20 dezembro, 2013

Os Suspeitos (Prisoners, EUA, 2013).

"Uma verdade escondida. Uma busca desesperadora" (Livre tradução da frase disposta no poster promocional do filme).
Tenso, contemplativo, rigoroso tecnicamente e possuidor de conteúdo suficiente para horas de discussão, Os Suspeitos (por que não Prisioneiros, tradução literal do título original, Prisoners?) marca a estreia do diretor canadense Denis Villeneuve (Incêndios) em uma produção "hollywoodiana" e esta não poderia ter um resultado mais acertado. Contando com um roteiro interessante - escrito por Aaron Guzikowski, do despretensioso Contrabando -, que mesmo seguindo as linhas básicas do thriller moderno consegue surpreender, e com um elenco formidável, o filme foi bastante comparado as obras policiais de David Fincher (Se7en - Os Sete Crimes Capitais, Millennium - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres), o que não é de todo falso, mas é certo que ele possui identidade própria, sendo seu maior diferencial o destaque dado ao desenvolvimento dramático da trama em detrimento do mistério, que tem vez, mas encontra-se em segundo plano.

Contando com nomes como os de Jake Gyllenhaal (Marcados para Morrer), Hugh Jackman (Wolverine: Imortal), Terrence Howard (Crash - No Limite), Viola Davis (Histórias Cruzadas), Maria Bello (Obrigado por Fumar), Melissa Leo (Oblivion) e Paul Dano (Ruby Sparks - A Namorada Perfeita) encabeçando o elenco, além da participação do "novato", mas eficiente David Dastmalchian (Batman, o Cavaleiro das Trevas), Os Suspeitos tem no suporte deste elenco seu grande diferencial, pois é ele que torna uma trama cuja essência já foi tantas vezes visitada pelo cinema em um suspense magnetizante e, de certa forma, surpreendente. Tendo o clima como elemento principal para que o filme funcione, a comunhão entre elenco, direção e texto acaba sedimentando a eficácia deste elemento.

Apesar de cada membro do elenco encontrar-se muito bem em seus respectivos papéis - uns melhores, outros menos -, sem sombra de dúvidas o destaque cai nos protagonistas vividos por Hugh Jackman e Jake Gyllenhaal. O primeiro transborda emoção ao compor um pai de família um tanto quanto conservador, de pavio curto (convencendo bem mais do que em sua interpretação de Wolverine) e determinado a "fazer justiça com as próprias mãos" após enxergar certa inércia no trabalho de investigação da polícia. Já Gyllenhaal aposta nos tiques e na cadência da voz para compor o detetive Loki, responsável pela investigação do paradeiro das filhas dos personagens de Jackman (e Bello) e Howard (e Davis). Ambos extrapolam os limites do texto e parecem incorporar seus respectivos personagens, entregando interpretações acima da média (não seria injusto indicá-los ao Oscar nas categorias de ator e ator coadjuvante).

A estética da obra também chama a atenção, seja pela utilização de tons frios - a chuva certamente é uma das personagens principais -, seja pela composição elaborada pelo exímio fotógrafo Roger Deakins (007 - Operação Skyfall), que tem tudo para abocanhar (e quem sabe vencer) mais uma indicação ao Oscar na categoria. É através de suas lentes que acompanhamos o desenrolar dos eventos que conduzem a trama, portanto, a delicadeza com que Deakins capturou as imagens ajudam na construção subjetiva destes eventos pelo espectador, que vai montando o quebra-cabeças "moral" quanto as várias camadas de caráter externadas pelo ser humano (sim, através de detalhes como enquadramento de câmera, iluminação e foco). A trilha sonora, apesar de discreta, também auxilia à construção de sentimentos antagônicas em relação as ações de diversos personagens, além de equilibrar os momentos de tensão exigidos pelo longa. Sendo assim, também merece destaque o trabalho de Jóhann Jóhannsson (Por Amor).

É certo que, num primeiro olhar, pode-se tomar Os Suspeitos como um filme longo e lento, todavia, nunca de forma despropositada. Daria para causar efeito similar através de uma montagem mais dinâmica cuja metragem resultasse em uma obra dez ou quinte minutos menor? Talvez, mas o importante é que, mesmo com uma cadência compassada, o filme de Denis Vileneuve não cansa, mantém o espectador atento e o deixa magnetizada independentemente de qual personagem esteja em foco. São muitos os personagens que recebem (e merecem) destaque e, como sempre, uns acabam tendo mais tempo de tela que outros, mas de forma geral o filme é bastante equilibrado neste sentido, abordando cada uma das duas famílias e o trabalho de investigação da polícia com um bom nivelamento.

Mais interessante que a resolução do crime em si - que é de tirar o fôlego, que fique bem claro - é a discussão acerca da capacidade de qualquer ser humano para a quebra de conduta, para o atropelamento das convenções ético-morais, para o abraçamento de sua natureza selvagem e o escancaramento de sua dubiedade de caráter. É óbvio que, mais do que nunca, com as mazelas sofridas ontem, hoje e sempre pela humanidade, é praticamente impossível confiar plenamente no outro - ora bolas, vivemos na sociedade dos muros e da cerca elétrica -, mas, acima de tudo, como confiar em si mesmo? O discurso do bem maior (vai saber como medi-lo) e dos fins justificarem os meios é belo no âmbito teórico, mas no caso concreto traz ramificações várias, cabendo análises (e pontos de vista) profundas a cada uma delas. Acima de tudo, é esta discussão (jus)filosófica que o filme trabalha, instigando o debate não quanto a "culpa" (ou o por quê) de quem abraça o mal, mas sim até onde você iria para alcançar o "bem"? Faria o "mal" para obtê-lo?

Certamente um dos thrillers mais interessantes dos últimos anos, o filme dirigido por Denis Villeneuve é maduro o bastante para por o dedo na ferida e deixá-lo lá por mais do que alguns segundos, exigindo assim a compreensão macro do espectador, que torna-se cúmplice de todo o cenário de "heróis" e "vilões" apresentado. Não há perfeição apresentada pelo filme, da vítima ao criminoso, todos são dotados de vícios, falhas e culpa, mas também acreditam estar trilhando o "melhor" caminho, acreditam possuir a solução. É no balanceamento dos dilemas humanos que reside a força principal de Os Suspeitos, drama humano disfarçado de suspense, onde o prejulgamento nos atinge desde o minuto um e onde a culpa reside durante toda sua projeção. Particularmente me identifico com o personagem interpretado por Gyllenhaal, mas o arquétipo carregado por Jackman talvez seja o mais comum a grande fatia da humanidade. Se isso pode ser tido como bom ou ruim, cabe a cada indivíduo pensante decidir, mas, como Villeneuve e Guzikowski sugerem, tal decisão está longe de ser fácil. 

AVALIAÇÃO

TRAILER

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