Como diabos Shakespeare Apaixonado venceu os filmes Além da Linha Vermelha, de Terrence Malick e O Resgate do Soldado Ryan, de Steven Spielberg, como melhor filme de 1998 de acordo com Academia de Artes Cinematográficas (leia-se Oscar)? Apesar de A Vida é Bela, de Roberto Benigni e Elizabeth, de Shekhar Kapur não possuírem tanto peso na premiação, ainda assim também são filmes mais "caprichados" do que o filme que transforma parte da vida do maior dramaturgo de língua inglesa da história numa caprichada comédia romântica de época, mas que não passa de correta. Com o peso estético e, principalmente, de conteúdo dos filmes de Malick, Spielberg, Kapur e um pouco menos de Benigni, fica difícil aceitar a prevalência dessa fábula inglesa, pois mesmo que a mesma não seja uma má produção, não é nem de longe possível sua classificação como melhor filme entre os citados a pouco.
Deixando de lado a birra quanto ao merecimento ou não da consagração com o Oscar, Shakespeare Apaixonado, dirigido por John Madden (A Prova), é um filme muito bem acabado visualmente, com produção de época grandiosa, incluindo cenários, locações e figurinos impecáveis e toda a pompa do cinema inglês, transvestido aqui de uma curiosa pegada cômica, tornando esta obra ainda mais acessível do que o esperado. Quase que uma sessão da tarde para adultos, a visão dos roteiristas Marc Norman (A Ilha da Garganta Cortada) e Tom Stoppard (Império do Sol) para a persona de um jovem e galanteador William Shakespeare (Joseph Fiennes, de Círculo de Fogo) é contagiante e criativa, mas convenhamos que no fim das contas não passa de uma bobagem super-produzida. Quando a rotulo de bobagem o faço no sentido deste ser um filme leve, sem grandes ambições estético-narrativas, competente como entretenimento, mas que não desprende nem um pouco disso. Mas, apesar disso, Norman e Stoppard acabaram por levar a estatueta dourada de melhor roteiro original. Seria digno de aplausos se este não estivesse concorrendo com O Show de Truman, para mim o verdadeiro merecedor da honraria.
Apesar de tudo, é inegável que Shakespeare Apaixonado tem um elenco de primeira categoria, marcando o primeiro grande papel da carreira de Joseph Fiennes (curiosamente não indicado ao Oscar pelo papel), que mostra-se seguro, carismático e a vontade, apresentando uma bela e expressiva Gwyneth Paltrow (Grandes Esperanças) - tendo John Madden e o diretor de fotografia Richard Greatex realmente extraírdo o máximo da beleza da atriz através de suas lentes -, além dos veteranos Geoffrey Rush (Munique), Tom Wilkinson (Batman Begins) e Imelda Staunton (O Despertar), o pré-astro Ben Affleck (O Pagamento) e um ainda não tão conhecido Colin Firth (O Espião Que Sabia Demais), além da veterana Judi Dench (Notas Sobre um Escândalo), que curiosamente acabou abocanhando o Oscar de atriz coadjuvante por sua interpretação da Elizabeth, enquanto sua conterrânea Cate Blanchett (O Aviador) acabou preterida na categoria principal, mesmo interpretando a mesma rainha no filme homônimo. Advinha para quem sobrou o prêmio? Obviamente para Gwyneth Paltrow, que realmente apresenta um trabalho competente e maduro, mas não sei se digno da premiação.
Mesmo com esta enxurrada de prêmios injustificáveis, Shakespare Apaixonado é um bom filme, criativo, divertido e com altas doses de romantismo, além de apresentar-se como um tributo descompromissado a um dos mais queridos dramaturgos de todos os tempos. Contudo, como o tempo pode ser cruel, é inquestionável que dentre os filmes citados como concorrentes dele este é o menos lembrado, mesmo com tantos prêmios arrebatados, prova esta de que o caráter de perpetuação de uma grande obra passa longe dos louros conquistados em seu tempo e das politicagens por trás dos panos (estas existem em todo lugar, concorda?), mas sim da sua sustentação na história e no tempo, quando a mesma é lembrada e saudada como imbatível e importante não importa quantos anos acabem por passar e, mesmo sendo uma obra interessante, bem-acabada e divertida, não encontra-se no rol dos filmes imperdíveis e inesquecíveis.
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