10 janeiro, 2014

Matrix (The Matrix, EUA, 1999).


Considerado um marco do cinema praticamente desde suas primeiras exibições, Matrix mudou não apenas a forma e o estilo de um gênero cinematográfico, mas também a forma de se enxergar o dito cinema pipoca, que com a obra assinada pelos irmãos Andy e Larry (hoje Lana) Wachowski acabou por mudar as regras do jogo. Não que antes de Matrix não existisse filmes de ação, aventura ou ficção-científica que trouxessem discussões que perpassassem o espetáculo, mas foi apenas após o lançamento do filme dos Wachowski que esta união alcançou um nível de excelência que até hoje permanece inalcançável. Forma e conteúdo se encaixam de maneira tão orgânica e atrativa em Matrix que é impossível não alçá-lo à condição de obra de entretenimento mais importante (e impactante) dos últimos vinte anos. Sendo assim, apesar das várias tentativas - algumas até muito boas e competentes -, nenhum filme conseguiu superá-lo em todas as suas qualidades.

Empolgante do início ao fim, abrindo com uma sequência de ação espetacular e apresentando o espectador a um ambiente distópico dominado por maquinas, através da implementação de uma realidade virtual tida como verdadeira para grande parcela da humanidade - eco direto à obra Simulacro e Simulações, do francês Jean Baudrilard -, Matrix confere não apenas elementos de reflexão filosófica no texto do filme, mas também converge diversas mídias em uma só plataforma, tendo como base de inspiração a lógica e a estética de alguns mangás e animes japoneses, a estética das histórias em quadrinhos ocidentais - não à toa grande parte dos storyboards foram filmados de forma praticamente exata -, além de antever a futura estética dos jogos de videogame, especialmente após o advento da técnica bullet-time, outro dos marcos obtidos pelo filme.

Apesar da densidade da trama proposta pelos irmãos Wachowski, é inegável que um dos grandes trunfos do filme reside no seu aparato estético. A fotografia composta por Bill Pope (Ligadas pelo Desejo) é de encher causar espanto, já que consegue transmitir toda a "piração" proposta pelos diretores de forma assimilável aos nossos olhos, tanto no sentido de escolha de lentes, quanto no que se refere a posicionamento de câmera e enquadramento. Pope também consegue trabalhar bem com os vários elementos de computação gráfica postos no filme, especialmente as sequências que utilizam câmera lenta e, obviamente, o recurso bullet-time. A utilização de muitas tomadas em plongée e/ou contra-plongée mostram-se belíssimas e, acima de tudo, servem a narrativa do filme. Uma pena que o fotógrafo não tenha recebido uma indicação ao Oscar (acabou recebendo uma ao Globo de Ouro, mas não foi premiado).

Mas se o que fosse belamente captado não possuísse um alto padrão de qualidade de nada valeria tamanho, sendo assim, nada mais justo do que enaltecer o trabalho das equipes de arte, dentre eles o designer de produção Owen Petterson (Speed Racer), um dos principais responsáveis pela materialização das ideias visuais dos Wachowski, os diretores de arte Hugh Bateup (Superman: O Retorno) e Michelle McGahey (Cidade das Sombras), que dão uma cara distinta ao "mundo real" e ao "mundo da matrix" e a figurinista Kym Barrett (A Viagem), que simplesmente criou moda (no bom sentido). Equipe certa para o projeto certo, seria difícil imaginar o caldeirão de ideias (e referências) proposto por Andy e Larry Wachowski sem a contribuição destes e dos demais envolvidos na equipe de arte do filme. Ainda no campo estético, é válido confirmar que à exceção de uma outra cena (como a que utiliza fogo digital), os efeitos especiais (práticos e digitais) continuam  excepcionais, mérito este das equipes comandadas por John Gaeta ("pai" do efeito bullet-time), Janek Sirrs, Steve Courtley e Jon Thum. Por fim, mas não menos importante, destaco ainda o excelente trabalho realizado pela equipe de som e edição sonora - são eles Dane A. Davis, John T. Reisz, Gregg Rudloff, David E. Campbell e David Lee -, merecidamente premiados com dois prêmios Oscar e um BAFTA.

Outro ponto a ser destacado em Matrix reside na escalação do elenco pelos Wachowski, juntamente a Mali Finn (Número 23) e Shauna Wolifson (Cidades das Sombras). Mesmo não possuindo grandes astros (à época) e contando com alguns atores de qualidade mediana, cada um dos membros do elenco acabou por se encaixar feito luva a seus respectivos personagens, sendo necessário destacar a icônica performance do competentíssimo Hugo Weaving (Capitão América: O Primeiro Vingador) como o enigmático e aterrador agente Smith, a força de caráter expressada por Laurence Fishburne (Apocalypse Now) e seu Morpheus, além de sua disposição física ao papel e a dedicação e carisma de Keanu Reeves (Constantine), que compensa suas limitações como intérprete através de um cuidado todo especial na composição de seu personagem, o hoje icônico Thomas Anderson/Neo. Carrie-Anne Moss (Amnésia) também encontra-se bem como peça-chave para o descobrimento interior de Neo como o escolhido, mas o filme é basicamente dos três citados anteriormente.

Poderoso, eficiente, à frente de seu tempo e instigador de debates, Matrix é a prova viva de que um conjunto de referências aparentemente desconexas em si, quando bem organizadas, é capaz de render uma obra não apenas coerente, mas única. Defendido como o primeiro capítulo de uma trilogia (que veio a ser concretizada quatro anos após o lançamento deste), Matrix funciona perfeitamente isolado, pois traduz de forma veemente conceitos vários acerca da falta de identificação do ser humano com o meio em que vive, cada vez menos propício ao convívio social e mais próximo da tecnologização do ser (ser humano 2.0), além de ajudar a resgatar algumas discussões acerca da realidade posta cujo cerne de identificação reside em apenas um dos cinco sentidos - a visão -, que permeiam a pauta da filosofia desde a antiguidade grega. 

À frente de seu tempo ou não, é inadmissível que esta obra não tenha sido sequer indicada ao Oscar de melhor filme, direção e roteiro original, independentemente dos ótimos nomes que foram contemplados em seu lugar. O que é hoje o filme Regras da Vida, de Lasse Hallstrom, em comparação a Matrix? Até mesmo À Espera de um Milagre, de Frank Darabont e os vencedores do ano nas categorias citadas, Beleza Americana, Sam Mendes e Alan Ball, tremem nas bases quando postos ao lado da obra-prima dos Wachowski. Os prêmios mais visados não vieram, mas sua entrada no rol dos grandes filmes da cinematografia mundial é mais do que fato consumado.

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