19 outubro, 2012

Se7en, os Sete Crimes Capitais (Se7en, EUA, 1995).


"Deixe aquele sem pecado tentar sobreviver".
"Gula. Avareza. Preguiça. Inveja. Ira. Orgulho. Luxúria." (Citações dispostas no cartaz oficial do filme).
Irretocável dos créditos iniciais aos finais, Se7en (ou Seven), os Sete Crimes Capitais pode ser considerado um marco do cinema moderno, tanto por ter criado tendências e estabelecido novos paradigmas ao gênero policial - mais especificamente ao subgênero serial-killer -, quanto pela dimensão a qual o filme versa, sagrando-se muito mais do que uma simples obra de investigação criminal policial que registra o cotidiano de uma dupla de detetives da divisão de homicídios, pois o filme apresenta um retrato naturalista, incisivo e dilacerantemente negativo não só da realidade do homem contemporâneo, mas também das próprias contradições e idiossincrasias do ser-humano como espécie.

Uma conjunção de novos talentos e nomes consagrados foi formada na realização de Se7en. Do roteirista Andrew Kevin Walker (A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça), que galgou destaque após a concepção deste trabalho, passando pelo compositor Howard Shore (O Silêncio dos Inocentes), maestro mais do que acostumado a trabalhar em filmes com uma abordagem soturna e pesada e pelos então já estabilizados Brad Pitt (Babel) e Morgan Freeman (Menina de Ouro), tudo conspirou para que o filme se estabelecesse de forma tão marcante e preciosa. Porém, indubitavelmente o que coroou todos esses grandes elementos foi a presença do prodigioso David Fincher (Zodíaco) na cadeira de diretor, tendo aqui sua primeira grande chance - após o fiasco de Alien³ - de mostrar seu talento e acuro narrativo-visual. E o mesmo conseguiu.

Revolucionário tanto por utilizar uma história de crime para discursar veemente acerca do turbulência de conflitos e desapego aos valores do homem pelo homem - mesmo que de forma inversa -, Se7en é concebido do início ao fim de forma a apresentar paralelos. Temos paralelos nas figuras dos "mocinhos" protagonistas. Enquanto o detetive Somerset (Freeman) é apresentado como um homem solitário e desesperançoso quanto a condição humana, mas extremamente organizado, detalhista e compenetrado, seu novo parceiro, o detetive Mills (Pitt) é o oposto, visto que este é casado e extrovertido, porém desorganizado, jovem (característica importante) e bastante intempestivo. Tais elementos acabam por significar uma interessante metáfora de cara e coroa, ying e yang aos personagens e a própria trama, especialmente quando o elemento que os une - a busca pela identidade do assassino serial que seleciona vítimas que caibam em cada um dos sete pecados capitais bíblicos - também traz um significado de caos e ordem num único indivíduo.

É óbvio que para um filme dessa magnitude funcionar seu contexto policial e de mistério teriam que ser bem desenvolvidos, o que ocorre impecavelmente, mas tolo aquele que acha que o cerne do filme reside na busca pelo criminoso e no porquê da ação deste. Andrew Kevin Walker e David Fincher na verdade traçam um panorama crítico, realista e contundente acerca do quanto nós nos encontramos perdidos no meio de tanta desesperança, egoísmo, orgulho, destemperança etc. Além da tensão e do clima de mistério perpetrado pelo filme, a ideia central reside na tentativa de reflexão acerca da forma pela qual o homem está a construir o seu mundo, onde a sujeira prevalece em nome de ganhos e conquistas menores, individuais, efêmeras, quando todo o resto passa a ser desimportante, sendo assim um lugar onde poucos ascendem - os sete pecados capitais encaixam-se com perfeição a estes - e muitos são dispostos em valas e guetos, relegados ao léu e as baratas (e, mesmo não possuindo a consciência de que são marginais num mundo de poucos, também acabam por viverem sob e pelos crimes capitais).

Tecnicamente arrebatador, não há como não destacar a fotografia de Darius Khondji (Meia Noite em Paris), que somada a direção de arte e o desenho de produção de Gary Wissner (Wyatt Earp) e Arthur Max (Prometheus), constrói um visual impactante, tanto por traduzir com perfeição as ideias do roteiro através dos ambientes escuros, da sujeira e da fumaça, quanto por inferir o clima de tensão e urgência ao espectador. Somado a isso, é impossível não destacar também a equipe de maquiagem, que simplesmente são responsáveis pelas mais asquerosas e ao mesmo tempo mais realistas ilusões de corpos deformados e em estado de putrefação que já vi até hoje. Por fim, é válido aplaudir também a trilha dissonante composta por Howard Shore, que por ser parceiro habitual do cineasta canadense David Cronenberg, entende como poucos de climas gore e violência física e psicológica.

Por fim, mas não mesmo importante, não há como não comentar as atuações de Brad Pitt e de Morgan Freeman. Estabelecendo uma química orgânica e deveras inusitada, ambos se aprofundam na personalidade de seus respectivos personagens, contribuindo para que toda a proposta do roteiro de Walker e o apuro narrativo de Fincher ganhem uma dimensão ainda maior, até por que são estes personagens que nos transportam a esta realidade caótica e sem esperança (some ainda outra performance ímpar, a de Kevin Spacey, especialmente no clímax derradeiro do filme, onde juntamente a Freeman e Pitt dá um show de interpretação, que culmina numa cena de abalar as estruturas de qualquer um que ainda possa sentir).

É certo que Se7en, os Sete Crimes Capitais é carregado de negativismo, apresenta ideias de intolerância, crenças extremas e apresenta um mundo cinzento bem mais próximo do preto que do branco, no entanto o faz de maneira lógica, bem amarrada e coerente com todos os elementos que constroem um bom filme (som, estética, música, narrativa etc.), sugerindo um estudo social crível, realístico e relevante que gera reflexões várias, seja de contexto geral (humanidade) ou íntimo (indivíduo). Talvez o trabalho mais conhecido de David Fincher, Se7en não é um filme para todos os públicos, mas é um baita filme policial que ultrapassa as barreiras do próprio gênero.

AVALIAÇÃO
TRAILER

Mais Informações:

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Bilheteria:

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