29 novembro, 2012

A Pele Que Habito (La Piel Que Habito, ESP, 2011).

"Loucura, Fúria. Paixão" (Tradução da chamada disposta no poster do filme).
Realmente este é um filme de Pedro Almodóvar (Carne Trêmula)? Não que a técnica do mesmo não se encontre no filme, porém a estética apresentada neste primeiro thriller do espanhol carrega influências outras que até então não haviam sido percebidas por mim ao acompanhar parte de sua filmografia. Com um escancarado ar hitchcockiano, A Pele Que Habito é um filme surpreendente do início ao fim, seja pelo aspecto técnico ou pela narrativa e desenvoltura da trama, que guarda sim ecos do universo fantástico e      particular do diretor, contudo este são concebidos de maneira tão discreta que a essência da obra acaba quase que totalmente direcionada para a construção da fábula medonha e curiosa intitulada A Pele Que Habito.

Tendo como fonte de inspiração o romance Mygale, do francês Thierry Jonquet, Almodóvar constrói aqui um misto de drama e suspense que tem tudo para prender a atenção do espectador do início ao fim. Comprovando mais uma vez que seu talento narrativo não se resume apenas aos melodramas pelo qual o cineasta acabou conhecido, aqui o enfoque é tanto na apresentação das motivações experimentais do cirurgião plástico (ou esteticista) Robert Ledgard (Antonio Banderas, de A Toda Prova) quanto na exploração da mente do mesmo, onde Almodóvar monta não apenas o vilão sádico comum as produções do gênero, mas sim o destaca como um louco bem motivado, um pai em busca não só de vingança e reparo, mas também em conflito interno com a próprio ofício, que infere nele uma lógica de criador, como se pudesse "consertar" as fatalidades do seu passado literalmente através das próprias mãos.

A concatenação de eventos que dá vazão à questão da mudança de personalidade e da troca de sexo, através dos experimentos do doutor Ledgard possivelmente incomodará alguns, pois lida com o recorte (argh!) de paradigmas óbvios ao clássico entendimento humano de que macho é macho e fêmea é fêmea, no mais puro sentido biológico. Mas, apesar de ser partidário de rompantes de extravagancia em suas comédias de costumes, o cineasta espanhol nunca foi deliberadamente explícito em suas abordagens mais dramáticas (afinal de contas, não estamos falando de Eli Roth ou até mesmo Quentin Tarantino e Robert Rodriguez), apostando mais na sugestão dos eventos de cunho mais pesado (o que, ao meu ver, provoca temores iguais ou maiores do que os apresentados de forma explícita) e na construção do clima,  plantando assim sugestões (perturbadoras ou não) à mente do espectador com muito mais eficácia e profundidade.

Entretanto, não é apenas o forte aspecto psicológico inserto à trama que possivelmente despertará a atenção do espectador pela obra, pois há um conjunto de fatores que alicerçam com força. Em primeiro lugar, não há como não incutir o trabalho de composição de Alberto Iglesias (O Caçador de Pipas) como sendo vital para a consumação do clima de tensão que o filme pede, pois tanto o emprego dos clássicos temas de piano presentes em grande parte da filmografia de Pedro Almodóvar quanto (principalmente) o tema principal (e suas variantes) impregnado de violinos dissonantes que provocam uma forte sensação de urgência e angústia são essenciais a imersão total à obra. O cinematógrafo José Luís Alcaine (Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos) também aparece como peça fundamental à boa construção do filme, já que ao lado do diretor define os tons visuais, as lentes e as angulações que permitem ao espectador tanto acompanhar o desenrolar dos eventos de forma fixa quanto insere a cadência dramática - ao lado de Iglesias - do filme.

Merecem aplausos também a equipe de arte - composta por Antxón Gómez (design de produção) e Carlos Bodelón (direção de arte), que confere um ar peculiar de "esterilidade" a atmosfera do filme e o departamento de maquiagem, especialmente o especialista em efeitos de maquiagem Tamar Aviv (Pandorum), que ajuda a compor a ilusão proposta pelo filme seja através dos aparatos utilizados pelo personagem de Banderas, seja pelos efeitos referentes aos processos cirúrgicos apresentados pelo filme. Obviamente os demais membros da equipe também realizaram um ótimo trabalho, mas aplico aos citados como os que se destacam mais, muito devido a própria abordagem do filme, que acaba por destacá-los com maior frequência.

No quesito elenco A Pele Que Habito também surpreende. Marisa Paredes volta a trabalhar com Almodóvar após os cultuados A Flor do Meu Desejo e Fale Com Ela e mesmo com o pouco tempo em cena, confere profundidade a sua personagem e enriquece a trama do filme. A bela Elena Anaya (Alatriste) mostra-se a vontade no papel de Vera, a misteriosa paciente de Robert Ledgard, especialmente se levarmos em conta que a personagem é bastante complexa, mas Anaya se sai muito bem e entra de corpo e alma na personagem. Jan Cornet (There Be Dragons), apesar de não chamar tanto a atenção, também entrega uma boa atuação a Vicente, personagem que a exemplo do de Paredes aparece pouco,  mas cresce bastante neste ínterim. Contudo, ao meu ver o grande destaque encontra-se na composição complexa de Antonio Banderas ao seu personagem, conferindo reação múltiplas ao mesmo, passeando por angústia, desdém, cólera, vingança e, por que não, certa "insanidade funcional", nesta que para mim é a melhor interpretação de sua carreira, até por que a mesma causou uma grande surpresa em minha pessoa, visto que nunca o considerei um grande ator e como Robert Ledgard Banderas está impecável, quiçá o grande motor do filme, ao lado do sempre onipresente Almodóvar.

Talvez o único ponto falho no âmbito de roteiro seja a conclusão um tanto quanto apressada dada ao filme com o intuito de elevar o clímax ao máximo e este ponto é especialmente coroado com a descoberta altamente dedutiva (e pouco crível, ao meu ver) do então parceiro de clínica do personagem de Banderas, que soma x + y e "descobre" praticamente todo a maquinação do cirurgião. Certamente esta cena não chega a arranhar o bom trabalho desenvolvido até então por Almodóvar e cia., mas é inegável que engasga um pouco a credibilidade da sequência de cenas apresentadas até então, talvez servindo para lembrarmos que , apesar de distinto de suas outras realizações, ainda estamos a conferir um filme de Pedro Almodóvar e o mesmo tende ao histrionismo e ao drama escancarado vez em sempre.

Obviamente as possibilidades de discussão acerca do conteúdo explorado pelo filme são inúmeras e não cabe aqui sequer tentar elencá-las, pois muito do prazer (tem que ser esta palavra) despertado por ele deve ser visto/sentido de maneira natural, tendo o espectador o mínimo de informações possíveis acerca da essência da obra. Que o filme bebe bastante de Alfred Hitchcock não há como negar, até por que o próprio diretor faz questão de apontar o mestre do suspense como uma de suas influências, porém vou um pouco mais longe. A temática, a elegância dos enquadramentos, a composição cena a cena, a ambientação, a montagem (por José Salcedo, ótimo também) não-linear, a música como elemento explicitamente narrativo e o clima erótico-masoquista me remete instantaneamente outro "filhote" de Hitchcock, o também genial (porém um tanto à margem do panteão dos grandes diretores norte-americanos de sua geração) Brian De Palma, que se destacou justamente pela abordagem de filmes como este A Pele Que Habito, o qual considero (ironicamente ou não) como o melhor filme de De Palma dos últimos vinte anos, mesmo tendo sido concebido e brilhantemente realizado por um aparentemente pássaro fora do ninho, o "porra-louca" Pedro Almodóvar. Tomara que o vindouro Passion te traga de volta ao topo por suas próprias mãos, De Palma, pois senão teu último grande thriller registrado em minha mente será este que acabou por não ser teu.

AVALIAÇÃO
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