09 fevereiro, 2013

O Voo (Flight, EUA, 2012).


Quão raro é hoje se envolver com um filme que deposita todas - isso mesmo, todas - as cartas em seu ator principal, deixando em segundo plano a ação, os efeitos, o romance, enfim, toda aquela gordurinha que permeia as grandes histórias, mas que de certa forma acaba por tirar um pouco o foco do cerne das mesmas. Não que esta "gordura" não seja necessária e preciosa quando bem aplicada, porém quando um diretor opta por deixá-la um pouco de lado, com o objetivo de com isso pontuar melhor um personagem-chave da história a ser contada, não é sentida sua falta, pois a conexão e o interesse despertados pelo tal personagem nos deixa totalmente focados no que ocorre em seu entorno e não no contexto geral. Robert Zemeckis (Forrest Gump - O Contador de Histórias) foi inteligentíssimo ao compor o filme quase que totalmente em favor de seu astro principal, Denzel Washington (Protegendo o Inimigo), que acaba brilhando mais uma vez ao compor um personagem forte, crível, no qual  as idiossincrasias saltam aos olhos, resultando em um papel não menos que complexo.

O plot inicial de O Voo foca na contradição entre o salvamento de praticamente toda uma tripulação por um piloto de avião (Washington) após uma pane no mesmo - ação esta que torna o personagem automaticamente um herói - e o fato do piloto seu alcoólatra e estar sob efeito de não só álcool, mas também de drogas durante todo o trajeto do avião, da decolagem à queda. Apesar desta premissa gerar momentos de tensão absurdos - Zemeckis orquestra com perfeição os momentos de angústia e aflição passados pelos tripulantes do voo - , o grande cerne do filme reside na exploração do personagem de Washington, um homem extremamente capaz e competente, mas que possui feridas mais do que aparentes. Feridas estas que são amenizadas, em grande parte, pelo seu vício. É certo que em nenhum momento nos é apresentado de forma clara qual seria o motivo (ou motivos) da condição atual da personagem - o fato deste ser divorciado não diz tanto -, mas a bem verdade este conhecimento não é exatamente necessário, em parte pela boa construção de personagem realizada por John Gatins (Gigantes de Aço), mas acima de tudo pela iluminada composição de personagem de Denzel Washington, merecidamente indicado ao Oscar e ao Globo de Ouro.

Há tempos não conferia um filme tão bom e eficiente tanto dirigido por Zemeckis quanto atuado por Washigton (talvez o último deste tenha sido O Gângster, de 2007, enquanto o do primeiro certamente foi Náufrago, de 2000) e O Voo consegue de certa forma resgatar o que ambos os artistas tem de mais precioso: a capacidade de orquestrar uma obra de certa profundidade, mas que não descarta o caráter de entretenimento. Tanto o plot central quanto os assuntos periféricos tratados pelo filme são dignos de reflexão, pois perpassam não apenas pelo debate acerca dos dilemas próprios do personagem de Washington - que, por sinal, guarda ecos com as problemáticas de qualquer um de nós, quer queiramos enxergar esta relação ou não -, mas também reflexões de cunho ético, moral e até mesmo filosófico, onde a discussão dos fins e meios sedimentada por Maquiavel é vez ou outra levantada.

Tecnicamente O Voo não desperta tanta atenção, creio eu que de forma proposital, por que tudo (dos temas compostos por Alan Silvestri, parceiro habitual de Robert Zemeckis a própria abordagem visual deste) é feito de forma minimalista, saltando aos olhos não a técnica dos envolvidos no aspecto imagético, mas sim o trabalho do elenco. Este é recheado de grandes nomes alocados em participações pequenas, mas importantíssimas a complementação da discussão inicial do filme: a dualidade do acidente catastrófico e sua repercussão na vida do personagem de Washington. Dentre os nomes que contribuem para a sedimentação do longa, destaco Don Cheadle (Crash - No Limite), John Goodman (Vivendo no Limite), Kelly Reilly (Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras), James Badge Dale (Shame)  e Melissa Leo (O Vencedor), que dão ainda mais força à obra fílmica, mesmo que de forma indireta.

O enaltecimento dado ao filme neste texto não incide do fato deste ser perfeito ou totalmente crível, pois há elementos que suscitam dúvida no âmbito narrativo ou até mesmo um certo inchaço em sua metragem, todavia não concordo com a opinião de que o desfecho do filme, atribuído por muitos como moralista, descaracteriza a essência do longa ou o torna menor. É certo que nestes tempos de cinismo e desconfiança automatizada (ou seja, carente de reflexão pormenorizada) a descrença quanto a possibilidade de redenção e recomeço abstrato de um indivíduo, até mesmo na ficção, parece ser visto apenas como concessão por parte dos realizadores para os moralistas de plantão, quando o ideal deveria ser analisar o contexto que envolve as decisões - no caso do filme - antes de julgá-lo não crível ou decepcionante. Moralista ou não, é certo que Zemeckis, Gatins, Washington e cia. realizam um trabalho exemplar em O Voo, apresentando temas pertinentes a serem debatidos e (principalmente) refletidos, além de possivelmente elevar um pouco o ânimo e a estima daqueles que necessitam de exemplos de superação e de reencontro com a própria essência como forma de inspiração e, por que não, catalisador de transpiração. 

AVALIAÇÃO
TRAILER

Mais Informações:
Bilheteria:

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Concorda com o texto? Comente abaixo! Discorda? Não perca tempo, exponha sua opinião agora!