06 outubro, 2012

Sombras da Noite (Dark Shadows, EUA, 2012).


"Cada família tem seus demônios". (Frase promocional contida no cartaz oficial do filme).
É inegável o talento de Tim Burton (Edward Mãos-de-Tesoura) como cineasta, especialmente no que se refere a concepção visual de seus filmes, seja através do design de produção, figurino e maquiagem, ou mesmo através das opções estilístico-visuais de sua fotografia, optando quase sempre por angulações e planos que conferem a seus trabalhos um certo diferencial em comparação a outros tantos do gênero. Todavia, nem todo este cuidado e dedicação enquanto diretor tornaria Sombras da Noite num grande filme se o seu roteiro não é bem trabalhado e o fato é que a história escrita por Seth Grahame-Smith (Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros) e John August (A Noiva Cadáver), apesar de promissora, é desenvolvida de maneira confusa e com pouco sentido lógico, mesmo para um filme obviamente fantasioso e, por si só, liberto de certas amarras. Uma pena, pois o trailer promocional do filme vendia algo que completamente distante do apresentado pelo mesmo, sendo a abordagem daquele bem mais interessante do que a do filme em si.

Um dos pontos que geram maior incômodo é a mudança abrupta de clima e abordagem da obra, que tem início com um prólogo promissor - por sinal, só ele possivelmente já daria um bom filme - dotado de uma pegada "romântico-dark" à lá Drácula de Bram Stoker, de Francis Ford Coppola, mas que é rapidamente substituída por um misto de comédia de costumes com aventura "gótica" que não encaixa, gerando inclusive algumas situações absurdamente forçadas, muito em razão do excesso de personagens teoricamente importantes à trama e a opção nada interessante dos roteiristas de mostrarem (e sumirem com os mesmos também) estes quando bem entendem, numa forma de preencher alguma lacuna da cena então apresentada. Enfim, à exceção de Barnabas Collins, interpretado por Johnny Depp (Piratas do Caribe: Navegando em Águas Perigosas), que é o protagonista do filme, os demais surgem e somem  de acordo com a conveniência de Grahame-Smith e August.

Falando em elenco, é óbvio o quilate do mesmo. Nomes como Michelle Pfeiffer (Batman: O Retorno), Eva Green (Sentidos do Amor), Chloe Grace Moretz (Kick-Ass - Quebrando Tudo), Jack Earle Haley (Pecados Íntimos) e Jonny Lee Miller (Melina e Melinda) dispensam apresentações, mas é notável que alguns destes são totalmente desperdiçados à trama proposta, mas também pela falta de perícia de Burton, que como destacado possui uma técnica de condução visual que beira a excelência, mas carece de mais tato quanto a direção de atores, talvez o maior calcanhar de aquiles do cultuado cineasta. Destes nomes, destacam-se mesmo Pfeiffer e Green, que abraçam suas respectivas personagens e parecem "entrar na brincadeira" proposta pelos realizadores, sem exageros ou tentativas de chamar a atenção, mesmo que Green aposte mais no over-acting, até por que tanto o filme quanto sua personagem pedem isso. Completando o elenco de coadjuvantes principais temos os até então desconhecidos Gulliver McGrath (A Invenção de Hugo Cabret) e Bella Heathcote (O Preço do Amanhã), que mostram-se bem quando em cena (como dito, são muitos personagens "importantes" dividindo cerca de duas horas de projeção), valendo a pena destacar que a última interpreta a descendente direta do grande amor do personagem de Depp e é peça central as pretensões da trama (ou deveria ser).

Mas o que falar de Johnny Depp? Figurinha carimbada nas produções assinadas por Tim Burton, Depp confirma aqui a quinta parceria (de um total de oito até então) seguida com o diretor e, mesmo que não se sobressaia em nenhum momento, apresenta uma interpretação até certo ponto contida e agradável, longe das cada vez mais comuns (infelizmente) performances exageradas e quase que totalmente apoiadas em efeitos de maquiagem (obviamente este aspecto se repete aqui) e em caras e bocas, mas também acaba por não trazer nada de interessante, até por que é notório que seu personagem não é lá dos mais interessantes, seja por seu conflito ser posto de maneira simplória ou talvez pela má construção de suas motivações pelos roteiristas. 

Creio que o personagem Jack Sparrow, da franquia Piratas do Caribe, foi o último respiro de larga inspiração de Depp, mas que fatalmente se transmutou numa espécie de "maldição" (sem referência direta a seu personagem em Sombras da Noite, Barnabas Collins) para o ator, visto que sequência após sequência Depp foi apenas repetindo os maneirismos empregados no filme original, além de não ter construído nestes quase dez anos que sucedem o marco inicial dessa franquia (em 2003) sequer um personagem que despertasse grande atenção, pelo contrário, nos brindou com diversos clones mal-feitos de Sparrow (filmes como Janela Secreta, de David Koepp e O Turista, de Florian Henckel von Donnersmack não me deixam mentir) o que é no mínimo uma pena, especialmente se levarmos em conta a riqueza de personagens e o cuidado que o ator teve na composição destes na década anterior, em títulos como Gilbert Grape, de Lasse Hällstrom, Donnie Brasco, de Mike Newell Medo e Delírio, de Terry Gilliam, por exemplo. É, sinto cada vez mais saudades daquele Johnny Depp.

Talvez pelo grande destaque dado aos aspectos frágeis de Sombras da Noite tenha sugerido a impressão de que este não é um bom filme, o que não é completamente verdade. Obviamente a obra tem muitos problemas, mas estes não chegam a abalar o objetivo principal da mesma, que é a de entreter. É certo que um espectador mais exigente possivelmente identificará esses e outros problemas no filme, especialmente no que se refere ao seu roteiro, mas a obra tem seus momentos e, mesmo com seu problema em conduzir elenco, Burton é um excelente cineasta e o filme vale ser visto apenas para acompanhar o seu trabalho como diretor. Possuidor de um desfecho exagerado e, convenhamos, forçado - me refiro a toda a construção do mesmo, não só ao seu clímax - e de um "gancho" no encerramento simplesmente desnecessário, Sombras da Noite tem lá seus excessos, não convence por completo, mas é notório que possui boas intenções (ora bolas, esta é a adaptação de um dos programas de tevê prediletos de Burton e Depp quando crianças), um elenco - mesmo que subaproveitado - bem colocado, efeitos visuais de primeira, um clima legal e, por não lembrar nem de perto o último trabalho de Burton como diretor, o quase intragável Alice no País das Maravilhas, se qualifica ainda mais. Por fim, destaco mais um ponto positivo (o veterano ator Christopher Lee aparece numa ponta de praxe) e um negativo (o que diabos a presença de Alice Cooper - que ainda é creditada por sinal - traz de relevância à trama do filme, especialmente por que o mesmo entra mudo e sai calado?). 

AVALIAÇÃO:
TRAILER

Mais Informações:
Bilheteria:
Filmes de TIM BURTON comentados no CineMografia.

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