"Você usa tanto uma máscara que acaba esquecendo quem você é".
"Por trás desta máscara há mais do que carne e sangue; por trás desta máscara há uma ideia, e as ideias são à prova de balas". (V, interpretado por Hugo Weaving).
Mais do que um filme de óbvios contornos políticos e filosóficos, V de Vingança é um filme sobre identidade. Contudo, não me refiro a identidade de caráter personalíssimo, individual, mas sim a identidade ligada à liberdade, a possibilidade de escolha, a honra a própria moral, em suma, ao caráter intrínseco ao indivíduo, sem amarras partidárias, sem apartes raciais, sem viseiras quanto ao ser e quanto ao exercer. Adaptação de uma graphic novel lançada na década de 1980, escrita pelo inglês Alan Moore (mesmo autor da obra-prima Wacthmen e que renega qualquer uma de suas obras adaptadas) e ilustrada pelo também inglês David Llloyd, o filme V de Vingança é um raro acerto no espectro dos blockbusters hollywoodianos, visto que é um filme de conceitos (questionáveis ou não) "fortes" e "pesados", de âmbito altamente reflexivos, mas que não deixa de funcionar como uma peça de entretenimento e se vês ou outra acaba pecando pela tentativa um tanto quanto forçada de tornar-se um produto mais estilizado e próximo as convenções "atuais" no que se refere aos filmes de verão do seu escopo pede, não deixa de encontrar-se como uma das grandes surpresas do gênero e uma obra que mantém-se interessante e atual até hoje (a exemplo da graphic novel que o originou), mesmo que não seja perfeita.
Projeto dos sonhos dos irmãos Wachowski - para quem não sabe os criadores de Matrix -, o filme tem estes apenas como roteiristas e produtores, visto que a direção acabou ficando nas mãos do até então marinheiro de primeira viagem James McTeigue (O Corvo). Obviamente que muito da pegada e estilo que os Wachowski desenvolveram em sua carreira estão impressos em V de Vingança, o que à época do lançamento do filme gerou muita polêmica acerca de se esses teriam dirigido ou não a produção. Intrigas a parte, é certo que McTeigue (que antes do filme fora assistente de direção da trilogia Matrix, por exemplo) carrega uma influência narrativa dos Wachowski muito forte, seja na composição das cenas ou na opção pelos cortes rápidos, mas principalmente na "homenagem" ao antes revolucionário efeito bullet-time empregado no clímax deste filme, o que ao meu ver destaca um trisco de imaturidade e falta de identidade do diretor, sendo uma sequência dramaticamente e narrativamente vazia à proposta vendida pelo filme até então. Há quem diga que tal cena fora uma imposição dos produtores. Sendo ou não, para mim é inegável que fez mal à obra.
O filme traz como personagens principais Evey (Natalie Portman, Cisne Negro), órfã que nutre certo descontentamento com política atual da Inglaterra apresentada no filme (a trama se passa num futuro distópico, tendo uma sociedade dominada por um governo totalitarista) e V (Hugo Weaving, Capitão América: O Primeiro Vingador), um até então desconhecido terrorista que utiliza uma máscara que estampa o rosto de Guy Fawkes, historicamente conhecido como o sujeito que tentou explodir o parlamento inglês no século XVII, na noite de 5 de novembro, data esta altamente representativa para o personagem título. Como uma obra com caráter de debate político-social e dona de contornos de distopia futurista, obviamente muito mais é exposto e discorrido no e pelo filme, entretanto o elo entre estas duas personas pode ser considerado como o coração da obra.
Mesmo com a trama sendo o grande chamariz do filme, não há como não destacar o trabalho dos atores envolvidos, até por que muito da credibilidade vendida pelo filme depende da competência desses. Contando com alguns bons nomes do cinema britânico, como o veterano John Hurt (Hellboy), Tim Piggot-Smith (Alice no País das Maravilhas), Stephen Fry (Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras), Roger Allam (Speed Racer) e Stephen Rea (Traídos pelo Desejo), mais uma vez com sua expressão de cansaço. Natalie Portman também se destaca, principalmente pela entrega a personagem, mas para mim o grande nome do filme é Hugo Weaving, que transmite uma miríade de sentimentos empregando apenas a modulação de voz e uns poucos gestos, construindo um personagem não menos do que interessante e de cerne trágico.
No quesito técnico, V de Vingança, apesar de não ser um mar de criatividade, é bem acabado e funciona muito bem. Cenograficamente o filme funciona, principalmente devido ao bom trabalho de Owen Paterson (Matrix), que consegue estabelecer um ambiente distante, mas não tanto, dos nossos dias. A fotografia de Adrian Biddle (Aliens, o Resgate), apesar de não surpreender, cumpre bem seu papel de destacar a realidade do filme e estabelecer as semelhanças e diferenças entre as duas caras do filme, personalizadas pelos personagens de Portman e Weaving. Falando nisso, é bacana o número de inferências visuais estabelecidas por James McTiegue e sua equipe, no que se refere a contraposição dessas personagens citadas. Seja logo no início do filme, quando acompanhamos ambos em ambientes distintos mas praticamente completando as ações um do outro, plantando a ideia de que esses desenvolveriam uma relação quase que simbiótica um com outro e atingindo seu ápice quando são confrontadas a imagem de V num ambiente onde o fogo predomina com a imagem de Evey sob uma chuva torrencial, sedimentando a ideia de que ambos, V e Evey, nada mais são do que iguais, dois lados de uma mesma moeda.
Inquestionavelmente político, V de Vingança aborda o espectro da intolerância, do medo e do cerceamento da liberdade de maneira tão visceral que acaba por ecoar até mesmo em nossa sociedade ocidental atual, onde mesmo sob a égide do regime democrático, vez ou outra acaba tomando rumos ou ações que vão de encontro ao próprio cerne de "governo do povo", para a mais do que batida assertiva "governa o povo". Ideologicamente, concordando ou não com as ideias propagadas, o filme é bastante coerente, o que pode acabar por incomodar alguns ou até mesmo criar pensamentos distorcidos em outros, até por que apesar dos elementos óbvios de terrorismo impregnados à trama, não é esta a bandeira disposta pela obra.
Conteúdo e discussão à parte, acredito eu que o que acaba por fragilizar um pouco a obra como um todo é a opção estética de algumas cenas de ação - àquelas que emulam o efeito Matrix -, que tendem a desviar o foco de atenção do filme para algo no mínimo dispensável e a opção dos Wachowski por criar uma espécie de virada no personagem V, quando este no clímax do filme praticamente abandona sua missão maior de liberdade e parte apenas para o desfecho de sua vingança pessoal, que não deixa de ser importante para o personagem, contudo era apenas mais uma engrenagem dentro do grande estratagema desenvolvido pelo mascarado por mais de dez anos. Para mim, ao dar "de presente" a responsabilidade a Evey, to o conceito vendido ao espectador de que "por trás da máscara não existe carne ou sangue, mas sim uma ideia" é diluído consideravelmente, visto que as duas "missões" não seriam necessariamente excludentes.
V de Vingança é um filme no mínimo chocante, que consegue entreter ao mesmo tempo em que desperta reflexões várias, seja no âmbito político-social, seja acerca das idiossincrasias do homem. Apesar de ter sido vendido como um filme de ação, mesmo com um forte cunho político, o grande barato da obra encontra-se na qualidade dos seus diálogos (por sinal, nada fáceis) e no estabelecimento de um cenário tanto encantador (no sentido estético, não conceitual) quanto reconhecível, especialmente pelos óbvios paralelos a eventos vindos da nossa história, como os regimes totalitaristas (fascismo e nazismo) e o período da administração de Margareth Thatcher como I Ministra do Reino Unido, nos anos 1980 (referência esta uma das principais da graphic novel de Alan Moore). V de Vingança tem seus problemas, mas em comparação ao efeito catártico e imersivo provocado esses acabam sendo tão ínfimos que não conseguem abalar o poder do filme como um todo. Seja por provocar reflexões no âmbito político, seja pelas chamadas acerca da necessária reconstrução moral de cada indivíduo ou mesmo pela ação inserta na obra, eis um filme que mantém-se forte, interessante, atual e surpreendentemente (em comparação as obras atuais cada vez mais rasas) bom.
AVALIAÇÃO:No quesito técnico, V de Vingança, apesar de não ser um mar de criatividade, é bem acabado e funciona muito bem. Cenograficamente o filme funciona, principalmente devido ao bom trabalho de Owen Paterson (Matrix), que consegue estabelecer um ambiente distante, mas não tanto, dos nossos dias. A fotografia de Adrian Biddle (Aliens, o Resgate), apesar de não surpreender, cumpre bem seu papel de destacar a realidade do filme e estabelecer as semelhanças e diferenças entre as duas caras do filme, personalizadas pelos personagens de Portman e Weaving. Falando nisso, é bacana o número de inferências visuais estabelecidas por James McTiegue e sua equipe, no que se refere a contraposição dessas personagens citadas. Seja logo no início do filme, quando acompanhamos ambos em ambientes distintos mas praticamente completando as ações um do outro, plantando a ideia de que esses desenvolveriam uma relação quase que simbiótica um com outro e atingindo seu ápice quando são confrontadas a imagem de V num ambiente onde o fogo predomina com a imagem de Evey sob uma chuva torrencial, sedimentando a ideia de que ambos, V e Evey, nada mais são do que iguais, dois lados de uma mesma moeda.
Inquestionavelmente político, V de Vingança aborda o espectro da intolerância, do medo e do cerceamento da liberdade de maneira tão visceral que acaba por ecoar até mesmo em nossa sociedade ocidental atual, onde mesmo sob a égide do regime democrático, vez ou outra acaba tomando rumos ou ações que vão de encontro ao próprio cerne de "governo do povo", para a mais do que batida assertiva "governa o povo". Ideologicamente, concordando ou não com as ideias propagadas, o filme é bastante coerente, o que pode acabar por incomodar alguns ou até mesmo criar pensamentos distorcidos em outros, até por que apesar dos elementos óbvios de terrorismo impregnados à trama, não é esta a bandeira disposta pela obra.
Conteúdo e discussão à parte, acredito eu que o que acaba por fragilizar um pouco a obra como um todo é a opção estética de algumas cenas de ação - àquelas que emulam o efeito Matrix -, que tendem a desviar o foco de atenção do filme para algo no mínimo dispensável e a opção dos Wachowski por criar uma espécie de virada no personagem V, quando este no clímax do filme praticamente abandona sua missão maior de liberdade e parte apenas para o desfecho de sua vingança pessoal, que não deixa de ser importante para o personagem, contudo era apenas mais uma engrenagem dentro do grande estratagema desenvolvido pelo mascarado por mais de dez anos. Para mim, ao dar "de presente" a responsabilidade a Evey, to o conceito vendido ao espectador de que "por trás da máscara não existe carne ou sangue, mas sim uma ideia" é diluído consideravelmente, visto que as duas "missões" não seriam necessariamente excludentes.
V de Vingança é um filme no mínimo chocante, que consegue entreter ao mesmo tempo em que desperta reflexões várias, seja no âmbito político-social, seja acerca das idiossincrasias do homem. Apesar de ter sido vendido como um filme de ação, mesmo com um forte cunho político, o grande barato da obra encontra-se na qualidade dos seus diálogos (por sinal, nada fáceis) e no estabelecimento de um cenário tanto encantador (no sentido estético, não conceitual) quanto reconhecível, especialmente pelos óbvios paralelos a eventos vindos da nossa história, como os regimes totalitaristas (fascismo e nazismo) e o período da administração de Margareth Thatcher como I Ministra do Reino Unido, nos anos 1980 (referência esta uma das principais da graphic novel de Alan Moore). V de Vingança tem seus problemas, mas em comparação ao efeito catártico e imersivo provocado esses acabam sendo tão ínfimos que não conseguem abalar o poder do filme como um todo. Seja por provocar reflexões no âmbito político, seja pelas chamadas acerca da necessária reconstrução moral de cada indivíduo ou mesmo pela ação inserta na obra, eis um filme que mantém-se forte, interessante, atual e surpreendentemente (em comparação as obras atuais cada vez mais rasas) bom.
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