É mais do notável que Vivendo no Limite guarda ecos de Taxi Driver, também dirigido por Martin Scorsese. Ambos tratam de neurose e paranoia, têm a cidade de Nova York como ambiente e traçam um olhar direcionado a arquétipos de seres marginalizados, pouco notados dentro da imensa massa de gente que é a Big Apple. Entretanto, ao contrário do filme do motorista de táxi, que trabalha a violência sob um prisma externo, neste filme temos um olhar internalizado, caracterizado pela dor carregada pelo personagem de Nicolas Cage (Os Vigaristas), um paramédico com a mente em fragalhos, que salva vidas diariamente quase como se estivesse numa batalha. Contando também com roteiro de Paul Schrader (autor de Taxi Driver), o filme promove um bem vindo retorno a linguagem apresentada nos filmes dos anos 1970, apresentando um clima particular, num misto de claustrofobia e lisergia, construindo através dos olhos do personagem de Cage um choque constante entre realidade e alucinações.
Formatado como uma crônica, onde acompanhamos três dias seguidos de trabalho de Frank Pierce (Cage), são apresentados temas como culpa e remorso, solidão, angústia e esperança, num ambiente tomado por sujeira, caos e insatisfação, que é o da emergência médica. A construção deste universo ganha ainda mais vida com a utilização de efeitos que evidenciam ainda mais o brilho da cidade de Nova York, as luzes do tráfego, o contrate entre escuridão (noite) e claridade (dia), culminando num encerramento sensível e poético, quando visualizamos um amanhecer tanto natural (pelo horário sugerido pelo filme) quanto para o renascimento de Pierce, que encontra paz após uma série de eventos trágicos e quase não notados pelos olhos que permeiam àqueles ambientes.
Vivendo no Limite não é um filme dos mais dinâmicos, sendo necessário paciência e boa vontade do espectador para a imersão nesse universo caótico, mas plenamente reconhecível. O filme conta também com a presença de John Goodman (Speed Racer), Tom Sizemore (O Resgate do Solado Ryan) e Ving Rhames (Missão: Impossível) em pequenos papéis, mas bem desenvolvidos e interessantes, especialmente por servirem de contraponto ao personagem de Cage. Patricia Arquette (Stigmata), ex-senhora Cage, tem um papel importante à trama, mas não corresponde a contento, sendo talvez o ponto mais frágil do filme, visto que seu desempenho fica a desejar. Quanto a Cage, apesar de vez ou outra seu histrionismo - marca registrada do ator - aparecer, faz um excelente trabalho, convencendo tanto físico quanto mentalmente como um homem no limite, como diz a tradução nacional.
Um filme pouco visto, discutido e, consequentemente conhecido de Martin Scorsese, Vivendo no Limite não deixa de ser um trabalho interessante, meticuloso, cheio de elementos visuais que complementam a trama e despertam até mesmo alguns pensamentos que aparentemente não estão contidos no roteiro de Schrader, amplificando assim a complexidade do filme, que tem um tema bem centrado, mas não deixa de abrir espaço para discussões mais aprofundadas, visto que à espaço aqui para discussão técnico-cinematográfica, psicológica, social e até mesmo humanística, visto que, assim como acontecera em Taxi Driver, no centro de tudo reside a percepção de um ser-humano, e este olhar nos guia por este emaranhado de questionamentos e possibilidades de análises.
Baseado no livro autobiográfico de Joe Connelly, Vivendo no Limite é um filme pequeno, sem tantas ambições, mas que encontrou o caminho certo nesta união entre Scorsese, Schrader e Cage, sendo assim uma ótima pérola a ser descoberta e/ou redescoberta perante o público. Como último destaque, colocaria a ótima seleção de canções do filme - Rolling Stones, Johnny Thunders, dentre outros, permeiam todo o filme -, aspecto recorrente na filmografia de Martin Scorsese, além dos temas originais, compostos pelo já falecido Elmer Berstein, autor das trilhas de grandes clássicos do cinema como Sete Homens e um Destino, Os Dez Mandamentos e Os Caça-Fantasmas, por exemplo. Em resumo, Vivendo no Limite encaixa-se perfeitamente na batida descrição "pequeno grande filme".
TRAILER:
Mais Informações:
Bilheteria: Box Office Mojo
Filmes de MARTIN SCORSESE já comentados:
- Taxi Driver (1976)
- Touro Indomável (1980)
- A Última Tentação de Cristo (1988)
- Os Bons Companheiros (1990)
- O Aviador (2004)
- A Invenção de Hugo Cabret (2011)
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