"O que determina o caráter de um homem? Um amigo meu se perguntou. São suas origens? O modo como ele nasce? Não acredito. São as suas escolhas. Não o modo como ele começa as coisas, mas sim como decide concluí-las". (John Myers, personagem de Rupert Evans, se referindo a Hellboy).
Para mim, mesmo não tendo um conhecimento profundo sobre a mídia original do personagem, Hellboy é uma das melhores adaptações de personagens de histórias em quadrinhos para o cinema, simplesmente por que é eficaz no quesito mais problemático para as diversas tentativas do gênero: o convencimento total do espectador perante os "absurdos" apresentados em tela. Comandado pelo criativo diretor mexicano Guillermo Del Toro (O Labirinto do Fauno), que aqui também assume a co-autoria do script e protagonizado por Ron Perlman (O Nome da Rosa), que interpreta o personagem título e entrega aqui o papel antológico de sua carreira, em resumo este filme parece um Homens de Preto "sério" e surtado, com uma estética visual particular e inventiva, além de um roteiro muito bem dosado entre momentos de ação, suspense e humor.
O filme aborda a chegada de Hellboy à terra, no auge da II Guerra Mundial, através de uma bizarra experiência nazista planejada pelo alquimista russo Rasputin (Karel Roden, de 15 Minutos), que visa à destruição da Terra como nós a conhecemos. Na verdade, o "garoto do inferno" surge como um mero "efeito colateral" da experiência extra-planar do russo, entretanto contribuirá para uma total mudança de paradigma no serviço secreto dos Estados Unidos, visto que aquele é encontrado e posteriormente "adotado" pelo professor Trevor Bruttenholm (John Hurt, de O Espião Que Sabia Demais), que acabaria por ajudar a montar o Bureau de Pesquisa e Defesa Paranormal. Mas, como o mal nunca se esvai por completo, Hellboy voltará a ser ameaçado por eventos de seu passado.
Apesar de em alguns momentos a transição entre os efeitos visuais e os efeitos de maquiagem acabar soando frágil, provavelmente pelo fato do orçamento do filme ter sido reduzido, mas também pelo óbvio envelhecimento das técnicas de efeitos visuais aplicadas à época, visto que o filme data de 2004. Entretanto, mesmo com algumas "falhas" no quesito visual, a estética do filme como um todo é muito bem aplicada e serve como forte elemento narrativo à história do longa. Estão de parabéns o designer Stephen Scott (Doom), o aqui consultor de maquiagem Rick Baker (Videodrome), além do diretor de fotografia Guillermo Navarro (Jackie Brown), que sempre aplica o mesmo nível de esmero seja em filmes blockbusters ou não.
Infelizmente, apesar das boas críticas a seu favor, Hellboy não teve um grande sucesso no âmbito comercial, rendendo pouco além do seu custo de produção. No entanto, isto não se reflete na qualidade do filme, que é um entretenimento fascinante, que cumpre com sobras a missão de apresentar um personagem praticamente desconhecido perante o grande público de maneira consistente e eficiente, dando tridimensionalidade e coerência ao universo distinto do personagem. Bebendo de fontes como H. P. Lovecraft no que tange ao visual das criaturas, do próprio universo dos quadrinhos, além de possuir algumas referências bíblicas (a título de curiosidade, o diretor foi criado num lar fervorosamente católico), Hellboy é, para mim, um dos melhores filme do gênero lançados no ano de 2004, que sofre vez ou outra narrativamente pela necessidade de conceitualizar demais o espectador no universo apresentado, mas que funciona (especialmente na versão do diretor, que contempla alguns minutos a mais), é bem-dosado (dinâmico) e prova-se interessante aos olhos tanto daqueles que já conhecem o personagem quanto dos que nunca souberam de sua existência. Para mim, foi a partir deste filme que Guillermo Del Toro deixou de ser uma promessa para tornar-se uma realidade como cineasta autoral, tanto que seus filmes pós-Hellboy são considerados como os melhores da até então curta carreira do mexicano.
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