29 outubro, 2012

O Abrigo (Take Shelter, EUA, 2011).


Opiniões de alguns membros da imprensa norte-americana destacada no cartaz oficial do filme: 
"Michael Shannon em um alto desempenho" (Pete Hammond, Deadline).
"Impressionante! Já está sendo considerado uma obra de arte norte-americana" (John Lopez, Vanity Fair).
"Jessica Chastain está surpreendente e impressionante" (Ty Burr, Boston Globe). 
O Abrigo comprova que uma boa trama e um bom desenvolvimento da mesma é o principal elemento de um bom filme e não o tamanho do seu orçamento ou a qualidade de seus efeitos especiais. Dirigido e escrito pelo promissor Jeff Nichols (Shotgun Stories), sendo este apenas seu segundo filme, O Abrigo apresenta um enredo aparentemente simples, apresentando os dilemas vividos pelo personagem de Michael Shannon (Foi Apenas um Sonho), cidadão que começa a sonhar com uma misteriosa tempestade e eventos que sugerem ao mesmo o possível fim do mundo, contudo apenas ele "recebe" através de sonhos essas curiosas informações, alimentando assim a dúvida quanta a veracidade disto ou se ele estaria na verdade apresentando sintomas esquizofrênicos, que por sinal é uma patologia congênita à sua família (sua mãe sofre de esquizofrenia). 

Por viver numa casa isolada no meio do campo com sua esposa (Jessica Chastain, de A Árvore da Vida) e sua filha pequena (Tova Stewart), que sofre de deficiente auditiva, a angústia e devaneios do personagem de Shannon começam a crescer a levantar questionamentos mais óbvios quanto a sua condição psicológica, principalmente na cabeça do espectador, que acompanha a angústia pelos dois lados, sendo praticamente impossível ter predileção pelo certo ou errado da paranoia sofrida por ele. Através de uma trama que mistura elementos de mistério típico de filmes de suspense com uma forte carga dramática, numa espécie de mistura de Sinais com Uma Mente Brilhante, Jeff Nichols nos conduz por uma obra que beira a perfeição e mesmo possuindo uma premissa simples nos a apresenta de forma brilhantemente criativa, criando laços imediatos para com o espectador não pela dúvida levantada e pelo possível e misterioso evento que estaria prestes a acontecer, mas sim pela complexidade dos dilemas vividos pelas personagens, que facilmente nos remetem a nossas próprias vidas, mesmo que não tenhamos nenhum tipo de conexão objetiva com elas.

Todavia, uma obra desse cacife não estaria completa se não possuísse um elenco de grande qualidade e felizmente o filme carrega um. Michael Shannon, que interpreta o enigmático protagonista Curtis LaForche, faz um trabalho excepcional ao compor o angustiado pai de família em dúvida quanto a sua sanidade. Mesmo que este personagem não seja algo inusitado a carreira do ator, já que geralmente são os tipos "loucos" (ou possivelmente loucos) que são oferecidos a ele (a lista é longa, mas destaco sua "estreia" com Possuídos, de William Friedkin, o soldado traumatizado em As Torres Gêmeas, de Oliver Stone e seu agente no mínimo problemático da série Boardwalk Empire, criação de Terrence Winter, além do citado Foi Apenas um Sonho, de Sam Mendes, onde o ator também interpreta um tipo estranho), o mesmo se supera aqui, trabalhando detalhe por detalhe a personalidade introspectiva e dúbia de Curtis, ajudando a sedimentar a profundidade e a discussão acerca de relacionamento, confiança, percepção e distanciamento da realidade promovida por Nichols.

Jessica Chastain também brilha como Samantha LaForche. Coincidentemente, no mesmo ano de 2011 a atriz acabou por interpretar uma personagem que guarda alguns ecos para com esta. Me refiro a esposa do personagem de Brad Pitt no filme A Árvore da Vida, de Terrence Mallick, que assim como Samantha, passava por problemas de afirmação e confiança para com seu cônjuge. Entretanto, as situações e circunstâncias de ambas são muito diferentes. Chastain aplica em Samantha uma carga de fragilidade e sofrimento que nos contagia de imediato, acabando por fechar o elo que nos faz, espectadores que somos, ficarmos em cima do muro quanto ao partido a ser tomado quando incorrem conflitos entre o casal, visto que há "motivos" válidos para a resposta de ambos as situações, principalmente por carregarem um viés de humanidade (e imprevisibilidade, como é de fato o ser humano) que nos desperta "empatia" de imediato. 

O Abrigo desperta significados e significantes diversos em suas cerca de duas horas de projeção. O título discorre tanto sobre o objeto imóvel quanto sobre o fator subjetivo das personagens (especialmente de Curtis, visto que acompanhamos o enredo sob seu ponto de vista), a música aparece mais como sugestão de clima de que como aparato de produção de clima, o que favorece a tensão e imersão como um todo, visto que são apenas pequenos ruídos e incursões de instrumentos brandos que compõem as cenas e quase sempre num volume abaixo do que normalmente estamos acostumados (por sinal, a trilha de David Wingo me lembrou um pouco a do filme Ensaio Sobre a Cegueira, adaptação da obra homônima de José Saramago, dirigida pelo brasileiro Fernando Meirelles). A composição visual do filme também é primorosa, seja devido a fotografia  de Adam Stone que intercala panorâmicas - especialmente ao apresentar o lar afastado e entrecortado por campo dos LaForche e o céu - com ângulos mais fechados (closes e planos médios), seja pelos sons diegéticos ou simplesmente pela brilhante condução de Nichols, que como poucos cineastas autores atuais aparenta ter total controle sobre o que e como quer dizer.

Um filme baratíssimo (custou apenas cinco milhões de dólares), mas até então pouco visto, O Abrigo conquistou a crítica especializada no mundo todo, além de muitos prêmios, dentre eles melhor filme (SACD)  e direção (Critics Week Grand Prize e FIPRESCI Prize) no Festival de Cannes e melhor ator (Shannon) e atriz (Chastain) pela Associação dos Críticos de Toronto, entre outros. Extraindo complexidade de uma premissa a princípio simples, Jeff Nichols, Michael Shannon e Jessica Chastain entregam aqui uma obra exemplar, dona de um ritmo e clima próprios, mas com muita identidade e, principalmente, carregando uma história acachapante, que indubitavelmente despertará reflexões inúmeras daqueles que tiverem o prazer de conferi-la. Preterida por premiações mais "polpudas" como o Oscar, O Abrigo tem força por si só para vencer as barreiras do tempo graças a relevância do seu conteúdo, mas para isso necessita ser mais visto, portanto sugiro que o confiram o mais rápido possível pois o filme é simplesmente incrível. 

AVALIAÇÃO

TRAILER

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