19 julho, 2014

Planeta dos Macacos - O Confronto (Dawn of the Planet of the Apes, EUA, 2014).


2014 está se consagrando como um dos melhores anos - financeiramente e artisticamente - para os estúdios Fox. Após o lançamento de bons títulos como X-Men: Dias de um Futuro Esquecido e A Culpa é das Estrelas (bem quistos e com ótimas arrecadações), eis que o estúdio expõe não apenas seu melhor filme até então, mas possivelmente o melhor blockbuster deste verão (hemisfério norte). Planeta dos Macacos - O Confronto (tradução distante do original Dawn of the Planet of the Apes) é um exemplo mais que concreto do dito "entretenimento inteligente", pois não subestima a inteligência do espectador, entregando uma trama simples, mas coerente e recheada de flashes de cunho filosófico e sociológico. Não obstante esta ser uma obra de entretenimento, há bastante espaço - e, principalmente, sugestões - para reflexão, especialmente quanto à natureza conflituosa do ser humano.

Antes de discutir o filme em si, é salutar destacar que a saída do diretor Rupert Wyatt do filme, quando este ainda se encontrava em pré-produção, não se fez sentir - Wyatt alegou falta de tempo suficiente (dado pela Fox) para "planejar" o filme, além da clássica assertiva "diferenças criativas" e pediu as contas; aposto que, após conferir o que acabou se tornando Planeta dos Macacos - O Confronto, o britânico sentiu um baita remorso pela decisão "precipitada" - e foi prontamente "substituído" por Matt Reeves, que fez seu "nome" com filmes como Cloverfield - Monstro (à época, apadrinhado por J. J. Abrams) e Deixe-me Entrar. E, uma coisa é certa, apesar do ótimo trabalho realizado por Wyatt em Planeta dos Macacos - A Origem, Reeves acerta a mão em cheio, apresentando-se como um diretor tão competente quanto aquele (quiçá mais) e entrega um filme equilibradíssimo, com ótimas sacadas visuais.

Contando mais uma vez com os roteiristas de Planeta dos Macacos - A Origem, Rick Jaffa e Amanda Silver, porém com a adesão de Mark Bomback (Wolverine: Imortal) - muito provavelmente como o responsável por "dar corpo" as sequências de ação -, Planeta dos Macacos - O Confronto tem início aproximadamente dez anos após os eventos mostrados no reboot de 2011 e apresentam os macacos (na verdade, símios) liderados por César (voz e corpo de Andy Serkis, de O Hobbit: Uma Jornada Inesperada) vivendo numa comunidade tribal, enquanto a população humana encontra-se praticamente dizimada pelo vírus criado em laboratório, como apresentado no filme anterior. Somos apresentados a um núcleo de sobreviventes, que acaba por estabelecer contato com a comunidade de César - os símios acreditavam que os humanos haviam sido extintos, enquanto os humanos sobreviventes (teoricamente, imunes aos efeitos do vírus) não tinham ideia da "organização" nem da localização dos primeiros - e, a partir deste, tem-se início um conflito de confiança, que dá vazão a uma violenta guerra entre as raças.

Um dos pontos mais bacanas postos pelo roteiro é justamente a questão da animalização do homem e a humanização dos símios, cuja aproximação em termos de critérios morais e tempero à violência são muito próximos, tendo em seus pares indivíduos mais afeitos a união e ao respeito, como também aqueles extremistas, cuja ideia de aliança e fraternidade são interpretadas como fraqueza, incoerência até. No primeiro grupo encontram-se César e o humano Malcolm (Jason Clarke, de A Hora Mais Escura), enquanto o segundo tem como representantes mais destacados Koba (Tobby Kebbell, de O Conselheiro do Crime) e Carver (Kirk Acevedo, da série Fringe). O filme trabalha bastante a questão do espelho, estabelecendo alteregos entre personagens símios e humanos, como bem reflete as personagens destacada acima - inclusive o núcleo familiar de Malcom, que é completado por sua mulher (Keri Russell, de Missão: Impossível III) e filho (Kodi Smit-McPhee, de A Estrada) é o espelho do de César, cuja esposa e filho são interpretados por Judy Greer (Carrie, a Estranha) e Nick Thurston, respectivamente. Não à toa estas imagens refletidas farão com que a aproximação entre César e Malcolm seja o caminho do desfecho do filme. Outro ponto relevante sugerido pelo filme é a metáfora belicista que envolve os povos - aqui, símios e humanos, mas que não deixa de retratar o "mundo real", com seus conflitos étnicos ainda vorazes e o antagonismo humano (o homem, como sempre, é seu próprio vilão - "o homem é o lobo do homem"), que semeia conflito quando em busca de paz. Contraditório, mas "humano".

Matt Reeves e o trio de roteiristas conseguiram equilibrar muito bem os elementos científicos e filosóficos do filme com os de cunho mais emotivo, além das óbvias sequências de ação, que surgem quando necessárias à trama e não como trunfo para chamar a atenção do espectador. O foco de Reeves encontra-se na construção da trama, na problematização das trajetórias e das escolhas dos personagens, tendo a ação o papel de extrapolar os conflitos plantados durante este processo. Falando em Reeves, é inegável o apuro estético do mesmo, que compõe sequências de cair o queixo, indo das tomadas panorâmicas e tomadas em plongée a planos sequências (mérito também do veterano diretor de fotografia Michael Seresin e da equipe de efeitos visuais da WETA Digital, comandada por Joe Letteri) - a abertura e fechamento do filme, com um close no olhar de César, é sensacional - e a coerência de sua narrativa, que tanto estabelece os conflitos necessários, como imprime um bom ritmo a obra, sem atropelar demais os eventos que permeiam a trama. Reeves comprova aqui que é um cineasta com bastante identidade e segurança.

É claríssima a evolução no que tange aos efeitos especiais e a tecnologia de captura de movimento empregada para a criação dos macacos/símios digitais de 2011 para cá, mas é óbvio que orçamento mais encorpado desta sequência (cerca de 170 milhões de dólares contra aproximadamente 90 milhões do filme anterior) ajudou no alcance do nível de verossimilhança apresentado pelo filme. Temos aqui um forte candidato ao Oscar de melhores efeitos visuais para ano que vem. Em Planeta dos Macacos - A Origem tínhamos uma trilha sonora bastante interessante, composta por Henry Jackman, mas a apresentada nesta sequência não deve em nada aquela. Encarregado de dar prosseguimento aos temas elaborados por Jackman, Michael Giacchino (Star Trek) realiza um trabalho duplo, pois entrega passagens musicais que pontuam (muito bem) as cenas, dando vazão ao sentimento buscado pelo diretor, mas também faz uma homenagem mais do que merecida ao compositor da trilha sonora do Planeta dos Macacos original, o saudoso Jerry Goldsmith (A Profecia) - os ouvidos mais atentos sacarão as homenagens de imediato.

Apresentando mais uma performance impecável de Andy Sekis - é fato de que o ator é o grande nome quando se fala em atuação por captura de movimento -, contando com um elenco competente que reúne nomes conhecidos e outros em ascensão - talvez o único equívoco tenha sido a escalação de Gary Oldman (RoboCop) para o papel de "antagonista moderado", pois, apesar deste não ser de modo algum ruim, não parece estar a altura do talento do ator -, um roteiro objetivo, mas inteligente e uma direção inspirada, Planeta dos Macacos - O Confronto sedimenta de vez a força da franquia (agora renovada) e se apresenta como a peça de entretenimento mais interessante do ano. Mais liberto que o filme anterior por não ter que se colocar como um filme de origem, Matt Reeves e seu Planeta dos Macacos - O Confronto concretiza o que Christopher Nolan conseguiu com seu Batman, o Cavaleiro das Trevas: entregar uma sequência ainda melhor que o filme primeiro, pois aprofunda suas discussões, entrega um espetáculo visual e conceitual, além de deixar o gancho para uma (possível) conclusão matadora. Sim, estamos encarando o meio de uma trilogia. 2016 está logo aí.

★★★★★

Obs.: Agradecimentos a rádio Nova FM Arapiraca, pelo convite para o filme.

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