20 janeiro, 2014

O Tempo e o Vento (BRA, 2013).


Uma coisa é inegável na versão de O Tempo e o Vento conduzida por Jayme Monjardim (Olga): sua fotografia é primorosa, evocando os grandes épicos da era de ouro do cinema, especialmente ...E o Vento Levou, de Victor Fleming. Mas o mérito maior para tal feito não reside apenas nas mãos de Monjardim, mas sim no talento e técnica apuradas de seu diretor de fotografia, o competentíssimo Affonso Beato (brasileiro parceiro habitual de Pedro Almodóvar em filmes como A Flor do meu Segredo, Carne Trêmula e Tudo Sobre Minha Mãe). Principal motivo pelo encantamento despertado pelo filme, fica difícil saber se esta adaptação funcionaria caso as composições de Beato não chamassem tanto a atenção, visto que há sérios problemas tanto na construção e desenvolvimento do roteiro do filme quanto na montagem e na própria narrativa da obra, que se torna pequena se comparada ao carinho (e complexidade) despertado pela obra original de Érico Veríssimo.

O Tempo e o Vento de Veríssimo se concentra na narração do nascimento do hoje estado do Rio Grande do Sul, através do olhar de vários gerações das famílias Terra Cambará e Amaral, duas das mais tradicionais da região. Tal épico acabou resultando numa trilogia (O Continente, O Retrato e O Arquipélago) composta por sete volumes, onde são destrinchados eventos diversos que perpassam aproximadamente 150 anos. É óbvio que a transposição de uma obra tão complexa, intrincada e recheada de detalhes é um trabalho hercúleo, mas não impossível. Acredito eu que só haveriam três formas de se adaptá-la: construindo uma trilogia de filmes, com início, meio e fim (aos moldes da trilogia O Senhor dos Anéis), que mantivesse o máximo possível os elementos essenciais da trama apresentada nos livros; realizando um único filma, mas cuja metragem rivalizasse com os dos grandes épicos da era de ouro de Hollywood, com uma duração de três horas ou mais; apostando em uma obra mais compacta, mas que focasse em apenas alguns dos eventos abraçados pela obra de Veríssimo, descartando os demais (ou seja, nada de apresentar os 150 anos ou as várias gerações).

Infelizmente, o filme de Monjardim acabou juntando elementos destas três possíveis opções, o que acabou resultando num produto final bonito visualmente, mas pouco aprofundado, focado em um romance desenvolvido de forma apressada e recheado de eventos entrecortados que pouco tem a dizer ao plot principal, pois também não possuem tempo suficiente para serem minimamente aprofundados. A guerra farroupilha acontece e pouco sabemos sobre, filhos, netos e primos terceiros (acréscimo meu) surgem em cena de forma atabalhoada, como se apenas para constar, não para somar. Até mesmo personagens vitais à trama, como Rodrigo Cambará (interpretado pelo sorridente e quase sempre bem em cena Thiago Lacerda, de Segurança Nacional) e Bibiana Terra (Marjorie Estiano - insossa -, quando jovem e Fernanda Montenegro - esforçada e comovente) acabam sendo pouco desenvolvidos, tendo o primeiro um papel excessivamente caricato (Lacerda até que se esforça para equilibrar os lados heroico e inconsequente do personagem), enquanto a segunda surge monossilábica e sem carisma, fazendo com o que espectador se pergunte: como um sujeito tão determinado e cheio de si acabou se interessando por uma garota tão apática como esta Bibiana? Fica difícil de comprar.

É claro que O Tempo e o Vento possui como um de seus principais motores a história de amor entre Rodrigo e Bibiana, mas este não se traduz único e, infelizmente, é isto o que acaba por acontecer com esta versão escrita por Letícia Wierzchowski (estreante no cinema) e Tabajara Ruas (Brizola: Tempos de Luta), que opta por reduzir o centro do filme ao romance incomensurável entre os dois e entrecortá-lo com diversos eventos relacionados ao "nascimento" da família Terra (de Bibiana), o que da forma que foi feito acabou muito jogado. A conexão narrativa que deve existir na obra literária não soa orgânica no filme, tornando-o ao mesmo tempo excessivo e enxuto, o que é uma baita de uma contingência (no âmbito da lógica). Não há elenco bom que segure um filme mal estruturado e é isto que acaba acontecendo aqui, onde nomes como José de Abreu (Meu Pé de Laranja Lima), Leonardo Medeiros (Lavoura Arcaica) e Paulo Goulart (Gabriela, Cravo e Canela) acabam sendo subaproveitados, apesar da suposta importância de seus personagens à trama. O tom novelesco do filme também incomoda um pouco, mas como nem isso é desenvolvido por completo, deixo aqui apenas o registro.

Se a música composta por Alexandre Guerra (Brasil Animado) resulta mediana, com alguns bons temas, mas outros excessivamente melosos, a direção de arte (a cargo de Tiza de Oliveira) e os figurinos são primorosos - à exceção do visual do meso-índio Pedro Terra, que lembra mais o índio Tonto de Johnny Depp do que um nativo brasileiro, além dos efeitos especiais que cumprem sua função com competência. Uma pena que Monjardim e seu montador optaram por reduzir as sequências de batalhas a poucos segundos, o que é um baita desperdício - estético e narrativo - para uma obra cujo teor bélico é praticamente um personagem a parte. Custando uma fortuna para os padrões nacionais - aproximadamente R$ 13 milhões -, bem que Monjardim poderia ter explorado melhor as cenas de guerra, pois recurso técnico e dinheiro a produção possuía.

Formado por imagens belíssimas, um elenco em sua maioria de grande qualidade e uma direção regular de Jayme Monjardim, O Tempo e o Vento escorrega bastante devido a fragilidade de seu texto adaptado, mas talvez seu pior defeito resida em sua edição/montagem, que exagera nos cortes - o filme tem fade in/fade out (escurecimento e clareamento da imagem entre cenas) praticamente a cada três ou quatro minutos, sendo raríssima a presença de cenas intercaladas sem este recurso, o que acaba por dar uma cara amadora à produção. Afinal de contas estamos assistindo a uma obra cinematográfica ou a uma série televisiva? Tal questionamento soa até estranho já que, como outras produções recentes que possuem o selo Globo Filmes, pouco tempo após sua exibição nos cinemas seus filmes ganham "versões estendidas" em forma de minissérie, a exemplo de Chico Xavier, Xingu e Gonzaga - De Pai pra Filho. Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Apesar desta dúvida ficar, uma certeza é inegável: apesar de raso, as belas imagens levam o filme a um patamar melhor e mesmo irregular, Monjardim se esforça para entregar um filme minimamente interessante e em parte consegue (Santo Beato!).

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P.S.: Apesar de tudo o filme de Monjardim perece meus aplausos por pelo menos mais um motivo: me fez despertar a vontade de ler a epopeia literária do célebre Érico Veríssimo. Valeu, Jayme. Só espero que, após a leitura, não acabe desgostando do teu filme.  

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