05 outubro, 2012

O Homem da Capa Preta (BRA, 1986).


"Não sou fascista! Não sou comunista! Não sou covarde! Eu sou Tenório Cavalcanti! E sou macho!" (Discurso de Cavalcanti, interpretado por José Wilker, que ainda ecoa bastante nas matizes políticas do país, especialmente quanto a justificação de determinados atos públicos por parte de nossos representantes em cargos eletivos).
Nada mais apropriado do que às vésperas da corrida eletiva do domingo próximo conferir um filme no qual o papel político é mais do que um cenário, mas sim essência. Obviamente que recheado de certa "glamourização", especialmente por se tratar da biografia de  um personagem de grande poder mítico, O Homem da Capa Preta, de Sérgio Rezende (Zuzu Angel), é um grande filme. Não só no âmbito técnico - no qual é realmente excepcional -, mas também no âmbito narrativo, visto que por optar pelo estilo "surrealista", no sentido de alguns rompantes de exagero serem postos como forma de certificar o filme como uma impressão acerca dos eventos da vida de Tenório Cavalcanti, o personagem título, mais como um ente sobressalente à realidade da época do que um ser de carne e osso - os mais de 40 tiros que tomou e que não o mataram que o digam. Obviamente que esta estilização abre margem para discursos de questionamento quanto aos objetivos do filme em "endeusar" uma personalidade tão dúbia e polêmica (para ficar no mínimo), mas nada exclui a importância e qualidade do filme como filme que é.

Ambientado principalmente entre as décadas de 1940 e 1950 e abraçando muito a ideia de Cavalcanti (José Wilker, de Dona Flor e seus Dois Maridos) como uma espécie de figura messiânica para com a classe pobre (especialmente os retirantes nordestinos) da cidade de Caxias, no Rio de Janeiro e sua luta literalmente à sangue, ferro e fogo contra as oligarquias e membros da elite político-econômica da região, O Homem da Capa Preta não nega o signo de "Robin-Hoodinização" da personagem título, porém mesmo com a prevalência deste ponto de vista, não deixa de apresentá-lo como um sujeito violento e intolerante, que surge como uma solução a um sistema viciado e corrupto (que mantém ecos até hoje), mas prontamente não como uma ideal. O longa de Sérgio Rezende divide-se em apresentar o seio familiar de Cavalcanti, onde este aparentemente o relega a segundo plano, em detrimento a suas dívidas com relação ao povo que o elegeu (primeiramente como Deputado Estadual, posteriormente na cadeira de Deputado Federal) e a quem este protege e os atritos (muitos deles regados a muita violência) do apelidado "político pistoleiro" com seus rivais políticos. Em suma, mesmo que alguns elementos que formaram a persona de Tenório Cavalcanti não tenham sido explicitados pelo roteiro de Rezende, José Louzeiro (Pixote, a Lei do Mais Fraco) e Tairone Feitosa, o filme se sustenta principalmente por manter uma coerência narrativa e "ideológica" do início ao fim.

Um dos pontos de destaque do filme encontra-se no elenco de O Homem da Capa PretaJosé Wilker encarna à perfeição o papel do polêmico e temido alagoano Natalício Tenório Cavalcanti de Albuquerque, principalmente no que concerne ao poder de retórica e ao carisma aplicado, transmutando o personagem em sua própria figura, dando uma dimensão de profundidade ao mesmo impecável. Marieta Severo (Sonhos Roubados) traz fragilidade e beleza a dona Zina, esposa de Cavalcanti, mesmo num papel um tanto quanto diminuto, onde aparece mais através de expressões e reações de olhares do que através de diálogos. Também são destaques no filme as presenças fortes e extremamente carismáticas de Paulo Villaça (A Dama do Lotação) e de Tonico Pereira (Redentor), respectivamente como o delegado Maragato e o policial Bereco. Por fim, mas não menos importante, Jonas Bloch (Amarelo Manga) e Chico Díaz (Gabriela), que trazem um pouco de humanidade (no sentido positivado) ao filme.

Acrescido ao elenco, tem-se o brilhante trabalho de fotografia do hoje consagrado cinematógrafo César Charlone (Cidade de Deus), que constrói ambientes interessantíssimos através de suas lentes, ângulos e tomadas precisas, sendo responsável, juntamente a também excepcional trilha sonora assinada por David Tygel (Lamarca), pelo estabelecimento da atmosfera e dos climas explorados por todo o filme.

Vencedor dos prêmios de melhor filme (júri e público), melhor ator (Wilker), melhor atriz (Severo) e melhor música original (Tygel) no Festival de Cinema de Gramado, esta obra de Sérgio Rezende continua interessante e apropriada, especialmente no âmbito técnico, visto que sua abordagem dramática e opção estético-narrativa hoje pode soar artificial em um ou outro momento, mas no quesito geral o filme prevalece como uma obra competente e referência para o gênero. Apesar de ainda passível de polêmica quanto à visão particular empregada por Resende acerca do personagem de Tenório Cavalcanti, O Homem da Capa Preta é um filme corajoso, eficiente e, por que não, visionário, especialmente quando após sua conferida torna-se fácil identificar que, mesmo com o processo de redemocratização impregnado no país há mais de duas décadas, com a instituição da Constituição Federal de 1988, muitos dos elementos e vícios registrados aqui na esfera política (seja dentro ou fora dos recintos administrativos) continuam a prevalecer atualmente. Por isso mesmo, independentemente da figura central ao qual o filme se dirige, repito a frase introdutória do texto: "Nada mais apropriado do que às vésperas da corrida eletiva do domingo próximo conferir um filme no qual o papel político é mais do que um cenário, mas sim essência".

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