"... o Brasil jamais teve cidadãos. Nós, a classe média, não queremos direitos. Nós queremos privilégios. E os pobres não tem direitos. Não há, pois, cidadania neste país. Nunca houve" (Trecho de discurso do geógrafo e intelectual brasileiro, Milton Santos).
"A democracia em que vivemos é uma democracia sequestrada, condicionada, amputada, por que o poder do cidadão, o poder de cada um de nós, limita-se, na esfera política, a tirar um governo de que não gosta e por outro de que talvez venha a gostar. Nada mais. As grandes decisões são tomadas numa outra grande esfera e todos nós sabemos qual é. As grandes organizações financeiras internacionais, os FMIs, as organizações mundial de comércio, os bancos mundiais, tudo isso e nenhum desses organismos é democrático. Portanto, como é podemos continuar a falar de democracia se aqueles que efetivamente governam o mundo não são elegidos democraticamente pelo povo? Quem é que escolhe os representantes dos países nestas organizações? Onde está então a democracia?" (Trecho de discurso do escritor e jornalista português vencedor do Prêmio Nobel, José Saramago).
O documentário dirigido por Silvio Tendler (Os Anos JK) é parcial e possivelmente não deve ser compreendido em sua totalidade como registro da verdade absoluta. Todavia, é bastante óbvio que a discussão apresentada pelo mesmo é válida, urgente e atual, pois o alarmante contraste econômico-social advindo principalmente após o processo de globalização é absurdamente largo e com isso diversas formas de pensamento contrárias a ordem politicamente dominante são rechaçadas, o que é no mínimo irônico por estarmos inseridos no exaltado (e possivelmente superestimado e utópico) regime democrático. Assim como o geógrafo baiano Milton Santos, não sou vinculado a nenhum partido político, nem hasteio bandeiras de cunho ideológico, pois também acredito na pluralidade de ideias e pensamentos, mas é certo que as mensagens elencadas em Encontro com Milton Santos ou: O Mundo Global Visto do Lado de Cá despertam sérias reflexões quanto a condução do nosso mundo e de como este estará amanhã.
A bem verdade praticamente nada do que é abordado no filme de Silvio Tendler pode ser considerado novidade, até por que a miséria, mesmo decupada, colorida e estilizada apresentada pelos veículos midiáticos, se fazem presente no nosso dia a dia, porém como dito optamos por fecharmos os olhos, por comodismo ou culpa, mas o fato é que estes assim permanecem. Se o filme é de esquerda, de direita ou de centro, ao meu ver isso pouco importa, pois a mensagem transmitida pelo mesmo é rica, válida e urgente, merece estudo e reflexão, deve ser compartilhada, analisada e comparada, pois mesmo que haja - como em qualquer manifestação individual ou coletiva - parcialidade na abordagem de algumas discussões, a essência do discurso é importante e não pede apenas concordância à urgência de mudanças, mas sim da prática de ações, que por sinal vem ocorrendo, apesar da não participação do Estado ou das organizações econômicas como incentivadoras.
É importante destacar a presença dos artistas Beth Goulart, Fernando Montenegro, Matheus Nachtergaele, Milton Gonçalves e Osmar Prado como narradores do documentário, pois acabam por autenticar o caráter plural do projeto, já que acabam "emprestar" seu renome e visibilidade a um produto de tema tão delicado e polêmico, porém como registrado mais de uma vez, importantíssimo de ser debatido. Além destes, há depoimentos de gente do naipe de José Saramago, Eduardo Galeano e do saudoso Milton Santos, que abrilhanta a discussão ao dispor - sempre com um grande sorriso no rosto - argumentos precisos acerca da condição distinta do povo latino-americano e de sua tendência em absorver tudo e todos no que se refere a costumes, tendências e estilo do que é exportado pelos Estados Unidos e Europa. Obviamente a discussão não se limita as peculiaridades dos efeitos da globalização no âmbito da América Latina, pois o continente africano também tem grande importância aos conceitos apresentados pelo filme, mas aquele com certeza é o personagem principal da obra, representado pelos vários guerreiros e guerreiras que digladiam a todo momento contra as paredes do sistema político-econômico-social vigente e vencem pequenas batalhas rumo a conquista de dignidade e visibilidade social.
Bem mais preocupado com o conteúdo do que com a forma ou a técnica, Encontro com Milton Santos ou: O Mundo Global Visto do Lado de Cá é bastante convencional em sua abordagem, inclusive aproveitando ao máximo a imagem (e depoimentos) de Milton Santos como personagem central à trama, deixando as demais personagens como muletas conceituais aos dizeres do hoje falecido geógrafo brasileiro. Dividido em atos, o documentário não apresenta grandes artifícios narrativos ou um ritmo diferenciado, mas consegue envolver pela proposta da discussão e chama a atenção pela alternância de narradores durante a projeção.
Bem mais preocupado com o conteúdo do que com a forma ou a técnica, Encontro com Milton Santos ou: O Mundo Global Visto do Lado de Cá é bastante convencional em sua abordagem, inclusive aproveitando ao máximo a imagem (e depoimentos) de Milton Santos como personagem central à trama, deixando as demais personagens como muletas conceituais aos dizeres do hoje falecido geógrafo brasileiro. Dividido em atos, o documentário não apresenta grandes artifícios narrativos ou um ritmo diferenciado, mas consegue envolver pela proposta da discussão e chama a atenção pela alternância de narradores durante a projeção.
Por fim, talvez ao termo que mais represente o objetivo da obra e, principalmente, a ideologia da personagem principal da obra seja a solidariedade. Esta é uma palavra bela, muito falada, mas dificílima de ser praticada, pois tirar o pouco de seja de si e entregar ao outro sem um mínimo de rancor ou dúvida é praticamente impossível para o ser humano hoje, construído e reconstruído num ambiente entrecortado por egoísmo e sonhos individuais. Essa parece ser a realidade nossa e, ainda mais tristemente, do brasileiro, filho nato da religião como muleta da vida, religião esta que apregoa a fraternidade e, por conseguinte, a solidariedade como finalidade mor (não fora Jesus que cedeu a outra face para que também fosse espancada? ), mas que é insistentemente relegada pelos crentes mais devotos, muito em função da ambição, do egoísmo e da hipocrisia social, sobrando apenas a velha máxima contraditória "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço" a catequizar as próximas gerações. Vítima eu, vítima tu e assim nós vamos.
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