21 fevereiro, 2014

Gravidade (Gravity, GRB/EUA, 2013).


"Não deixe ir" (Livre tradução da frase disposta no poster promocional do filme).

Realmente Gravidade transcende o "lugar comum" de uma peça cinematográfica, pois se confirma como uma experiência cinematográfica ímpar, na qual a imersão - objetiva e sentimental - mostra-se muito mais importante que a trama em si, já que, convenhamos, não há como "compreender" a coleção de metáforas que preenchem a obra se não viver os eventos apresentados no filme. Cabe ao espectador comprar os eventos e sentimentos apresentados, vivenciar juntamente a personagem Ryan Stone (melhor interpretação da carreira de Sandra Bullock até então) a angústia da incerteza, da pequeneza perante o cosmos, do tolhimento à vida (a constante perseguição da "quimera espacial" reflete isto perfeitamente), culminando na perspectiva metafísico-filosófica do binômio nascimento-renascimento, eventos estes tão próximos a nós, mas ao mesmo tempo tão desconhecidos, para que a experiência se concretize. Sem esta afinidade/conexão para com a proposta estético-narrativa do filme certamente não há como vislumbrar Gravidade como além de um bom filme.

Dirigido pelo mexicano Alfonso Cuarón (Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban) e escrito por este e seu filho, Jonás Cuarón, Gravidade conquistou plateias ao redor do globo mais pelo deslumbre de sua técnica e pela simplicidade da trama (mesmo que esta carrega muita profundidade em forma de subtexto), além da atuação inspirada (e inspiradora) de Bullock, do que por grandes arroubos em seu roteiro, já que a mensagem passou a ser mais importante que a possível complexidade do roteiro. Todo o desenvolvimento da história é muito bem pensado, de forma a envolver o espectador nos dramas dos personagens de Bullock e George Clooney (Um Homem Misterioso) - cuja interação é muito boa - e criando a falsa impressão de realidade amparada totalmente em ciência, quando, apesar de alguns detalhes - como o fato de no espaço não haver propagação de som -, há muito de "fantasia" e licença poética em sua construção, o que comprova o poder de narrativa dos Cuarón, que enganam perfeitamente ao dar ao espectador a sensação de realidade. Genial!

Premissa a parte, é fato que Gravidade é uma obra esteticamente impecável. Dentre tantos destaques seria impossível não destacar a fotografia capitaneada por Emmanuel Lubezki (Amor Pleno), parceiro de Cuarón desde o filme A Princesinha, de 1995, que por este trabalho acabou recebendo sua sexta indicação ao Oscar (as demais foram pelos filmes A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, O Novo Mundo, Filhos da Esperança, A Árvore da Vida e o citado A Princesinha) e, a observar seu trabalho neste filme, é forte candidato a levar a estatueta consigo. Quem também merece destaque é o compositor Steven Price (Heróis de Ressaca), que injeta adrenalina e tensão à construção imagética liderada por Alfonso Cuarón, obtendo grande destaque devido a não presença de som diegético em muitas das sequências do filme. Por fim, destacaria a montagem realizada pelo diretor em conjunto com Mark Sanger, não à toa também indicado ao Oscar.

As equipes de efeitos visuais e de arte do filme - desenho de produção, figurino e direção de arte - também estão de parabéns, pois materializam com perfeição as ideias oferecidas por Cuarón, concretizando com louvor a impressão de realidade pedida pelo filme. De longe, no quesito estético, Gravidade é a produção mais interesse de 2013, além de sagrar-se como uma das mais contagiantes, pois consegue trabalhar com relativo equilíbrio questões de cunho altamente subjetivo com outras mais pueris, mais próximas ao cotidiano, além de apresentar pelo menos duas sequências absurdamente angustiantes e claustrofóbicas de ação (!).

Merecidamente indicada a dez prêmios Oscar - o filme já arrebatou um Globo de Ouro (melhor diretor), cinco BAFTA (dentre eles melhor filme inglês, melhor fotografia e melhor som), além do DGA Awards e o PGA Awards de melhor diretor e filme, respectivamente -, Gravidade pode ser posto, ao lado do também excepcional Filhos da Esperança, como o melhor e mais maduro dos trabalhos comandados por Alfonso Cuarón, que pode se ver triplamente coroado no próximo Oscar, visto que este concorre (e tem tudo para ganhar) em três categorias distintas (filme, direção e montagem). Existencial e mundano, Gravidade consegue ser ao mesmo tempo complexo e simples, tendo na metáfora da luta pela vida - belamente orquestrada por todos os envolvidos na produção - seu discurso mais aflorado, mesmo que este não esteja sozinho. Como dito no início, Gravidade ultrapassa a barreira de uma simples peça de entretenimento e chega ao nível de experiência cinematográfica, dependendo apenas da imersão de cada espectador para que sua mensagem, visual ou filosófica, perpasse as fronteiras da grande tela. Ademais, há como, após toda a jornada ao lado da doutora Ryan Stone, não se emocionar com seus primeiros passos em vida? Maravilhoso.

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Obs.: Pena que Sandra Bullock acabou vencendo o Oscar de melhor atriz por seu papel de dondoca "humanitária" no açucarado e rasteiro Um Sonho Possível, de 2009. Seu grande papel encontra-se em Gravidade e a premiação anterior pode acabar por tirar a chance da atriz obter um reconhecimento mais justo.


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