"Não sou fascista! Não sou comunista! Não sou covarde! Eu sou Tenório Cavalcanti! E sou macho!" (Discurso de Cavalcanti, interpretado por José Wilker, que ainda ecoa bastante nas matizes políticas do país, especialmente quanto a justificação de determinados atos públicos por parte de nossos representantes em cargos eletivos).Nada mais apropriado do que às vésperas da corrida eletiva do domingo próximo conferir um filme no qual o papel político é mais do que um cenário, mas sim essência. Obviamente que recheado de certa "glamourização", especialmente por se tratar da biografia de um personagem de grande poder mítico, O Homem da Capa Preta, de Sérgio Rezende (Zuzu Angel), é um grande filme. Não só no âmbito técnico - no qual é realmente excepcional -, mas também no âmbito narrativo, visto que por optar pelo estilo "surrealista", no sentido de alguns rompantes de exagero serem postos como forma de certificar o filme como uma impressão acerca dos eventos da vida de Tenório Cavalcanti, o personagem título, mais como um ente sobressalente à realidade da época do que um ser de carne e osso - os mais de 40 tiros que tomou e que não o mataram que o digam. Obviamente que esta estilização abre margem para discursos de questionamento quanto aos objetivos do filme em "endeusar" uma personalidade tão dúbia e polêmica (para ficar no mínimo), mas nada exclui a importância e qualidade do filme como filme que é.
Ambientado principalmente entre as décadas de 1940 e 1950 e abraçando muito a ideia de Cavalcanti (José Wilker, de Dona Flor e seus Dois Maridos) como uma espécie de figura messiânica para com a classe pobre (especialmente os retirantes nordestinos) da cidade de Caxias, no Rio de Janeiro e sua luta literalmente à sangue, ferro e fogo contra as oligarquias e membros da elite político-econômica da região, O Homem da Capa Preta não nega o signo de "Robin-Hoodinização" da personagem título, porém mesmo com a prevalência deste ponto de vista, não deixa de apresentá-lo como um sujeito violento e intolerante, que surge como uma solução a um sistema viciado e corrupto (que mantém ecos até hoje), mas prontamente não como uma ideal. O longa de Sérgio Rezende divide-se em apresentar o seio familiar de Cavalcanti, onde este aparentemente o relega a segundo plano, em detrimento a suas dívidas com relação ao povo que o elegeu (primeiramente como Deputado Estadual, posteriormente na cadeira de Deputado Federal) e a quem este protege e os atritos (muitos deles regados a muita violência) do apelidado "político pistoleiro" com seus rivais políticos. Em suma, mesmo que alguns elementos que formaram a persona de Tenório Cavalcanti não tenham sido explicitados pelo roteiro de Rezende, José Louzeiro (Pixote, a Lei do Mais Fraco) e Tairone Feitosa, o filme se sustenta principalmente por manter uma coerência narrativa e "ideológica" do início ao fim.
Um dos pontos de destaque do filme encontra-se no elenco de O Homem da Capa Preta: José Wilker encarna à perfeição o papel do polêmico e temido alagoano Natalício Tenório Cavalcanti de Albuquerque, principalmente no que concerne ao poder de retórica e ao carisma aplicado, transmutando o personagem em sua própria figura, dando uma dimensão de profundidade ao mesmo impecável. Marieta Severo (Sonhos Roubados) traz fragilidade e beleza a dona Zina, esposa de Cavalcanti, mesmo num papel um tanto quanto diminuto, onde aparece mais através de expressões e reações de olhares do que através de diálogos. Também são destaques no filme as presenças fortes e extremamente carismáticas de Paulo Villaça (A Dama do Lotação) e de Tonico Pereira (Redentor), respectivamente como o delegado Maragato e o policial Bereco. Por fim, mas não menos importante, Jonas Bloch (Amarelo Manga) e Chico Díaz (Gabriela), que trazem um pouco de humanidade (no sentido positivado) ao filme.
Acrescido ao elenco, tem-se o brilhante trabalho de fotografia do hoje consagrado cinematógrafo César Charlone (Cidade de Deus), que constrói ambientes interessantíssimos através de suas lentes, ângulos e tomadas precisas, sendo responsável, juntamente a também excepcional trilha sonora assinada por David Tygel (Lamarca), pelo estabelecimento da atmosfera e dos climas explorados por todo o filme.
Vencedor dos prêmios de melhor filme (júri e público), melhor ator (Wilker), melhor atriz (Severo) e melhor música original (Tygel) no Festival de Cinema de Gramado, esta obra de Sérgio Rezende continua interessante e apropriada, especialmente no âmbito técnico, visto que sua abordagem dramática e opção estético-narrativa hoje pode soar artificial em um ou outro momento, mas no quesito geral o filme prevalece como uma obra competente e referência para o gênero. Apesar de ainda passível de polêmica quanto à visão particular empregada por Resende acerca do personagem de Tenório Cavalcanti, O Homem da Capa Preta é um filme corajoso, eficiente e, por que não, visionário, especialmente quando após sua conferida torna-se fácil identificar que, mesmo com o processo de redemocratização impregnado no país há mais de duas décadas, com a instituição da Constituição Federal de 1988, muitos dos elementos e vícios registrados aqui na esfera política (seja dentro ou fora dos recintos administrativos) continuam a prevalecer atualmente. Por isso mesmo, independentemente da figura central ao qual o filme se dirige, repito a frase introdutória do texto: "Nada mais apropriado do que às vésperas da corrida eletiva do domingo próximo conferir um filme no qual o papel político é mais do que um cenário, mas sim essência".
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