23 novembro, 2012

Ran (JAP/FRA, 1985).


Akira Kurosawa (Rashomon) é um gênio e ponto final. Precisa comentar mais alguma coisa? Pior que sim, pois debater acerca de suas obras é sempre um misto de desafio e prazer, tamanha a riqueza e poder do seu cinema, tecnicamente e conceitualmente. Apesar de não ter lido obra alguma de William Shakespeare, afirmo sem pestanejar que Ran (algo como Revolta) é uma das melhores adaptações da peça Rei Lear, do citado autor. Mesmo que insira elementos de uma antiga lenda japonesa (das três flechas) à obra, é perceptível a essência da obra de Shakespeare no filme, que mostra-se como uma espécie de balé trágico, essencialmente dramático e com rompantes de teatro, que aliados a magistral técnica de Kurosawa entregam um dos maiores filmes do mesmo.

Primeira obra em cores do cineasta que confiro, Ran é um poema épico belíssimo, que contrasta as belas imagens concebidas pelos cinematógrafos Asazaku Nakai, Takao Saitö e Masaharu Ueda com a trama densa, de cunho trágico (ora bolas, é Shakespeare) e um tanto quanto pessimista, mas de olhar arguto quanto as peculiaridades da intitulada condição humana. Sendo assim, temos em Ran morte, traição, vingança e covardia, mas também fé, perseverança, hombridade e esperança. Não só os temas, mas a estrutura narrativa do filme carrega a essência da filmografia de Kurosawa, como o foco na gestualidade dos atores e a falta de verborragia, tendo o filme falas apenas e quando percebe-se necessário. Escrito pelo diretor em conjunto a Hideo Oguni (Trono Manchado de Sangue) e Masato Ide, este é um épico de mão cheia, tanto pelo tamanho de sua produção, quanto pela robustez de seu conteúdo.

Apesar de não contar com seu maior parceiro no elenco - me refiro ao célebre ator Toshiro Mifune -, Kurosawa escalou aqui grandes nomes, com óbvio destaque para Tatsuya Nakadai (Kagemusha, a Sombra do Samurai), simplesmente brilhante como o Lorde Hidetora (ou seria Rei Lear?) em todas as fases pela qual este passa; Mieko Harada, fascinantemente odiável como Lady Kaede, esposa de Taro (Akira Terao), um dos filhos de Hidetora; e, por fim, mas não menos marcante, Shinnosuke Ikehata, que dá vida e densidade ao "bobo da corte" do mesmo Hiderata e que é responsável por alguns dos momentos mais marcantes do filme. Mesmo que o espectro metafórico seja um elemento muito forte na composição destas personagens, a espaço para a humanização dos mesmos, o que é feito de forma sublime pelo elenco.

Não há como não destacar a música e os elementos sonoros de Ran. A primeira, a cargo de Toru Takemetsu, se faz praticamente de sons de flauta e percussão e, mesmo com a suposta "economia" instrumental, consegue conferir tensão durante todas as passagens do épico, indo da singeleza de uma cena intimista ao pandemônio de uma sangrenta batalha entre exércitos. Como a música, os efeitos sonoros do filme seguem o mesmo ritmo, pois sagram-se precisos e pontuais, compondo bem o filme, mas sem chamar a atenção para si. 

Falando em batalhas, o que dizer da composição e coreografia das mesmas? Akira Kurosawa praticamente pinta as sequências da sua mente em tela, alternando planos abertos e fechados na condução das mesmas e provocando (pelo menos em mim) reações mistas de catarse eufórica e ansiedade, tamanha a "realidade" e imersão causada por estas ambiciosas (e bem realizadas) batalhas. Ainda no âmbito de composição, também é interessante notar a fixação do cineasta em focar o céu durante alguns momentos cruciais do longa, céu este que parece refletir o porvir dos eventos ou simplesmente o clima do momento, já que a coloração das nuvens mostram-se sempre distintas a cada foco.

Ao iniciar o filme, apesar de ter a segurança de que conferiria uma boa obra, duvidava que esta pudesse se igualar a clássicos como RashomonOs Sete Samurais ou Trono Manchado de Sangue, contudo a mesma destruiu essa certeza pré-determinada, mostrando-se tão impecável e magnífica quanto. É sempre complicado comentar sobre um filme exagerando nas adjetivações, mas neste caso esta parece a única maneira de proceder sem que haja desmerecimento a magnitude (outro adjetivo) da obra. Em suma, Ran encontra-se entre as melhores obras de Akira Kurosawa, que consegue aqui construir mais um épico trágico de cunho filosófico inspirado em Shakespare, com o distinção (positiva) de que este encontra-se em cores.  

Obs.: Tenho que ler William Shakespeare urgentemente. O grande problema é a linguagem de suas obras, pois tenho "dificuldades" com peças. Todavia, creio que Shakespeare vale o esforço.

AVALIAÇÃO
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