"Nos movendo na velocidade da luz, somos obrigados a colidir uns com os outros" (Livre tradução da frase disposta no poster oficial do filme).
Passados quase dez anos deste a feitura e lançamento do filme Crash - No Limite, é incrível e ao mesmo tempo triste o quanto este ainda reflete a imagem deturpada de ser um ser humano nesta era egocêntrica e individualista na qual passeamos. Tratando muito mais do que espelhar o racismo nascido, desenvolvido e transparecido por nós todos, o filme escrito e dirigido por Paul Haggis - até então conhecido pelo roteiro do filme Menina de Ouro - surge como um soco de realidade quando mostra sem meias palavras ou metáforas vazias o quão a hipocrisia faz parte do escopo humano, cabendo a nós termos consciência ou não de sua existência em nossas vidas. Recheado de arquétipos mistos, sendo praticamente impossível apontar um vilão e um herói por completude, Haggis e o co-roteirista Bobby Moresco (Esquina da Máfia) evitam a todo custo cair no pedantismo ou investir em maniqueísmo, pois optam por construir personagens que espelham ao máximo os sentimentos, dogmas e paradigmas carregados por eles mesmos e, por que não, por todos nós.
De efeito catártico, até hoje Crash - No Limite não é uma unanimidade, sendo considerado excessivo por alguns ou até mesmo excessivamente manipulador. Besteira, pois mesmo não sendo uma obra perfeita como cinema e caindo no mesmo erro de excesso de coincidências inerente a filmes com vários personagens que em algum momento são interligados uns aos outros por algum tipo de evento, a forte mensagem do filme sagra-se como de extrema importância tanto para reflexão do que temos feito, quanto daquilo que viremos a fazer. Não importa o tipo apresentado (um promotor de justiça branco, um chaveiro e ex-presidiário latino, um detetive de polícia negro, um oficial de polícia branco...), todos nos provocam momentos de catarse, pois indubitavelmente pensamos, agimos ou nos comportamos de maneira parecida com eles. É obvio que muitos momentos do filme são sensivelmente "aumentados" com a finalidade de causar maior impacto narrativo, porém o sentido continua válido e representa muito bem cada um de nós como indivíduos falhos e possivelmente perdidos numa sociedade estruturada com o slogan da insaciedade infinita.
Tecnicamente não vejo muito o que destacar no filme. Com pouco orçamento, percebe-se que muito foi feito nas coxas, utilizando iluminação natural e pouca elaboração em termos de planos e enquadramentos. Há uma óbvia linguagem documental no filme, o que acrescenta bastante em termos de verosimilhança ao mesmo. Entretanto, apesar de não chamar muito a atenção, algumas escolhas de Haggis são interessantes, como a de mediar o nível social da personagem abordada através do posicionamento de câmera - é notável que vemos o chaveiro, personagem de Michael Peña (Marcados para Morrer), num ângulo abaixo da personagem de Sandra Bullock (Um Sonho Possível), por exemplo, em razão de sua "inexpressividade" no momento. Tal técnica é utilizada em outros momentos, realçando a visão das personagens perante as outras, estabelecendo assim uma óbvia distinção sócio-racial. A música do filme também é bem posto, sendo bastante utilizada nos momentos de maior importância do filme, ampliando no limite o tom de emoção a ser despertado no espectador. Apesar de não ser diferenciada, a trilha de Mark Isham (A Morte Pede Carona) apresenta-se como fundamental neste sentido.
Para um filme com roteiro tão forte funcionar é necessário que seu elenco esteja nivelado ao mesmo e certamente algo que não se pode criticar é o desempenho e a qualidade dos nomes distribuídos à trama de Crash - No Limite. Sem contar com um protagonista - a bem verdade, talvez a personagem mais presente durante toda a jornada abraçada pelo filme seja a cidade de Los Angeles, a grande testemunha de todas as tragédias e gritos de esperança soltados pelas personagens -, fica difícil apontar destaques, pois o elenco como um todo mostra-se equilibrado em qualidade e performance. Entretanto, arriscaria pontuar aqui os nomes mais óbvios, como Terrence Howard (Homem de Ferro), Thandie Newton (Missão: Impossível 2), Don Cheadle (O Guarda), Brendan Fraser (O Americano Tranquilo), Ryan Phillippe (Repórteres de Guerra), Matt Dillon (Vidas Sem Rumo) - único membro do elenco indicado ao Oscar por sua atuação no filme -, além dos anteriormente citados Michael Peña e Sandra Bulllock. Não que o restante do elenco mostre-se abaixo destes citados, mas é certo que estes - talvez pela carga dramática de suas personagens - se destacam um pouco mais.
Vencedor do Oscar de melhor filme em 2006, derrotando favoritos como O Segredo de Brokeback Mountain, de Ang Lee e Munique, de Steven Spielberg, Crash - No Limite é tido até hoje como um grande azarão, pois muitos consideravam o filme de Ang Lee não apenas superior, mas também um tanto mais importante paradigmaticamente falando do que Crash. Conservadorismo à parte da academia (o que é uma verdade, pois não havia tanto o que se fazer neste ano, já que todos os cinco filmes indicados possuíam conteúdo bastante acido), confesso que ao rever o filme após tantos anos já não sei se o consideraria meu preferido à premiação (os dois filmes citados me são bastante caros), pois apesar de reconhecer a importância (e ousadia) temática do filme, não o acho uma grande obra tecnicamente falando, ainda mais em comparação aos demais candidatos (talvez Crash seja, entre todos, o mais pobre neste sentido). Mas, polêmicas à parte, tenho ele como um grande filme, guardião de uma mensagem importantíssima, além de apresentar uma rara coragem narrativa, pois apesar de sugerir contornos de mudanças de caráter e postura em alguns personagens e despertar certo otimismo - após uma miríade de eventos no mínimo perturbadores e depressivos -, mantém o senso de "realidade" ao ser encerrado com mais uma colisão (dessa vez física), que dá prosseguimento ao ciclo sem fim de conflitos e desentendimentos tão presentes em nossas vidas. Infelizmente.
AVALIAÇÃO
TRAILER
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Bilheteria:
Um ótimo filme, Téo. Em todos os momentos do film só ratifiquei o título "No Limite" que o mesmo propõe. As ações, talvez, exageradas, nos ajudam a idenficar nossos próprios medos e falhas espelhadas no longa. Os momentos de aperto no coração pareciam não dar sossego. A trilha sonora casou bem com o filme trazendo suavidade nos momentos de tensão. um filme belo e muito emocional!
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