20 novembro, 2012

Narradores de Javé (BRA, 2003).


"Uma coisa é o fato acontecido, outra coisa é o fato escrito. O acontecido tem que ser melhorado no escrito de forma melhor para que o povo creia no acontecido" (Uma das várias tiradas de Antônio Piá, personagem de José Dumont).
Talvez falte um pouco de unidade ao roteiro de Eliane Caffé e Luiz Alberto de Abreu, mas a concepção por trás deste é tão bacana e os tipos apresentados em tela são tão interessantes e carismáticos que tal desordenação passa batida, não atrapalhando em essência o bom filme que é Narradores de Javé. Segunda incursão de Caffé na batuta de diretora, o filme estrelado por José Dumont (2 Filhos de Francisco) representa uma divertida viagem pelos costumes e peculiaridades de uma pequeno povoado ribeirinha do sertão brasileiro, unindo tipos exóticos e cheios de personalidade, que entremeiam histórias orais das origens da Javé do título.

Narradores de Javé surpreende não só pelo roteiro ágil e pelos diálogos que misturam nonsense - pokémon de Jesusespermatozoide de ninja, por exemplo - à espontaneidade do povo brasileiro, mas também por tratar com profundidade de temas como resgate da cultura popular (e dos populares, por que não), análise de caráter - o personagem Antônio Piá, de José Dumont, é em essência o estereótipo do brasileiro capaz, porém oportunista - e até mesmo uma leve crítica política, no que se refere a construção de uma hidroelétrica exatamente na área de Javé.

Não vale a pena aqui destacar os tipos que aparecem em cena, pois cada um que surge "supera" o anterior, tamanha o convencimento aplicado por suas atuações, mesmo que muitos destes não sejam atores profissionais. Méritos da diretora Eliane Caffé, que conduziu bem tanto os rostos conhecidos - dentre eles Nelson Xavier (Sonhos Roubados), Gero Camilo (Bicho de Sete Cabeças), Nelson Dantas (O Que é Isso, Companheiro?) e Matheus Nachtergaele (Baixio das Bestas) - quanto os não, fazendo com que ambos somassem positivamente a unidade do filme.

A fotografia do filme também é interessante, principalmente por ter pelo menos três filtros de luz distintos, justamente para simbolizar as temporalidades apresentadas à trama, sendo a primeira o presente, onde o personagem de Nelson Xavier narra as peculiaridades dos habitantes de Javé em sua busca por registrar cientificamente a história do povoado, que se encontraria como segundo tempo e os eventos narrados pelas pessoas, que figurariam como um terceiro tempo. Todas estas fases são apresentadas e captadas de uma forma visual particular, o que ajuda ao imergir na obra.

Premiado no Festival do Rio (melhor filme pelo juri popular e juri oficial e melhor ator: José Dumont) e no Festival de Recife (melhor filme), Narradores de Javé é um filme leve, inteligente e divertido, presta tributo à própria essência do brasileiro e, em especial a sua brasilidade e mesmo tendo como cenário o sertão nordestino tão presente no inconsciente coletivo, possui essência universal, sendo "entendível e inteligível" por qualquer nacional, do Oiapoque ao Chuí. Prestes a completar dez anos, está aí uma obra que deveria ter tido mais reconhecimento à época de seu lançamento, pois encontra-se naquela rara categoria de entretenimento essencialmente inteligente. Portanto, caso você ainda não tenha tido a oportunidade de conferir esse ótimo título brasileiro, sugiro que corra atrás, pois nosso cinema necessita ser visto, especialmente os bons títulos.  

AVALIAÇÃO
TRAILER

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