Lincoln.
Classifiquei Argo como um ótimo filme para se assitir no Super Cine mas, um pouco aquém de uma premiação no Oscar, se pensarmos nos filmes já venceram em outras edições. Quanto aos outros, Silver Linings Playbook é uma comédia romântica normal, que traz uma atuação funcional de seus protagonistas, Bradley Cooper e Jennifer Lawrence, mas é na atuação do mestre Robert De Niro que o filme se sobressai.
Beasts of Southern Wild seria talvez um filme que merecesse mais atenção devido a simplicidade de roteiro e de desenvolvimento da trama. Les Miserables pode ser simplificado em uma palavra: musical. Fica difícil para você querer levar o filme a sério quando os personagens interagem entre si cantando.
Vindo da Europa, Amour é pesado no seu desenvolvimento e chama a atenção pela questão social e dramática da sua trama.
Deixo para o final meus dois destaques, Life of Pi com uma história linda, com roteiro e efeitos ali, fechadinhos, mostrando que nem toda história "fantástica" precisa ser mamão-com-açúcar e para mim, o grande filme dessa premiação: Django Unchained.
Filmaço, com história, atuação e fechamento perfeitos, bem amarrados e, não fosse o preconceito que ainda recai sobre os filmes de Quentin Tarantino (não sei se justificáveis), poderia sim desbancar os favoritos.
Para finalizar, mais duas coisinhas: a atuação de Joaquinn Phoenix em The Master é tão boa (ou superior) a de Day-Lewis, fazendo com que este mereça a estatueta de melhor ator mais do que o vencedor do Globo de Ouro de melhor ator, e com pouco esforço, The Master poderia superar algum dos nove indicados para melhor filme.
O mesmo acontece com o filme Moonrise Kingdom de Wes Anderson, que tranquilamente ocuparia o lugar de Silver Linings Playbook na lista de indicados.
Ótima exposição, Rodrigo. Meu interesse por conferir os demais indicados (além dos não indicados) só cresceu. Realmente temos que relativizar os filmes, até por que estes tem propostas, conceitos e intenções completamente distintas, o que acaba tornando a escolha DO melhor extremamente complicada (e injusta, na maioria das vezes).
ExcluirMuito bem citado os preteridos "O Mestre" e "Moonrise Kingdom" (por sinal, um dos melhores filmes que vi ano passado). Como disse no texto referente à "Argo", vi pouquíssimos filmes que concorrem a categoria principal do Oscar (exatamente 1/3), então fica dificílimo medir. Você, pelo contrário, acompanhou todos, daí o juízo de valor (e aposta subjetiva) torna-se infinitamente mais concreto que o meu.
Reconheço "Django Livre" como (mais) um filme excelente de Tarantino, mas curiosamente 'convencional', em contraponto a "Argo", que parecia convencional e mostrou-se bastante distinto aos meus olhos, além de ter me pego de forma certeira pelo seu jeitão setentista - são desta época (ou tiveram seu auge) os cineastas e filmes que mais tenho em conta: Scorsese, DePalma, Coppola, Allen, Kubrick, Mallick, Lumet e até mesmo Spielberg -, pela sua construção redondinha e pela abordagem o mais afastado do patriotismo possível.
Talvez "Argo" não tenha a "cara" de um oscarizável, mas "Shakespeare Apaixonado" e "Guerra ao Terror", por exemplo, também não tinham e mesmo assim faturaram a estatueta.
Enfim, se fosse uma questão de escolha minha daria o prêmio a "Amor" (mesmo sem tê-lo visto), por ser este um filme de verve mais "artística", ser um estranho no ninho, não ter o dedo da indústria cinematográfica hollywoodiana, ter um cunho existencialista, além de ser dirigido pelo grande Michael Haneke.
Mas, como você bem sabe - e deixou claro no início do seu texto -, o Oscar é ao mesmo tempo uma congregação da arte e um exercício de política, portanto, os filmes que mais despertam a atenção pelo contexto atual é "Argo", "Lincoln" e "A Hora Mais Escura". Não acredito que este ganhe, especialmente por sua diretora ter abocanhado a premiação há pouquíssimo tempo (Oscar também é política) e entre o revisionismo histórico-heroico (Lincoln) e o resgate estilístico de um tipo de cinema aliado a um alerta sutil quanto ao monstro que ajuda a criar (ou perpetuar) nações instáveis e absurdamente conservadoras - não encontrei eufemismo melhor - (Argo), opto por este último para torcer.
Gostei bastante da sua intervenção, Rodrigo, especialmente por que ela foi bastante argumentativa, traçando um painel sobre todos os candidatos à premiação (coisa esta que eu mesmo não fiz). Espero encontrá-lo mais vezes neste espaço de construção de conhecimento, pois o espaço dos comentários só tornam a experiência de escrever sobre filmes ainda mais rica e interessante. Grande abraço!