As implicações psicológicas trazidas por Shame, de Steve McQueen (Hunger), são inúmeras, todavia não possuo competência ou conhecimento suficientes para esmiuçá-las, mesmo possivelmente as identificando. No entanto, não é apenas no âmbito psicológico que a obra se faz presente, pois o estudo de personagem (ou personagens, já que há uma forte exploração da família no filme) empregado por McQueen e Abi Morgan (A Dama de Ferro) passeia pela fotografia do homem em si e com isso transpassam elementos que beijam a sociologia, antropologia, filosofia, biologia e a própria psicologia, reunindo um verdadeiro carrossel de "logias" com o "simples" intuito de refletir aspectos da condição humana.
Shame não é um filme fácil e isso não se dá por uma possível complexidade de sua trama (que é complexa, mas não ininteligível), mas sim pelo seu largo caráter subjetivo, que requer paciência, sensibilidade e principalmente interesse do espectador, já que o barato do filme não é resolução de respostas ao conflito proposto, muito menos a explanação das possíveis perguntas, mas sim constatar que há pequenos detalhes no íntimo do ser humano praticamente indecifráveis quanto ao seu por que, mas existem e nos transtornam.
Após visualizar o estupendo trabalho de interpretação de Michael Fassbender (Um Método Perigoso), é praticamente impossível acreditar que o mesmo foi descartado entre os indicados ao Oscar (e outras importantes premiações) por esta atuação, tamanha a densidade, profundidade, desapego e entrega demonstrados pelo ator, que apresenta a evolução (ou degeneração) da sua personagem não só através do texto, mas principalmente através da sutileza de suas expressões, especialmente o olhar, que a medida do avanço do filme fica cada vez mais cansado e distante, como que sucumbindo ao despropósito e vazio do vício num caminho sem volta.
Há um episódio interessante que acontece com Brandon, personagem de Fassbender, quando este parece se envolver sentimentalmente (pela primeira vez ou em muito tempo) com uma mulher (Nicole Beharie), sendo curioso notar que o fato desta ser negra, enquanto Brandon é caucasiano, pode apontar para uma relação subliminar acerca da incompatibilidade deste para com a possibilidade de um relacionamento complexo, sem a necessidade biológico-compulsória pelo ato sexual. Pode ser que o contraste "branco e preto" não tenham sido posto com este intuito, mas é óbvio que entre estas duas personagens foi despertado um sentimento diferente, especialmente em Brandon, o que acarretou na "perda" temporária de sua "aptidão" masculina, refletindo num ato de impotência por parte do personagem, que culminaria na declínio quase que total de sua percepção psico-sensorial de mundo, como o tenso clímax do filme mostra.
Carey Mulligan (Educação), que interpreta a problemática e "indesejada" irmã de Brandon, tem pouco tempo em cena, mas sempre que aparece chama a atenção, seja pelo seu charme de menina ou mesmo pela densidade dramática que a mesma traz a personagem, até por que a grande maioria de suas cenas rendem conflitos ou momentos inusitados. Pouco lembrada por esta atuação, talvez pelo grande desempenho de Fassbender, Mulligan traz um pouco de luz ao filme, o que não deixa de ser irônico, visto que sua personagem é tão machucada e perdida quanto Brandon.
No âmbito técnico, destacaria dois pontos: em primeiro lugar, a fotografia composta por Sean Bobbitt (parceiro do diretor Steve McQueen), especialmente pela forma com que posiciona a câmera, empregando um olhar direcionado ao personagem de Fassbender, mas sempre de uma certa distância, quase que como se fosse um "analista" perante as ações tomadas pelo personagem. A bem verdade as lentes de Bobbitt transmitem um clima voyeur as cenas, que mostram-se amplificadas pela utilização de reflexos e espelhos (especialmente nos momentos de maior confusão de Brandon). A iluminação das cenas noturnas também é belíssima, com destaque para a sequência onde os personagens de Fassbender, Mulligan e James Badge Dale (série The Pacific) passeiam de táxi após um jantar, quando vislumbramos através do reflexo da janela da porta do carro as propagandas luminosas do coração de Nova Iorque, que parece querer invadir o carro. Para mim, um momento belo e com toques de lisergia.
O trabalho do diretor Steve McQueen merece destaque, pois só o fato de dar sentido lógico e, por conseguinte, despertar o interesse do espectador para uma trama que, num primeiro olhar, não traz grandes viradas dramáticas (pois, como comentei, aposta muito mais na subjetividade), já comprova sua capacidade, porém o cineasta não se contenta apenas em organizar (ou pelo menos guiar o espectador) o sentido do filme e imprime sua marca visual no mesmo, através dos enquadramentos peculiares ao personagem de Fassbender - a sequência inicial do filme já deixa o espectador pensativo quanto à proposta do filme -, indo da primeira cena vista em plounge ao desfecho carregado num plano aberto.
Há um episódio interessante que acontece com Brandon, personagem de Fassbender, quando este parece se envolver sentimentalmente (pela primeira vez ou em muito tempo) com uma mulher (Nicole Beharie), sendo curioso notar que o fato desta ser negra, enquanto Brandon é caucasiano, pode apontar para uma relação subliminar acerca da incompatibilidade deste para com a possibilidade de um relacionamento complexo, sem a necessidade biológico-compulsória pelo ato sexual. Pode ser que o contraste "branco e preto" não tenham sido posto com este intuito, mas é óbvio que entre estas duas personagens foi despertado um sentimento diferente, especialmente em Brandon, o que acarretou na "perda" temporária de sua "aptidão" masculina, refletindo num ato de impotência por parte do personagem, que culminaria na declínio quase que total de sua percepção psico-sensorial de mundo, como o tenso clímax do filme mostra.
Carey Mulligan (Educação), que interpreta a problemática e "indesejada" irmã de Brandon, tem pouco tempo em cena, mas sempre que aparece chama a atenção, seja pelo seu charme de menina ou mesmo pela densidade dramática que a mesma traz a personagem, até por que a grande maioria de suas cenas rendem conflitos ou momentos inusitados. Pouco lembrada por esta atuação, talvez pelo grande desempenho de Fassbender, Mulligan traz um pouco de luz ao filme, o que não deixa de ser irônico, visto que sua personagem é tão machucada e perdida quanto Brandon.
No âmbito técnico, destacaria dois pontos: em primeiro lugar, a fotografia composta por Sean Bobbitt (parceiro do diretor Steve McQueen), especialmente pela forma com que posiciona a câmera, empregando um olhar direcionado ao personagem de Fassbender, mas sempre de uma certa distância, quase que como se fosse um "analista" perante as ações tomadas pelo personagem. A bem verdade as lentes de Bobbitt transmitem um clima voyeur as cenas, que mostram-se amplificadas pela utilização de reflexos e espelhos (especialmente nos momentos de maior confusão de Brandon). A iluminação das cenas noturnas também é belíssima, com destaque para a sequência onde os personagens de Fassbender, Mulligan e James Badge Dale (série The Pacific) passeiam de táxi após um jantar, quando vislumbramos através do reflexo da janela da porta do carro as propagandas luminosas do coração de Nova Iorque, que parece querer invadir o carro. Para mim, um momento belo e com toques de lisergia.
O trabalho do diretor Steve McQueen merece destaque, pois só o fato de dar sentido lógico e, por conseguinte, despertar o interesse do espectador para uma trama que, num primeiro olhar, não traz grandes viradas dramáticas (pois, como comentei, aposta muito mais na subjetividade), já comprova sua capacidade, porém o cineasta não se contenta apenas em organizar (ou pelo menos guiar o espectador) o sentido do filme e imprime sua marca visual no mesmo, através dos enquadramentos peculiares ao personagem de Fassbender - a sequência inicial do filme já deixa o espectador pensativo quanto à proposta do filme -, indo da primeira cena vista em plounge ao desfecho carregado num plano aberto.
Todavia, apesar de bem executado e possuidor de uma mensagem absolutamente relevante e atual, confesso que a concepção em tons realistas do filme me soaram pessimistas em demasia, até por que acredito que se o excesso de positividade em determinadas obras podem causar certo desconforto (afinal de contas, nem tudo que é doce faz bem, não é), a dose extra de negativismo também pode soar desinteressante, o que ao meu ver acaba acontecendo com Shame em alguns momentos. Me considero bastante "resolvido" quanto a enxergar as agruras de nossos tempos, porém mesmo partidário da máxima hobbesiana que confere o "homem como o lobo do homem", confesso que como espectador me senti incomodado em demasia durante alguns momentos do filme (me refiro a ideia do mesmo, não tanto a exploração imagética), principalmente ao imprimir a imagem de Brandon a minha própria persona e, com isso, me sentir acorrentado ao determinismo negro de sua existência proposto por McQueen e Morgan. Obviamente isto não faz do filme melhor ou pior, porém assinala sua complexidade subjetiva e sua tendência a enxergar o pior do homem. Infelizmente, não creio que neste sentido a teoria esteja errada.
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