Até mesmo os filmes menos conhecidos de Alfred Hitchcock possivelmente mostrar-se-ão excelentes, vide este que foi o penúltimo trabalho do mestre do suspense, intitulado Frenesi. Ambientado na Inglaterra, o filme marca a volta do cineasta a seu país e o mesmo constrói aqui uma obra de suspense (e certo humor negro) de primeira categoria, que tem como ponto de partida os ataques do intitulado assassino da gravata, que violenta suas vítimas antes de matá-las. Porém, apesar do mistério do assassino (que, por sinal, tem sua identidade revelada ao público rapidamente, uma das marcas de Hitchcock), o que acaba por chamar mais a atenção no que se refere a trama é todo o processo de incriminação de um inocente (mas dono de antecedentes no mínimo duvidosos) e a paranoia advinda deste. É certo que, para o filme funcionar à perfeição, são dispostos no roteiro vários elementos de improvável coincidência, mas que nas mãos de Hitchcock funcionam à perfeição.
Podendo ser definido como excitação ou arrebatamento, o substantivo Frenesi resume bem a que se propôs o filme, especialmente no sentido da paranoia sofrida pelo personagem de Jon Finch, o homem falsamente incriminado. Finch, com um visual que lembra bastante Johnny Depp no filme Donnie Brasko, de Mike Newell, carrega bem o filme, construindo um personagem enigmático e de índole confusa, o que ajuda a comprar a ideia do personagem estar sendo acusado falsamente. Barry Foster, que veste a "máscara" do assassino, transborda carisma e "cafajestice" em seu personagem, dando um ar bastante teatral a este, o que funciona perfeitamente ao filme, que mesmo tendo no suspense seu carro chefe, apresenta um emaranhado de referências, especialmente em tons de ironia.
Desde a cena de abertura apresentada através de um travelling que perpassa o rio Tâmisa, indo de encontro a um discurso político na orla, passando pelos mais variados enquadramentos caprichados de Hitchcock - juntamente ao diretor de fotografia do filme, Gilbert Taylor (Star Wars: Uma Nova Esperança) - e pela eficiente trilha sonora composta por Ron Goodwin (O Desafio das Águias), Frenesi é primoroso, trazendo o cineasta britânico ainda em grande forma e, se não é tido como um dos seus trabalhos mais importantes, com certeza não figura muito abaixo destes, provando que Hitchcock é um dos raros realizadores que possuem uma filmografia praticamente irrepreensível (ainda não tive o desgosto de conferir a um filme ruim seu).
Tendo sua primeira exibição pública no Festival de Cannes - fora de competição -, esta livre adaptação (como quase todas de Hitchcock) do romance Goodbye Piccadilly, Farewell Leicester Square, de Arthur La Bern (que não curtiu muita as alterações realizados para o filme), foi indicado à quatro prêmios do Globo de Ouro (Melhor Diretor, Melhor Filme Dramático, Melhor Trilha Sonora Original e Melhor Roteiro) e, mesmo saindo de mãos vazias, com certeza não foi por falta de qualidade. Marcando o retorno de Alfred Hitchcock aos filmes de suspense após algumas tentativas não tão bem sucedidas por outros gêneros, Frenesi é um filmaço e, ao meu ver, caminho lado a lado (mesmo que um pouco abaixo dos seus filmes mais inspirados) aos grandes trabalhos deste que é um dos melhores contadores de histórias de todos os tempos.
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