26 dezembro, 2013

Eu Tu Eles (BRA, 2000).


Apesar de muito visitado pelo cinema, ambientar filmes no nordeste brasileiro é tarefa no mínimo ingrata, devido as particularidades inerentes à região e a grande parte dos realizadores não terem grande familiaridade com elas. É claro que sempre há alguém na produção que conhece bem os pormenores dos sertões brasileiros, mas a essência local é algo difícil de alcançar, daí a razão de muitas produções que "mostram" o povo do sertão nordestino não parecer crível, orgânico aos olhos do espectador, especialmente daqueles naturais ou residentes nesta região. Passado o preâmbulo, afirmo com convicção: o carioca Andrucha Waddington (Os Penetras, Lope) conseguiu não só captar a essência do sertanejo nordestino, como construir um filme distinto, que se equilibra entre o retrato "fiel" da cultura da região e a pujança da mítica nordestina. Há muito de fábula em Eu Tu Eles, mas há também muito de "verdade", não à toa o argumento de Elena Soárez (A Busca) foi inspirado em um evento "real".

A história que envolve a confusa (e interessante) relação entre Darlene (Regina Casé, da minissérie Som e Fúria), mulher forte e decidida, mas como tantas mundo afora, recheada de traumas e desencontros, e os personagens de Lima Duarte (Colegas), Stênio Garcia (Redentor) e Luiz Carlos Vasconcelos (Carandiru), que, para não estragar nenhuma surpresa, podem ser tidos como os homens da vida de Darlene. Contudo, apesar da trama ser um aspecto marcante do filme, reside na qualidade do elenco o maior mérito do mesmo, já que o quarteto formado por Casé, Duarte, Garcia e Vasconcelos humanizam as personas apresentadas, recheando-as de humanidade e conteúdo, ultrapassando os limites do texto através de gestos e olhares. Realmente há uma simbiose muito feliz entre elenco e roteiro.

É certo que Waddington não é unanimidade como diretor, inclusive alguns o consideram superestimado, porém, apesar de seus últimos dois filmes não terem tanto vigor, é inquestionável que o cineasta carioca sabe como posicionar uma câmera e contar uma história de forma cinematográfica, ainda mais contando com grandes nomes em sua equipe, como o diretor de fotografia Breno Silveira (que acabou por se tornar diretor de filmes como Gonzaga - De Pai pra Filho e À Beira do Caminho), o montador Vicente Kubrusly (2 Filhos de Francisco), a figurinista Cláudia Kopke (Cazuza: O Tempo Não Para, Tropa de Elite) e o diretor de arte Tony Vanzolini (que também a se tornar diretor, estreando na função com o filme Eu e Meu Guarda-chuva). Destes, aplaudiria com mais força o trabalho de Silveira, pois talvez, ao lado das atuações do quarteto principal de atores, o grande destaque encontra-se nas belas composições do fotógrafo, que mostra possuir uma ótima sensibilidade tanto na utilização de luz, quanto na escolha das lentes e dos enquadramentos de câmera. Estar cercado por gente desse naipe faz toda a diferença e Waddington aproveita muito bem o que tem em mãos.

Misto de comédia com drama, Eu Tu Eles continua sendo, treze anos após seu lançamento, uma obra bastante particular, que recria com propriedade uma atmosfera mítica do sertão nordestino, além de apresentar uma série de personagens icônicos à cinematografia nacional. Some-se isso a ótima seleção de músicas de Gilberto Gil e a presença do hit Esperando na Janela, de Targino Gondim, Manuca Almeida e Raimundo do Acordeom, imortalizada na voz de Gil. Divertido e recheado de falas marcantes, mas também de momentos de pura emoção, além de ter um subtexto social acurado, Eu Tu Eles pode não sedimentar o nome de Andrucha Waddington como um dos grandes nomes do cinema brasileiro, mas certamente o retira do patamar de promessa e põe no plantel da realidade. Se este conseguirá ser inserido no rol dos grandes realizadores, somente o tempo (e suas produções daí em diante) dirá.

AVALIAÇÃO
TRAILER

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